E se a Alemanha disser basta?
18 Abril 2013, 00:01 por Eva Gaspar
egaspar@negocios.pt
Eva Gaspar é jornalista do Negócios desde 2003, sendo actualmente Redactora Principal. Licenciada em Economia pelo ISEG, começou a sua carreira no Diário Económico. Entre 1994 e 2002 foi correspondente do jornal de economia em Bruxelas, tendo nos últimos três anos sido igualmente correspondente da RDP na capital belga. Entre 2004 e 2006 colaborou com a “Sábado”, num espaço de análise dedicado a assuntos europeus. Nasceu em Leiria, em 1971.
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Para Portugal podem adocicar-se os termos, mas não há alternativa à austeridade, mesmo que esta possa e deva ser administrada em doses mais moderadas, e isso será ainda muito mais difícil sem os empréstimos baratos que os países europeus nos garantem por pertenceremos a um projecto colectivo.
Numa entrevista concedida em 2002, agora revelada, o antigo chanceler alemão Helmut Kohl concede que se comportou como um ditador quando na década de 90 não ousou fazer um referendo sobre o euro porque sabia que o projecto morreria na praia. Na sua intuição, se tivessem a possibilidade de votar, 70% dos alemães teriam chumbado o abandono do bom velho marco. Suspendeu-se a democracia? Talvez não. A democracia representativa é um sistema de delegação de poderes, e não é preciso ser plebiscitária para ser democracia. Prevaleceu a profunda convicção de um homem quatro vezes reeleito de que estava a selar a paz eterna na Europa porque “nações com uma mesma moeda nunca declaram guerra umas às outras”
Duas décadas volvidas, o consenso entre as elites alemãs em torno do euro não é mais o que era, nem é mais o que era a oposição entre os governados. A mais recente sondagem do instituto Forsa para o Handelsblatt sugere que quase 70% dos alemães votaria hoje a favor da preservação do euro – não há, aliás, registo de uma sondagem tão favorável. Paradoxalmente a Alemanha – até agora um imenso deserto em matéria de eurocepticismo organizado – acaba de ver nascer o primeiro partido anti-euro.
Porquê?
A explicação mais óbvia para a adesão dos governados estará no bolso. Nos anos 90, os alemães estavam assustados com o impacto da reunificação do país e pressentiam os dez anos de estagnação e de elevado desemprego que se seguiriam. Hoje, a crise é do euro – não é (ainda) da Alemanha, o único país que saiu mais forte do colapso que começou pelo mundo da finança.
Já o nascimento do “Alternative fuer Deutschland” (AfD) – Alternativa para a Alemanha – sinaliza um crescente inconformismo entre elites alemãs com as opções que foram tomadas pelos seus mentores. Bernd Lucke é o rosto mais visível do novo partido de economistas e professores que teve o seu primeiro congresso no passado fim-de-semana. Professor de macroeconomia da Universidade de Hamburgo e antigo conselheiro do Banco Mundial foi militante da CDU de Kohl e de Angela Merkel durante 33 anos. Deixou o partido em 2011. Não porque seja um anti-europeu. De todo. Mas porque quer “conversa franca em vez de s€dativos”. Porque, como por aqui se ouve, também quer “alternativa” – só que no lugar da “austeridade”, denuncia os “resgates” aos periféricos que, a custo, Angela Merkel vai vendendo ao seu parlamento e eleitorado como única “alternativa” para manter o euro.
Embora as sondagens sugiram que o AfD não recolherá nas eleições de Setembro o mínimo de 5% de votos necessários à representação parlamentar, é incontornável que fica doravante aberta a porta para uma discussão organizada e consequente na Alemanha sobre o fim do euro – ou sobre a saída da Alemanha do euro.
Para Portugal podem adocicar-se os termos, mas não há alternativa à austeridade, mesmo que esta possa e deva ser administrada em doses mais moderadas. E isso será ainda muito mais difícil sem os empréstimos baratos que os países europeus nos garantem por pertenceremos a um projecto colectivo. Será muítissimo mais difícil sem o euro ou sem a Alemanha numa qualquer sequela (também ela dificil de imaginar) de união monetária na Europa.
Calcula o FMI que se Portugal quiser reduzir, até 2030, o rácio da dívida pública para o equivalente a 60% do seu PIB terá de fazer um ajustamento orçamental (cortar despesa e/ou aumentar receita) equivalente a 8,9% do Produto. Ou seja, teriam de ser feitas três “reformas do Estado” iguais à que já hoje ameaça coligações e afasta o PS de um entendimento com o Governo como o Diabo da Cruz. Pode argumentar-se que os tais 60% não fazem sentido, que serão sempre miragem, que as contas do FMI não batem certo, mas ninguém terá dúvidas de que é o velho "monstro” o que ainda andamos a empurrar com a barriga.
*Redactora Principal
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