Durão Barroso, o indignado. "A austeridade tem de ter limites"
Por António Ribeiro Ferreira, publicado em 23 Abr 2013 in (jornal) i online
Presidente da Comissão Europeia deu o seu exemplo para refutar críticas do Norte da Europa. E admitiu que os programas da UE falharam
Numa versão muito lusitana, mais vale tarde do que nunca. Numa versão mais realista, vale o que vale. Durão Barroso fez ontem um Bruxelas um discurso inflamado na defesa dos povos do Sul e reconheceu que a austeridade imposta pela Comissão Europeia, de que é presidente, tem limites. Mais ainda. Reconheceu que os programas impostos a Portugal, Grécia, Chipre, Irlanda, Espanha e por aí adiante têm erros - não que a consolidação orçamental não seja necessária - porque não foram devidamente explicados às populações.
José Manuel Durão Barroso, que falava em Bruxelas num debate organizado por diversos think tanks sobre o estado da União Europeia, disse que um dos principais problemas de hoje é “a polarização, que está a ameaçar tornar-se o resultado final da crise”, e lamentou que “os preconceitos que estão a emergir”, e que classificou como “inaceitáveis”, ameaçam dividir a Europa e delinear um risco entre Norte e Sul.
Afirmando-se “muito preocupado” com este fenómeno, o presidente do executivo admitiu que a grande falha da União Europeia na resposta à crise foi precisamente não conseguir explicar aos cidadãos “o que estava em jogo”, contribuindo para que as medidas de austeridade, que insistiu terem sido necessárias para corrigir os desequilíbrios criados pelos próprios estados-membros, não tivessem aceitabilidade política e social, conduzindo a tensões.
“É aqui que acho que não fizemos tudo certo. Não fomos capazes, colectivamente - instituições europeias e estados-membros -, de explicar o que estava em jogo e construir o apoio necessário”, o que, assumiu, contribuiu também para que se desenvolvessem “preconceitos inaceitáveis”, quer de um lado quer do outro.
Segundo Durão Barroso, há a tendência, em alguns estados-membros, de “simplificar”, com os países da periferia, por um lado, a considerarem que “os problemas que têm não foram criados por eles, mas por alguém, regra geral Berlim ou as instituições europeias ou o Fundo Monetário Internacional”, o que, disse, não corresponde à verdade. Por outro lado, sublinhou, há “a ideia nos países do Centro, ou nos países mais prósperos, de que houve alguma espécie de inabilidade dos povos da periferia ou do Sul, de que alguns destes povos são, por definição, preguiçosos ou incompetentes”.
O EXEMPLO DURÃO
“Este problema é profundo, considero-o moralmente intolerável e inaceitável. Vindo eu próprio de um destes países, posso dizer-lhes que o povo português é extremamente trabalhador”, declarou.
Cinco anos depois da crise financeira ter chegado à Europa e arrastado as economias para a recessão, três anos depois de a Grécia e a Irlanda terem entrado em programas de ajuda financeira, que no caso grego tem sido um desastre, dois anos depois de Portugal estar sob a tutela do Memorando de entendimento com os resultados que se conhecem a nível dos défices, da dívida pública (ver página 21), do desemprego, da recessão e do empobrecimento geral da população, o presidente da Comissão Europeia vem pôr alguns dedos nas feridas e fazer mea culpa sobre algumas medidas-chave da União Europeia e da Comissão, a que preside desde Novembro de 2004.
Ouve-se José Manuel Durão Barroso, mas essencialmente importa ouvir o que diz Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças alemão, que no sábado deitou mais um balde gelado na União Europeia e na zona euro ao declarar que afinal o polémico programa para Chipre deve ser um modelo a seguir na União Europeia. Depois de muitos avanços e recuos nesta matéria dos responsáveis europeus, o poderoso Schäuble veio pôr um ponto final na discussão. E Schäuble é a voz de quem manda efectivamente na Europa. Sem estados de alma.
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