quarta-feira, 31 de março de 2021

Novo Museu Judaico de Lisboa irá contar a história de “resiliência e esperança” de um povo

 


LISBOA

Novo Museu Judaico de Lisboa irá contar a história de “resiliência e esperança” de um povo

 

A celebração do protocolo de colaboração entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Associação Hagadá aconteceu esta quarta-feira e marcou o arranque do projecto do Tikvá - Museu Judaico de Lisboa, em Belém.

 

Rafael Tomaz Albuquerque

31 de Março de 2021, 16:06

https://www.publico.pt/2021/03/31/local/noticia/novo-museu-judaico-lisboa-ira-contar-historia-resiliencia-esperanca-povo-1956694

 

No dia em que se celebra o bicentenário da extinção da Inquisição, passo fundamental para a abertura do caminho da liberdade religiosa, foi dado o primeiro passo para o arranque do projecto do Museu Judaico de Lisboa. A Câmara de Lisboa e a Associação Hagadá, uma associação de âmbito privado sem fins lucrativos, responsável por construir, instalar e gerir o museu, assinaram nesta quarta-feira o protocolo de colaboração, onde ficou acordado o direito de superfície do terreno onde será construído o museu por um período de 75 anos que pode ser renovado.

 

O museu que estava previsto ser edificado no Largo de São Miguel, em Alfama, passou por um longo processo de contestação que se arrastou durante cinco anos. Após vários avanços e recuos, o projecto mudou-se para Pedrouços, em Belém, onde ficará situado em frente ao rio Tejo, com vista para a Torre de Belém.

 

 

O projecto está agora a cargo do arquitecto Daniel Libeskind, responsável pelo desenho dos museus judaicos de Berlim, São Francisco e Copenhaga, bem como memoriais do Holocausto nos Países Baixos, no Canadá e nos Estados Unidos, e ainda a reconversão do Ground Zero, em Nova Iorque.

 

Esther Mucznik, presidente da Associação Hagadá, afirmou na cerimónia, tal como tinha feito no artigo publicado esta quarta-feira no PÚBLICO, que o novo projecto do museu judaico, a iniciar em Belém, foi apelidado de Tikvá. Palavra escolhida pelo arquitecto polaco-americano, que em hebraico significa esperança. A razão para tal prende-se com o facto de o museu pretender “contar a história milenar judaica em Portugal”, que passou por “momentos negros”, mas também “momentos de luz” que só aconteceram devido à “resiliência e esperança” deste povo.

 

Mucznik esclareceu, aliás, que os módulos que constituem o edifício projectado por Daniel Libeskind terão simbolicamente a forma de cada uma das letras em hebraico da palavra Tikvá.

 

Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, salientou que a assinatura do protocolo é um “passo de partida para nos mostrarmos de forma mais plena enquanto comunidade”.

 

O autarca referiu ainda que “a construção deste museu é uma afirmação política da cidade de Lisboa e de um município que continuará a se debater pela diversidade, inclusão e liberdade”.

 

O Tikvá - Museu Judaico de Lisboa terá uma superfície de quase 4000 metros quadrados e pretende contar dois mil anos de presença judaica no território português e ser um veículo de “história e de esperança”, referiu o arquitecto Daniel Libeskind.

 

O espaço ficará localizado em Pedrouços, Belém, entre a Avenida da Índia e a Rua das Hortas e prevê-se que as obras fiquem concluídas em 2024.

 

Um projecto de avanços e recuos

A construção do museu judaico foi anunciada pela primeira vez em Setembro de 2016. À época, a obra projectada por Graça Bauchmann em colaboração com Luís Neuparth e Pedro Cunha, pretendia a construção de um edifício para receber o museu e centro de interpretação sobre a presença judaica em Portugal. A sua gestão seria confiada à Associação de Turismo de Lisboa.

 

A conclusão do projecto estava prevista para daí a um ano no Largo de São Miguel, em Alfama, por se tratar de um local simbólico dada a proximidade à antiga Judiaria de Alfama. Porém, todo o processo foi marcado por muita contestação e tudo parou.

