domingo, 31 de julho de 2022

“Deixem o coração de D. Pedro no Porto”, pedem intelectuais brasileiros

 


BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

“Deixem o coração de D. Pedro no Porto”, pedem intelectuais brasileiros

 

Historiadores, escritores e filósofos brasileiros criticam a autorização da Câmara do Porto de trasladar para o Brasil o coração de D. Pedro IV. Rui Moreira é acusado de desrespeitar e ofender a memória do primeiro imperador daquele país. E dizem que o autarca pode tornar-se “um actor coadjuvante” de uma “manifestação golpista” de Jair Bolsonaro nas celebrações do bicentenário da independência do Brasil.

 

Adriana Negreiros

31 de Julho de 2022, 7:55

https://www.publico.pt/2022/07/31/culturaipsilon/noticia/deixem-coracao-d-pedro-porto-pedem-intelectuais-brasileiros-2015413?fbclid=IwAR1s60rVYPW3nXaRUTnt9H_PycdRGMxHYeCvniPJnAJXK_fcK_3oiAcbGEY

 

Quando leu a notícia de que o coração de D. Pedro IV seria trasladado de Portugal para o Brasil, a arqueóloga e historiadora brasileira Valdirene Carmo Ambiel temeu o pior. A primeira imagem que lhe veio à mente foi a do Monumento à Independência, em São Paulo, onde estão guardados os restos mortais de D. Pedro e das suas duas esposas, as imperatrizes Maria Leopoldina e Amélia Leuchtenberg — o monarca casou-se com a segunda em 1829, três anos após a morte da primeira.

 

Desde 2013 — ano em que defendeu dissertação de mestrado em Arqueologia na Universidade de São Paulo (USP) sobre os restos humanos dos primeiros imperadores do Brasil — que Ambiel chama a atenção para o estado de conservação do monumento, “construído numa região de aterro e próximo ao riacho do Ipiranga”. Foi nas margens do riacho que D. Pedro declarou a independência do Brasil, em 7 de Setembro de 1822. Segundo Ambiel, devido ao relevo natural do terreno, aquela construção sofre há décadas de infiltrações: a água da chuva acumula-se na parte superior do monumento e desce para o subsolo, onde está a Cripta Imperial com os corpos de D. Pedro, D. Leopoldina e D. Amélia. “A humidade pode provocar danos irreversíveis aos restos mortais”, adianta.

 

Foi por isso que Valdirene Ambiel estremeceu ao ler que o coração de Dom Pedro IV estava prestes a atravessar o oceano Atlântico — um pedido do Governo do Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, para as celebrações do bicentenário da independência. Decidiu, então, fazer o que estivesse ao seu alcance para impedir o traslado, autorizado em Junho pelo presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, guardião do órgão. A primeira iniciativa foi protestar através das redes sociais. “Se não conseguimos fornecer o mínimo de respeito e dignidade ao corpo de D. Pedro, qual o sentido em trazer seu coração, mesmo que por pouco tempo?”, escreveu, no final de Junho, num post do Instagram. Também concedeu entrevistas, distribuiu imagens que comprovam a infiltração no Monumento à Independência e antecipou informações de uma nova investigação em curso, cujo resultado trará a reconstituição facial dos três imperadores. O trabalho está a ser feito a partir de imagens tomográficas dos crânios e terá um alto grau de realismo, promete Ambiel.

 

Todas as iniciativas, afirma, são em nome do “respeito à memória do ser humano”. Para a arqueóloga, o mesmo cuidado deveria ser dispensado à vontade do próprio D. Pedro. Antes de morrer, ele pediu que o seu coração fosse doado à cidade do Porto. O gesto foi um agradecimento à resistência da população, que defendeu o monarca durante o Cerco do Porto, entre Julho de 1832 e Agosto de 1833. Nessa altura, o exército liberal de D. Pedro venceu as tropas absolutistas do irmão D. Miguel. “Quando estive no Porto, em 2015, pude constatar o respeito que há pela figura do monarca na cidade”, conta Ambiel. “Essa cumplicidade deve ser respeitada.”

