A Quinta dos Ingleses esmagada pelo betão
Os 52 hectares da Quinta dos Ingleses, em Cascais, são
especiais não só pela sua dimensão, mas pelo que acolhem. No que respeita à
flora, foi identificado um total de 298 espécies arbóreas.
Filipe Lisboa
Filipe é
doutorando em alterações climáticas. Trabalha em Observação da Terra a partir
do espaço.
30 de Março de
2021, 7:18
https://www.publico.pt/2021/03/30/p3/cronica/quinta-ingleses-esmagada-betao-1956337
No mês passado, o
PAN veio propor a classificação da Quinta dos Ingleses como “Paisagem
Protegida”. Trata-se de uma área verde com mais de 50 hectares junto à praia de
Carcavelos bem conhecida pela população local e um raro exemplo de biodiversidade
num concelho densamente povoado.
De acordo com
dados da Global Forest Watch, Portugal é um dos cinco países no mundo com maior
perda percentual de coberto arbóreo (24.6%). Uma aplicação web resultante de
monitorização constante através de imagens de satélite demonstra essa perda. Ao
abrir o site, os resultados são chocantes: Portugal vem manchado por uma enorme
perda de coberto arbóreo de norte a sul do país. É claro que por trás desta
perda de floresta estão os grandes incêndios de onde se observa o nefasto ano
de 2017 que roubou vidas e marcou para sempre a memória de Pedrógão Grande e do
país.
O mapa seguinte
mostra as causas da perda de coberto arbóreo por região, estando a roxo as
perdas por urbanização, a verde as relativas à mudança da floresta (que podem
resultar de incêndios), a castanho perdas directas resultantes de incêndios e
amarelo zonas em que o solo passou a ser usado para agricultura.
Em Cascais, entre
2001 e 2019, a perda foi de 216 hectares. Se notarmos que trocar floresta por
urbanização é uma decisão permanente, num concelho já excessivamente
urbanizado, o caminho é perigoso e contraria a narrativa de um executivo
municipal que se orgulha de adoptar uma estratégia para a adaptação às
alterações climáticas.
Os 52 hectares da
Quinta dos Ingleses são especiais não só pela sua dimensão, mas pelo que
acolhem. No que respeita à flora, foi identificado um total de 298 espécies
arbóreas. Apesar de sujeitas a regime especial de protecção de acordo com o
Regulamento Municipal de Cascais de Espaços Verdes e de Protecção da Árvore,
está previsto o seu abate. Ao nível da fauna, existem seis espécies de
mamíferos, uma das quais, o coelho-bravo, considerada espécie em perigo, de
acordo com a lista vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da
Natureza). Na área de intervenção existem três espécies de anfíbios e cinco
espécies de répteis, uma das quais, a Salamandra salamandra ou Salamandra-de-pintas-amarelas,
considerada espécie ameaçada de acordo com a lista vermelha da IUCN.
Face à enorme
perda que isto representa, todas as árvores contam. Cabe-nos preservar árvore a
árvore, ramo a ramo, aquilo que resta. A não-betonização ao nível dos concelhos
já muito urbanizados e com tanto edificado que necessita de restauro é algo
sobre o qual devemos reflectir seriamente. A única tecnologia que temos neste
momento para capturar carbono atmosférico em larga escala é a fotossíntese e o
seu valor sobrepõe-se ao da especulação imobiliária. Há uma enorme
responsabilidade em preservar os últimos redutos verdes como a Quinta dos
Ingleses e Cascais terá de dar esse exemplo. É urgente que se suspenda o quanto
antes o projecto para que o Parlamento conclua o processo legislativo em curso
a bem de um concelho com futuro.
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