LISBOA
Novo Museu Judaico de Lisboa irá contar a história de
“resiliência e esperança” de um povo
A celebração do protocolo de colaboração entre a Câmara
Municipal de Lisboa e a Associação Hagadá aconteceu esta quarta-feira e marcou
o arranque do projecto do Tikvá - Museu Judaico de Lisboa, em Belém.
Rafael Tomaz
Albuquerque
31 de Março de
2021, 16:06
No dia em que se
celebra o bicentenário da extinção da Inquisição, passo fundamental para a
abertura do caminho da liberdade religiosa, foi dado o primeiro passo para o
arranque do projecto do Museu Judaico de Lisboa. A Câmara de Lisboa e a
Associação Hagadá, uma associação de âmbito privado sem fins lucrativos,
responsável por construir, instalar e gerir o museu, assinaram nesta
quarta-feira o protocolo de colaboração, onde ficou acordado o direito de
superfície do terreno onde será construído o museu por um período de 75 anos
que pode ser renovado.
O museu que
estava previsto ser edificado no Largo de São Miguel, em Alfama, passou por um
longo processo de contestação que se arrastou durante cinco anos. Após vários
avanços e recuos, o projecto mudou-se para Pedrouços, em Belém, onde ficará
situado em frente ao rio Tejo, com vista para a Torre de Belém.
O projecto está
agora a cargo do arquitecto Daniel Libeskind, responsável pelo desenho dos
museus judaicos de Berlim, São Francisco e Copenhaga, bem como memoriais do
Holocausto nos Países Baixos, no Canadá e nos Estados Unidos, e ainda a
reconversão do Ground Zero, em Nova Iorque.
Esther Mucznik,
presidente da Associação Hagadá, afirmou na cerimónia, tal como tinha feito no
artigo publicado esta quarta-feira no PÚBLICO, que o novo projecto do museu
judaico, a iniciar em Belém, foi apelidado de Tikvá. Palavra escolhida pelo
arquitecto polaco-americano, que em hebraico significa esperança. A razão para
tal prende-se com o facto de o museu pretender “contar a história milenar
judaica em Portugal”, que passou por “momentos negros”, mas também “momentos de
luz” que só aconteceram devido à “resiliência e esperança” deste povo.
Mucznik
esclareceu, aliás, que os módulos que constituem o edifício projectado por Daniel
Libeskind terão simbolicamente a forma de cada uma das letras em hebraico da
palavra Tikvá.
Fernando Medina,
presidente da Câmara de Lisboa, salientou que a assinatura do protocolo é um
“passo de partida para nos mostrarmos de forma mais plena enquanto comunidade”.
O autarca referiu
ainda que “a construção deste museu é uma afirmação política da cidade de
Lisboa e de um município que continuará a se debater pela diversidade, inclusão
e liberdade”.
O Tikvá - Museu
Judaico de Lisboa terá uma superfície de quase 4000 metros quadrados e pretende
contar dois mil anos de presença judaica no território português e ser um
veículo de “história e de esperança”, referiu o arquitecto Daniel Libeskind.
O espaço ficará
localizado em Pedrouços, Belém, entre a Avenida da Índia e a Rua das Hortas e
prevê-se que as obras fiquem concluídas em 2024.
Um projecto de
avanços e recuos
A construção do
museu judaico foi anunciada pela primeira vez em Setembro de 2016. À época, a
obra projectada por Graça Bauchmann em colaboração com Luís Neuparth e Pedro
Cunha, pretendia a construção de um edifício para receber o museu e centro de
interpretação sobre a presença judaica em Portugal. A sua gestão seria confiada
à Associação de Turismo de Lisboa.
A conclusão do
projecto estava prevista para daí a um ano no Largo de São Miguel, em Alfama,
por se tratar de um local simbólico dada a proximidade à antiga Judiaria de
Alfama. Porém, todo o processo foi marcado por muita contestação e tudo parou.
A Associação do
Património e População de Alfama (APPA) considerou o projecto descaracterizador
do Largo de São Miguel e foi lançada uma petição contra o local do museu pois
temia-se que o dia-a-dia daquela zona fosse afectado.