 

“Projecto ridículo e risível”

Valdirene Carmo Ambiel não é a única investigadora brasileira a opor-se à ida do coração de D. Pedro IV para o Brasil. Há, entre historiadores, escritores, filósofos e outros intelectuais uma forte reacção adversa à iniciativa. Essa resistência é expressa de duas maneiras principais. A primeira, na forma de uma dura crítica à solicitação da presidência de Jair Bolsonaro, acusado de usar o coração do imperador do Brasil para fazer do Sete de Setembro — o feriado nacional da independência — um “grande espectáculo da pujança dos militares”, nas palavras da historiadora Lilia Schwarcz, professora do Departamento de Antropologia da USP e Global Scholar na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Ela é autora de 19 livros, entre os quais O Sequestro da Independência: uma história da construção do mito de Sete de Setembro, em co-autoria com Carlos Lima Jr. e Lúcia Stumpf, que será lançado no Brasil no dia 5 de Agosto, pela editora Companhia das Letras. “O empréstimo do coração é um projecto ridículo e risível”, afirma Schwarcz. “O Governo brasileiro aposta no aumento das armas e da morte. Somente um Governo que se guia pela ideia de que a violência é intrínseca pode fazer tal espectáculo de um órgão.”

 

A segunda reacção dos pensadores brasileiros expressa-se num sentimento de decepção com as autoridades portuguesas por terem atendido ao pedido do Governo de Bolsonaro. Esse desapontamento é endereçado sobretudo à figura de Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto. Para o escritor Laurentino Gomes, autor dos best-sellers 1808, 1822 e 1989 (Porto Editora) e da recém-concluída trilogia Escravidão (o primeiro volume saiu em Portugal pela Porto Editora, em 2021), a biografia de Moreira “corre riscos”. “Rui Moreira, que conheço e admiro há muitos anos, já anunciou que pretende acompanhar pessoalmente a viagem do coração de D. Pedro ao Brasil. Sinto informá-lo que são grandes as chances de que se torne um actor coadjuvante em uma manifestação golpista do Presidente Jair Bolsonaro”, afirma o escritor, para quem a decisão da Câmara do Porto foi “ingénua e precipitada”.

 

Gomes afirma que, recentemente, durante a Bienal Internacional do Livro de São Paulo (na qual Portugal foi o país homenageado), “Bolsonaro humilhou publicamente” o Presidente da República de Portugal. “Bolsonaro não compareceu ao evento e ‘desconvidou’ Marcelo Rebelo de Sousa para um almoço programado em Brasília. Não terá qualquer prurido em fazer o mesmo com o presidente da Câmara do Porto. Para mim, seria penoso ver, uma vez mais, um representante da democrática República Portuguesa passar por um constrangimento dessa natureza”, avalia Gomes.

 

A historiadora brasileira Isabel Lustosa, investigadora integrada na Universidade Nova de Lisboa e autora, entre outros livros, da biografia D. Pedro I: Um Herói sem Nenhum Caráter (Companhia das Letras, 2006), também não compreende os motivos pelos quais as autoridades portuguesas concordaram com o pedido do Governo brasileiro. “É surpreendente que Portugal tenha agido assim”, lamenta a historiadora, convicta de que o recomendável seria fazer-se a última vontade do monarca e manter o coração no Porto.

 

Ao contrário do que muitos afirmam, D. Pedro não deixou registado por escrito o desejo de que o órgão permanecesse na cidade. Em nenhum dos seus dois testamentos — um assinado em Paris em 21 de Janeiro de 1832; o outro finalizado em Lisboa em 14 de Setembro de 1834, dez dias antes de morrer — há recomendações quanto ao destino dos seus órgãos. No entanto, os historiadores confiam nos relatos dos que testemunharam os momentos finais do monarca. No leito de morte, conforme relata Otávio Tarquínio de Sousa no terceiro tomo de A Vida de D. Pedro I, lançado em 1952 e reeditado em 2009 pelo Senado Federal do Brasil, D. Pedro recomendou à esposa, D. Amélia, “que fosse o seu coração embalsamado e oferecido ao Porto, em testemunho da mais pura gratidão”.

