O "interesse excepcional" do Centro de Artes da EDP
06/04/2013
Decorreu até 20 de Março, sob "pressão" da Provedoria de Justiça junto da CML, a fase de debate público sobre o futuro Centro de Artes da Fundação EDP, com projecto da arq. Amanda Levete e a construir junto à antiga Central Tejo (Imóvel de Interesse Público, com Zona Especial de Protecção aprovada desde 1986), hoje Museu da Electricidade.
Independentemente da reduzidíssima participação do público (desmotivação nacional?) e à parte a beleza e o arrojo das imagens virtuais do projecto, consideramos que o mesmo viola o Plano Director Municipal de Lisboa. Envolve uma trapalhada sobre terrenos (sobre a qual a Provedoria de Justiça, aliás, exigiu, uma clarificação formal), ainda por resolver. Viola a citada ZEP da Central Tejo, uma vez que deverá implicar a amputação das condutas subterrâneas de alimentação da antiga central eléctrica, mutilando assim a unidade do conjunto classificado.
Chegados aqui, revoltam-nos dois aspectos:
Revolta-nos que a EDP, em época de grave crise no país, em vez de repercutir os seus lucros no abatimento do tarifário ou os canalize enquanto mecenas na recuperação do muito património cultural que carece de obras urgentes de restauro e manutenção e para as quais o Estado está, manifestamente, pobre, decida gastar milhões na construção e exploração de um centro de artes ao jeito das "grandes obras públicas" dos tempos da abundância. Provavelmente, num edifício de materiais de alta tecnologia, certamente importada, sem mais-valia na "alavancagem" da nossa economia.
Paradoxalmente, as funções a que o Centro de Artes se destina sobrepor-se-ão às que a Central Tejo tem hoje: eventos, exposições, concertos, ciência. Mesmo que assim não fosse, e que fosse preciso um novo centro de artes, não seria mais lógico que, ao invés, o Estado vendesse à EDP os edifícios do Novo Museu dos Coches, que custaram já mais de 40 milhões de euros ao erário público (as verbas do Casino são alocadas ao Estado para os fins que este entenda por bem cativar) e que terão custos de funcionamento/ano de 3,5 milhões? Por que não "reciclar" o NMC como centro de artes da EDP?
E revolta-nos que a CML tenha utilizado um expediente semântico para contornar sub-repticiamente um "problema" chamado PDM. Com efeito, não existe na regulamentação urbanística vigente a designação "interesse excepcional". Portanto, a CML não pode invocar oficialmente tal epíteto para fazer aprovar um projecto. Portanto, parece-nos que a deliberação camarária que o aprovou será nula. O que a CML podia ter feito e não fez (falta argumentação técnica?), era, primeiro, aprovar formalmente a suspensão parcial do PDM e, depois, submetê-la a votação na Assembleia Municipal. É assim que as coisas funcionam. Não proceder desta forma é não cumprir a lei e fazer dos cidadãos parvos.
Além disso, não vislumbramos, na substância da proposta de construção do edifício em causa, qualquer interesse excepcional de natureza pública, já que o promotor é privado, as finalidades são privadas e podem ser asseguradas, aliás, no actual Museu da Electricidade. Acresce que a construção do edifício projectado implica a demolição de dois prédios que fazem parte integrante da unidade do conjunto do Museu da Electricidade, pelo que não se vislumbra, também aqui, onde reside o interesse excepcional alegado.
Ou seja, trata-se apenas de justificar uma violação do PDM para um projecto de um privado, sem se ter coragem de o declarar suspenso para aquele local. Talvez que a CML não se queira arriscar às críticas por que passaram os projectos que, por via da "certificação" dos famigerados Projectos PIN, ditos de interesse nacional e patrocinados com afã pelo anterior Governo, à custa dos quais muito sobreiro foi abatido, reservas naturais foram violadas, muita especulação foi lucrativa, muito país foi destruído. Julgava-se extinta tal certificação. Terá inventado a CML uma nova "certificação"?
Por fim, é de pasmar, não tanto a passividade da tutela que devia salvaguardar os bens que ela própria classifica (tornou-se um mau hábito), mas a da Associação "Lisboa e Tejo e Tudo", formalizada contra a ampliação do terminal de contentores de Alcântara. Foi tudo um teatro bem encenado? Ou Belém e a Central Tejo não são frente-rio?
Talvez por isto mesmo não tenha havido quase ninguém a debater. Os "debates públicos" vêm-se tornando pro forma, para "inglês ver", sessões de esclarecimento de veredicto pré-decretado.
No presente, esperamos que os factos consumados acabem de uma vez, ou que, suma ingenuidade, a EDP se decida a "iluminar" o restauro de património, desde logo em Lisboa e em monumentos como a Sé ou o Palácio da Ajuda, a precisarem de obras urgentes.
Interesse excepcional? Não nos parece...
Forum CidadaniaLX
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