Depois da APPA,
também o Fórum Cidadania LX demonstrou o descontentamento pelo projecto e, por
fim, a própria Junta de Freguesia de Santa Maria Maior veio defender a escolha
de outro local do bairro para a instalação do museu.
Perante as
críticas de moradores, comerciantes e associações de defesa do património, em
Abril de 2017 criou-se uma comissão de acompanhamento do museu com o intuito de
dialogar com o bairro. Porém, não houve entendimento entre a população e os
responsáveis pelo projecto.
Assim, em Outubro
de 2017, a APPA apresentou uma providência cautelar que, em Janeiro de 2018
obteve decisão desfavorável do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.
Pouco depois iniciaram-se os trabalhos, com a demolição das casas existentes no
local. Porém, após recurso, um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
deu razão à APPA.
À época, o
tribunal mandou suspender as obras por considerar que a Câmara Municipal não
teve em conta as regras urbanísticas para Alfama. O facto da igreja de S.
Miguel (situada no largo) ser considerada Imóvel de Interesse Público e do
Núcleo Histórico de Alfama e Colina do Castelo ter um plano de urbanização,
cujo primeiro objectivo passava por conservar e valorizar o conjunto histórico
e tradicional, foram alguns dos argumentos usados pela APPA na acção judicial.
Problemas que, de acordo com o tribunal, não foram considerados pelo município.
Apesar de a
autarquia ter recorrido da decisão de segunda instância, foi-lhe negada razão.
Mais tarde, em
declarações feitas ao PÚBLICO em Dezembro do ano passado, a vereadora da
cultura da Câmara Municipal de Lisboa, Catarina Vaz Pinto, admitiu que, “o
facto de ter sido interposta a acção e a imprevisibilidade quanto à duração do
litígio” levaram a autarquia a pensar numa localização alternativa. Desse modo,
foi escolhido um terreno em Pedrouços, Belém, onde, depois da celebração do
protocolo desta quarta-feira, se iniciarão brevemente as obras do Museu
Judaico.
O terreno de
Alfama, que tinha sido cedido à Associação de Turismo de Lisboa (ATL), voltou à
posse da autarquia que pretende, de acordo com declarações de Fernando Medina
na cerimónia desta quarta-feira, construir no local um memorial ao povo
judaico, com particular enfoque no cônsul Aristides de Sousa Mendes.
Projecto cresce
em tamanho e ambição
Com a mudança de
local, de Alfama para Pedrouços, o projecto muda de características. O terreno
onde se iniciarão as obras é maior e, como tal, o projecto é mais ambicioso.
De acordo com o
presidente da autarquia, depois de um longo processo, “o museu saiu por cima,
pois terá outra escala, outra ambição e uma alegria maior que o outro projecto
[Largo de S. Miguel]”.
A obra projectada
anteriormente por Graça Bauchmann passa agora para as mãos de Daniel Limbeskind
que, devido ao maior espaço do lote, tem planos mais ambiciosos para o
projecto.
De acordo com a
vereadora da cultura Catarina Vaz Pinto, o novo espaço cultural do município
pretende “contar a história da permanência judaica em Portugal” desde o início
da sua presença até ao século XX, incluindo “todo o apoio que Portugal deu aos
refugiados judeus durante a Segunda Guerra Mundial”. Além disso, está previsto
que o espaço venha a ter salas para exposições temporárias, um auditório e um
centro de investigação.
Esther Mucznik,
presidente da Associação Hagadá, sublinha que o novo espaço não será um “museus
de judeus”, mas sim um museu para todos os que não conhecem este povo.
“Perguntam-me por vezes se o museu será uma mais-valia para os judeus em
Portugal e no estrangeiro. A minha resposta é obviamente afirmativa, mas é à
população não judia a que nos queremos dirigir prioritariamente. É a ela que
queremos dar a conhecer uma história ainda ignorada por muitos”.
Texto editado por Ana Fernandes
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