AGRICULTURA
Maioria dos apoios ao biológico em Portugal vai para
pastagens que não garantem produtos biológicos
Os subsídios são dados por hectare e não obrigam a que o
produto final seja certificado, mas colocam o país mais próximo das metas da
UE.
Alexandra Prado
Coelho
31 de Julho de 2022,
6:00
A área agrícola
biológica em Portugal está a crescer, tendo nos últimos dois anos passado de
322 mil hectares, ou seja, 9% da Superfície Agrícola Utilizada (SAU, num total
de 3900 mil hectares) para perto dos 16% (637 mil hectares), se tivermos como
base os dados das candidaturas do Pedido Único 2022 ao Instituto de
Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), ainda não vertidos para os
números oficiais. Esta área junta os regimes em conversão e os já certificados.
Segundo dados de
2020 da Direcção-geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural, cerca de dois
terços da área agrícola biológica é ocupada por pastagens, que recebem os
apoios financeiros para biológico, mas cujo resultado final não se traduz
necessariamente num produto “bio" certificado. Ao contrário das culturas
permanentes, as pastagens têm uma gestão mais fácil e com menos riscos de
perdas de produção. Mas a questão levanta alguma polémica.
Isabel Dinis,
agrónoma e responsável pelo projecto Divulgar Bio, questiona os apoios a
pastagens quando “não somos capazes de produzir todos os hortícolas e
frutícolas biológicos que consumimos” e temos de recorrer à importação para
suprir as necessidades do mercado. “Fazer pastagens biológicas não tem grande
ciência. O Alentejo está cheio de pastagens biológicas que não vão dar origem a
carne biológica e que recebem o subsídio na mesma”, diz.
Está previsto no
Plano Estratégico da Política Agrícola Comum para 2023-2027 (PEPAC, que carece
ainda de aprovação formal) uma alteração nesse regime: os apoios passarão a ser
atribuídos não apenas por hectare mas também por número de animais. Dar mais um
passo e fazê-los depender da certificação do produto final levantaria outros
problemas, porque são produtos que podem depois não ser procurados ou
devidamente valorizados no mercado, explica Eduardo Diniz, director-geral do
Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) do Ministério da
Agricultura e Alimentação.
Mesmo que a carne
dos animais que utilizaram aquelas pastagens não seja vendida como biológica, o
modo de produção “já tem vantagens do ponto de vista ambiental, na forma como
se usam os recursos naturais”. E, dado que a SAU só tem 20% de culturas
permanentes, sem as pastagens não seria possível aproximarmo-nos das metas
europeias de 25% de área em regime biológico até 2030.
Nessa
perspectiva, argumenta, é mais razoável apoiar agricultores que mantêm práticas
exigentes do que obrigá-los ao processo que leva até um produto final
certificado. Esse processo pode não ser vantajoso para eles em termos
económicos, até porque “não são responsáveis pela transformação industrial nem
a venda a retalho”, havendo o risco de os levar a abandonar o biológico.
Há, contudo, uma
diferença entre o valor do apoio ao biológico previsto no PEPAC para, por
exemplo, frutos frescos de regadio em regime de manutenção (927 euros por
hectare na base, sendo que vai diminuindo com o aumento de área) enquanto as
pastagens irão receber 97 euros por hectare mais 48 por cabeça de gado.
Cálculos que, esclarece Eduardo Diniz, têm como base eventuais perdas de
rendimento ou acréscimo de custos ligados aos diferentes tipos de produção.
Apesar disso, a maior parte dos apoios acaba por ir para pastagens devido à
dimensão que estas ocupam na SAU.
O responsável do
GPP lembra que nas últimas décadas a SAU alterou-se, com as pastagens a
passarem de 36% no recenseamento de 1999 para 52% em 2019. “A agricultura
biológica”, diz, “pode contribuir para uma gestão activa destas áreas,
contrariando o abandono” e, desejavelmente, no futuro aumentar a
disponibilização de produtos biológicos se as condições do mercado se tornarem
mais favoráveis a este tipo de oferta.
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