 

“As palavras de D. Pedro foram testemunhadas por seus contemporâneos, pelos que acompanharam a sua agonia, e a história reconhece o pedido como seu último desejo”, reforça Isabel Lustosa, convicta de que não há razões para duvidar da autenticidade dos laços entre o monarca e o Porto. “Perto de morrer, ele quis viajar para a cidade. O Porto foi fundamental na história de vida do imperador e do homem. A experiência dramática da guerra, na qual lutou bravamente, revelou-lhe valores que, talvez, nem [o próprio] soubesse tê-los”, avalia.

 

“Desrespeito e ofensa à memória de D. Pedro”

Para Laurentino Gomes, ao dizer “sim” ao Governo brasileiro, “a câmara de certa forma desrespeitou a vontade de D. Pedro e ofendeu a sua memória”. Diante do pedido de empréstimo, “feito à última hora e de forma atabalhoada”, as autoridades portuguesas “deveriam ter sido mais corajosas” e dito “não”. O escritor salienta que o coração é uma relíquia frágil, cuja preservação recomenda que não seja retirado da Igreja da Lapa, onde está conservado em formol e guardado a cinco chaves. “Só isso já serviria de justificação para que a Câmara Municipal do Porto recusasse o pedido do Governo Bolsonaro. Não haveria ofensa alguma ao povo brasileiro. Todos entenderiam perfeitamente a delicadeza da situação”, analisa. E alerta que “o preço a ser pago por essa imprevidência se verá na Esplanada dos Ministérios de Brasília no dia 7 de Setembro”.

 

Até ao momento, no entanto, o Governo brasileiro ainda não tem planos definidos para o coração. Não se sabe o que será feito ao órgão nem em que tipo de cerimónias será usado. Ao P2, a assessoria de comunicação do Ministério das Relações Exteriores disse que a programação “específica a ser cumprida durante a permanência do coração está sendo negociada com a parte portuguesa”. Informou ainda que “a vinda do coração será oportunidade para que os brasileiros possam homenagear a figura central no processo de independência do país”.

 

Entusiasta da ideia de imaginar desdobramentos possíveis para a história — é autor do recém-lançado A Neve Quente dos Trópicos: O Brasil sem a Família Real (U. Porto Press), romance sobre o que teria acontecido ao Brasil se a família real portuguesa não tivesse embarcado para lá em 1807 — o filósofo Renato Janine Ribeiro torce para o coração não ser exposto publicamente. “Vi as fotografias e não é uma coisa bonita”, relata. “Não consigo imaginar crianças e adolescentes animados para ver um coração que parou de bater há quase dois séculos”, prossegue o filósofo, que foi ministro da Educação da Presidente Dilma Rousseff e, actualmente, é professor sénior da USP e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

 

Ribeiro associa o pedido do Governo Bolsonaro ao ocorrido em 1972, quando os restos mortais — menos o coração — foram enviados para o Brasil a pedido do general Emílio Garrastazu Médici, então Presidente. O país vivia, à época, um dos momentos da maior e mais violenta repressão contra os adversários da ditadura militar. O pedido de Médici, assim como o de Bolsonaro, foi feito no âmbito das celebrações pelo aniversário da independência, que então completava 150 anos. O actual Presidente do Brasil é um admirador dos ditadores que comandaram o país entre 1964 e 1985. Em 2016, pouco antes de ser eleito, disse em entrevista a uma rádio local que o “erro da ditadura foi torturar e não matar”.

 

A negociação entre o Estado Novo português — cujo Presidente, em 1972, era o também militar Américo Tomás — iniciou-se, na ocasião, com maior antecedência do que agora. Na noite de 13 de Agosto de 1971, Médici foi à televisão anunciar o acordo com as autoridades portuguesas. O professor Janine Ribeiro conta que havia, entre os brasileiros, grande expectativa de que, nessa altura, o Presidente anunciasse uma amnistia para os perseguidos pela ditadura. Ansiava-se pelo anúncio de medidas que permitissem o regresso ao Brasil de exilados políticos. “Em vez disso, ele anunciou a vinda de um cadáver, o corpo do imperador. Foi uma decepção. Ao invés de vida, morte”, descreve Ribeiro.