 

A Associação do Património e População de Alfama (APPA) considerou o projecto descaracterizador do Largo de São Miguel e foi lançada uma petição contra o local do museu pois temia-se que o dia-a-dia daquela zona fosse afectado.

 

Depois da APPA, também o Fórum Cidadania LX demonstrou o descontentamento pelo projecto e, por fim, a própria Junta de Freguesia de Santa Maria Maior veio defender a escolha de outro local do bairro para a instalação do museu.

 

Perante as críticas de moradores, comerciantes e associações de defesa do património, em Abril de 2017 criou-se uma comissão de acompanhamento do museu com o intuito de dialogar com o bairro. Porém, não houve entendimento entre a população e os responsáveis pelo projecto.

 

Assim, em Outubro de 2017, a APPA apresentou uma providência cautelar que, em Janeiro de 2018 obteve decisão desfavorável do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa. Pouco depois iniciaram-se os trabalhos, com a demolição das casas existentes no local. Porém, após recurso, um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul deu razão à APPA.

 

À época, o tribunal mandou suspender as obras por considerar que a Câmara Municipal não teve em conta as regras urbanísticas para Alfama. O facto da igreja de S. Miguel (situada no largo) ser considerada Imóvel de Interesse Público e do Núcleo Histórico de Alfama e Colina do Castelo ter um plano de urbanização, cujo primeiro objectivo passava por conservar e valorizar o conjunto histórico e tradicional, foram alguns dos argumentos usados pela APPA na acção judicial. Problemas que, de acordo com o tribunal, não foram considerados pelo município.

 

Apesar de a autarquia ter recorrido da decisão de segunda instância, foi-lhe negada razão.

 

Mais tarde, em declarações feitas ao PÚBLICO em Dezembro do ano passado, a vereadora da cultura da Câmara Municipal de Lisboa, Catarina Vaz Pinto, admitiu que, “o facto de ter sido interposta a acção e a imprevisibilidade quanto à duração do litígio” levaram a autarquia a pensar numa localização alternativa. Desse modo, foi escolhido um terreno em Pedrouços, Belém, onde, depois da celebração do protocolo desta quarta-feira, se iniciarão brevemente as obras do Museu Judaico.

 

 

O terreno de Alfama, que tinha sido cedido à Associação de Turismo de Lisboa (ATL), voltou à posse da autarquia que pretende, de acordo com declarações de Fernando Medina na cerimónia desta quarta-feira, construir no local um memorial ao povo judaico, com particular enfoque no cônsul Aristides de Sousa Mendes.

 

Projecto cresce em tamanho e ambição

Com a mudança de local, de Alfama para Pedrouços, o projecto muda de características. O terreno onde se iniciarão as obras é maior e, como tal, o projecto é mais ambicioso.

 

De acordo com o presidente da autarquia, depois de um longo processo, “o museu saiu por cima, pois terá outra escala, outra ambição e uma alegria maior que o outro projecto [Largo de S. Miguel]”.

 

A obra projectada anteriormente por Graça Bauchmann passa agora para as mãos de Daniel Limbeskind que, devido ao maior espaço do lote, tem planos mais ambiciosos para o projecto.

 

De acordo com a vereadora da cultura Catarina Vaz Pinto, o novo espaço cultural do município pretende “contar a história da permanência judaica em Portugal” desde o início da sua presença até ao século XX, incluindo “todo o apoio que Portugal deu aos refugiados judeus durante a Segunda Guerra Mundial”. Além disso, está previsto que o espaço venha a ter salas para exposições temporárias, um auditório e um centro de investigação.

 

Esther Mucznik, presidente da Associação Hagadá, sublinha que o novo espaço não será um “museus de judeus”, mas sim um museu para todos os que não conhecem este povo. “Perguntam-me por vezes se o museu será uma mais-valia para os judeus em Portugal e no estrangeiro. A minha resposta é obviamente afirmativa, mas é à população não judia a que nos queremos dirigir prioritariamente. É a ela que queremos dar a conhecer uma história ainda ignorada por muitos”.

 

Texto editado por Ana Fernandes

Sem comentários: