OPINIÃO
Carta Aberta ao Primeiro-Ministro
Sei, Senhor Primeiro-Ministro, que não faltam
justificações actuais para este ameaçador estado de coisas, imediatamente no
que respeita à manutenção das instalações. Não podendo deixar de lembrar que
esta penúria vem de antes da pandemia e que o Plano de Recuperação e
Resiliência ignora a cultura como instância fundamental de desenvolvimento de
um país europeu, tenho de lhe recordar que as catástrofes avisam quase sempre
antes de acontecerem.
Raquel Henriques
da Silva
28 de Março de
2021, 7:13
https://www.publico.pt/2021/03/28/culturaipsilon/opiniao/carta-aberta-primeiroministro-1956215
Tendo-me sido
pedido um comentário à investigação conduzida pelo jornal PÚBLICO sobre o
estado de catástrofe anunciada de vários museus tutelados pelo Ministério da
Cultura, e tendo recebido de um dos directores, o de Arte Antiga, informação de
que a situação põe já verdadeiramente em risco o espólio do museu, não posso
deixar de lhe escrever.
Sei, Senhor
Primeiro-Ministro, que não faltam justificações actuais para este ameaçador
estado de coisas, imediatamente no que respeita à manutenção das instalações.
Não podendo deixar de lembrar que esta penúria vem de antes da pandemia e que o
Plano de Recuperação e Resiliência ignora a cultura como instância fundamental
de desenvolvimento de um país europeu, tenho de lhe recordar que as catástrofes
avisam quase sempre antes de acontecerem. Os museus nacionais, tutelados por um
fragilíssimo Ministério da Cultura, estão na eminência de serem palco de
desastres graves. Tem de haver meios orçamentais imediatos para suprir os
problemas de segurança e manutenção que acima foram enumerados, mas urge também
confrontar a inoperância do Ministério e dos seus serviços.
Para mim é um
incómodo mistério pensar que o Senhor, nascido em meio cultural estimulante,
continua a acumular fracassos neste campo. Para si, a história, a cultura e os artistas
usam-se na lapela, guardando na gaveta estudos e diagnósticos consistentes, por
exemplo o recente relatório Museus do Futuro, amplamente participado pelas
equipas dos museus e que enuncia linhas de actuação, desde as que podem ser
implementadas de imediato às de médio prazo. Conhece esse Relatório, Senhor
Primeiro-Ministro?
Deixo-lhe um
conselho: vá visitar alguns museus assim que eles puderem reabrir, depois de 5
de Abril, e dê a sua palavra, às angustiadas chefias e equipas, que é tempo de
mudar e que a mudança vai mesmo acontecer. Muitos considerarão esta proposta
ingénua. Eu quero acreditar que não. Que vai compreender, por exemplo, que é
demasiado grave estar a proceder-se a uma operação extraordinária de estudo dos
Painéis de Nuno Gonçalves, um tesouro nacional, europeu e mundial, mas a sala
onde eles estão irá passar o Verão sem ar condicionado ou sistema de alarme a
funcionar com segurança. E que, no Museu Nacional do Azulejo, no Museu Nacional
do Teatro, no Museu Nacional de Arte Contemporânea, estas e outras ameaças
crescem todos os dias.
Coordenadora do
grupo Estudos de Museus do Instituto de História da Arte, Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
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