 

Quase um funeral

Em 1972, os despojos de D. Pedro cruzaram o Atlântico a bordo do navio Funchal, que partiu do Cais de Alcântara, em Lisboa, num final de dia frio e cinzento, a 10 de Abril. “A despedida foi protocolar, formal”, narrou o jornalista carioca Humberto Borges, enviado especial do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, à capital portuguesa. “O locutor da Radiotelevisão Portuguesa tentava descrever o embarque dos restos mortais do imperador como uma cerimónia que houvesse deslumbrado Lisboa. E as imagens desfilavam, bem filmadas, teimando em desmenti-lo”, ironizou, num texto publicado na edição de 23 e 24 de Abril daquele ano.

 

Numa cerimónia descrita pelo repórter como “curta e simples”, cerca de 50 curiosos presenciaram o momento em que oficiais da Marinha portuguesa conduziram o esquife com o corpo de D. Pedro ao interior do navio. Naquele momento, foram executados os hinos do Brasil e de Portugal e os navios de escolta dos dois países deram salvas de canhão ao rei daqui e imperador de lá.

 

A bordo da embarcação estavam 400 pessoas, entre os quais o Presidente Américo Tomás — e a sua comitiva de 52 convidados —, jornalistas, auxiliares, militares e tripulantes. “Quatrocentas pessoas e um esquife”, dizia, com ironia, um texto publicado no Jornal do Brasil a respeito da viagem. Nos 12 dias a bordo, os viajantes dividiam-se entre o ímpeto de buscar algum prazer no trajecto e o respeito à presença do morto. “Para encher o tempo, apesar de ser sempre lembrado que se trata de quase um funeral e de que a viagem não deveria ter qualquer cunho de diversão, foi instituído o bingo vespertino, na hora do chá”, lia-se na reportagem. Além disso, os convivas distraíam-se com cafés, licores e passeios nos convés, onde ocorriam verdadeiros desfiles de moda, “com Diors, Valentinos e Balenciagas” a exibir-se para os integrantes menos nobres do navio, intimidados nos seus “surrados paletós enxadrezados”.

 

Um caixão demasiado grande

O Funchal aportou no Rio de Janeiro às 8h50 do dia 22 de Abril — não à toa, data em que, em 1500, os portugueses chegaram ao Brasil. Foram 270 horas e 50 minutos de navegação, com uma parada para abastecimento em Porto Grande, em Cabo Verde, no dia 14 de Abril — no total, foram gastas 800 toneladas de combustível.

 

A chegada, ao contrário da partida, atraiu uma multidão de curiosos ao Monumento aos Pracinhas, no aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, sítio da cerimónia de entrega dos restos mortais. A população presente ao evento foi estimada, na data, em cerca de 12 mil pessoas. O esquife foi recebido por uma guarda de honra formada por fuzileiros dos dois países. Aviões da Esquadrilha da Fumaça brasileira cruzaram o céu, fazendo acrobacias e soltando jactos de fumo verde e amarelo ou verde e vermelho, numa referência às cores das bandeiras de Brasil e Portugal.

 

No discurso durante a cerimónia, o Presidente brasileiro Garrastazu Médici fez menção ao coração de D. Pedro: “Os seus despojos mortais estarão divididos, doravante, entre a cidade do Porto e a cidade de São Paulo, como divididos estiveram sempre o seu espírito e o seu afecto entre as duas pátrias que igualmente amou”. Lembrou, durante o pronunciamento, que “o Cerco do Porto e o Grito do Ipiranga — os dois maiores momentos de sua grande vida — marcaram o seu destino histórico”.

 

Entre Abril e Setembro, os restos mortais de D. Pedro fizeram uma excursão pelas principais cidades brasileiras, sendo sempre recebidos com honras militares. No dia 6 de Setembro, véspera do feriado nacional, foram conduzidos num carro de combate do Exército brasileiro até o Monumento à Independência, em São Paulo. Neste espaço, já estava guardado, desde 1954, o corpo de D. Leopoldina (o de D. Amélia chegaria em 1982). O então presidente do Conselho de Ministros de Portugal, Marcello Caetano, acompanhou a cerimónia, que teve um desfecho, no mínimo, constrangedor: o caixão de D. Pedro era maior do que o espaço destinado a ele no sarcófago de granito da Cripta Imperial.

 

“Esse foi um problema que durou vários anos”, relata a arqueóloga e historiadora Valdirene Ambiel na sua dissertação sobre os restos mortais dos imperadores. “Em 1975, a urna funerária ainda não havia sido depositada no sarcófago, o que foi criticado pelas autoridades portuguesas. Parece não ter havido preocupação com os remanescentes humanos, mas apenas com o personagem, usado como propaganda política”, critica.

 

Para a historiadora Lilia Schwarcz, “tudo funciona na lógica de que a história se repete primeiro como farsa, depois como tragédia”. Ela afirma que, como ocorrido meio século atrás, está-se diante de uma celebração do Sete de Setembro em uma “versão mórbida”. Mais uma vez, na análise de Schwarcz, o Governo procura defender a visão segundo a qual o processo de independência do Brasil ocorreu de maneira “ordeira, pacífica e sem povo”, atribuindo protagonismo a D. Pedro.

 

“No Brasil, a figura de D. Pedro é controversa. E há-de ser. Entre 1822 e 1831, quando foi forçado a abdicar do trono, a popularidade dele foi por água abaixo. Ele impôs uma Constituição — de 1824 —, reprimiu qualquer manifestação contra a monarquia e teve de sair do país devido à pressão dos brasileiros”, diz Schwarcz. Esta historiadora defende que em vez de homenagear a figura do imperador, como propõe o Ministério das Relações Exteriores, o Brasil deveria estar preocupado em “entender a independência de forma crítica e reflexiva”.

 

Sequestro dos símbolos nacionais

Até agora, o traslado do coração de D. Pedro foi a única iniciativa anunciada pelo Governo brasileiro para o bicentenário da independência — o vértice das comemorações, em tese, deve ocorrer no feriado de Sete de Setembro. A aproximação da data tem sido motivo de preocupação em alguns sectores da sociedade brasileira — especialmente entre os críticos do Presidente Jair Bolsonaro. As eleições presidenciais estão marcadas para o dia 2 de Outubro, 25 dias após o feriado. Na convenção que oficializou a sua candidatura à presidência, Bolsonaro convocou os seus apoiantes a saírem para as ruas “pela última vez” e pediu aos presentes que repetissem a seguinte frase: “Eu juro dar a minha vida pela liberdade.”

 

O discurso teve ampla repercussão nos media e foi compreendido como mais uma ameaça do Presidente de inviabilizar o processo eleitoral. A suspeita havia sido reforçada em outro acontecimento recente, quando Jair Bolsonaro se reuniu com embaixadores brasileiros e atacou a segurança das urnas electrónicas e o Supremo Tribunal Federal. Para Laurentino Gomes, é nesse contexto que a biografia de Rui Moreira corre riscos. “Desde que assumiu o Governo, o Presidente brasileiro sequestrou os símbolos e as datas cívicas nacionais, que sistematicamente tem usado para atacar as instituições democráticas. Fará isso novamente no dia 7 de Setembro”, prevê.

 

O Governo brasileiro aposta no aumento das armas e da morte. Somente um Governo que se guia pela ideia de que a violência é intrínseca pode fazer tal espectáculo de um órgão

 

“Ao contrário de celebrações de carácter ufanista, usadas como palco para manifestações golpistas e antidemocráticas do actual Governo, Brasil e Portugal poderiam aproveitar o bicentenário para reflectir em maior profundidade sobre as injustiças, as dores e sofrimentos do passado”, sugere o escritor. É a mesma opinião de Renato Janine Ribeiro, para quem o bicentenário seria uma boa oportunidade para que os dois países revisassem o tratado de dupla nacionalidade. “Não há festas populares, colóquios, exposições em museus, obras públicas sendo entregues, livros sendo lançados. Em vez disso, temos uma agenda necrófila com ameaças à democracia. Democracia é vida e ditadura é morte.”

 

Se, em 1972, o corpo de D. Pedro demorou 12 dias para chegar ao Rio de Janeiro, o coração levará cerca de dez horas para atravessar o Atlântico. Voará num avião da Força Aérea Brasileira, na companhia de Rui Moreira, caso tudo corra conforme o combinado. Até lá, a Prefeitura de São Paulo espera ter concluído as reformas no Monumento à Independência, de modo a reparar os defeitos hidráulicos e eléctricos que, na avaliação de Valdirene Ambiel, têm colocado a integridade dos restos mortais dos imperadores em risco.

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