Swaps tóxicos de 1600 milhões levam Santander e JP Morgan a tribunal
Por Raquel Almeida Correia in Público
27/04/2013
Governo vai mover acção judicial contra os dois bancos, que não aceitaram reduzir perdas dos produtos que venderam. BNP Paribas, Goldman Sachs e Deutsche Bank ainda em negociações
Ao fim de dois intensos meses de negociações, o Governo conseguiu chegar a acordo com apenas três das oito instituições financeiras que venderam produtos tóxicos a seis empresas públicas, alcançando poupanças de 170 milhões de euros de um bolo de perdas potenciais que alcança perto de 2600 milhões. O executivo vai mesmo avançar para tribunal contra dois dos bancos com os quais as negociações encerraram definitivamente e que representam prejuízos de 1600 milhões, o Santander e o JP Morgan.
O maior rombo está ainda por resolver, sendo que, apesar de estas duas últimas instituições terem sido já dadas como casos perdidos, decorrem ainda conversações com outras três para diminuir os danos causados com a contratualização de derivados financeiros tidos como especulativos. Foram concedidos mais alguns dias ao Goldman Sachs, BNP Paribas e Deutsche Bank para reconsiderarem a última proposta feita pelo executivo.
O Governo tem vindo a apontar a fasquia dos três mil milhões de euros para quantificar as perdas potenciais associadas aos produtos subscritos pelas seis empresas públicas: Metro de Lisboa, Metro do Porto, STCP, Carris, Egrep e CP (que só agora surgiu na listagem, em lugar da Águas de Portugal). Os três mil milhões foram ontem novamente referidos pela secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque, numa conferência de imprensa já depois das 20h sobre o desfecho das negociações.
Mas esse montante refere-se a todos os contratos: swaps considerados adequados e swaps identificados como tóxicos na auditoria conduzida pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP). Nessa investigação, iniciada em meados de 2012, verificou-se que, dos 140 produtos subscritos, 57 eram altamente especulativos. E a estes estão associadas, neste momento, perdas potenciais que rondam os 2600 milhões de euros. Este prejuízo só se torna efectivo quando os contratos são denunciados.
Negociações continuam
O Santander é a instituição responsável pela maior fatia, tendo sido estimados em 1300 milhões os danos associados aos instrumentos de especulação que vendeu. Outros 300 milhões cabem ao JP Morgan. E, portanto, os bancos que o Governo quer agora levar a tribunal, por já não haver mais margem para negociações, representam perdas potenciais de cerca de 1600 milhões.
O executivo fez chegar ontem toda a informação sobre este caso à Procuradoria-Geral da República para dar entrada com acções nos tribunais. Nesta sede, o Estado irá reclamar que todos os contratos assinados com os dois bancos sejam declarados nulos, para que não seja obrigado a pagar qualquer valor ao Santander e ao JP Morgan.
Ontem, o banco espanhol emitiu um comunicado no qual afirma que os produtos que vendeu "tiveram como finalidade a defesa das empresas, diminuindo os custos dos financiamentos", acrescentando que os contratos "tiveram como subjacente financiamentos contraídos pelas empresas e não operações de natureza especulativa". O Santander diz ainda que apresentou ao Governo propostas "muito favoráveis ao Estado, que infelizmente foram rejeitadas".
Não é certo que a contestação judicial se vá cingir apenas ao Santander e ao JP Morgan, uma vez que as negociações vão prosseguir com outros três bancos, que pediram ao executivo mais alguns dias. Trata-se do Goldman Sachs, do BNP Paribas e do Deutsche. Estas três instituições financeiras, que representam perdas potenciais de cerca de 800 milhões, têm até meados da próxima semana para dar uma resposta final ao Governo.
Nos dois meses de negociações que antecederam o anúncio feito ontem pela secretária de Estado do Tesouro, o executivo conseguiu apenas chegar a acordo com três bancos: o japonês Nomura, o suíço Crédit Suisse e o britânico Barclays (este último durante o dia de ontem). Estas entidades representavam, no entanto, uma das fatias mais pequenas do bolo dos prejuízos potenciais que as seis empresas públicas acumulam.
Maria Luís Albuquerque explicou que, com este acordo, o Governo conseguiu "poupar 170 milhões de euros em juros", do montante global de 2600 milhões, ou seja, 6,5%. Esta poupança foi conseguida com a negociação de reduções médias de 20% nas perdas potenciais associadas a swaps comercializados pelas três instituições financeiras, especulativos e não especulativos.
Responsabilidades a apurar
O Governo chegou a pedir aos bancos cortes de 100% nos prejuízos de alguns contratos (caso do Santander). A média para os produtos tóxicos fixou-se nos 30% e para os swaps "normais" foram pedidos descontos entre 5% e 10%. Os últimos dias foram de negociações intensas, que terminaram às 19h59 de ontem, alguns minutos antes de a secretária de Estado fazer o balanço público numa conferência de imprensa.
À Procuradoria-Geral da República chegou também ontem informação relacionada com o contexto em que estes produtos foram subscritos, de modo a que também seja possível apurar as responsabilidades dos gestores envolvidos na sua contratualização. Este apuramento será feito com base numa auditoria conduzida pela Inspecção-Geral de Finanças, que está praticamente concluída.
Houve, para já, uma consequência imediata desta investigação: a saída dos dois secretários de Estado Paulo Braga Lino (Defesa), ex-director financeiro da Metro do Porto, e Juvenal da Silva Peneda (adjunto do ministro da Administração Interna), ex-administrador da mesma empresa e antigo presidente da STCP. Mas é provável que os afastamentos não se fiquem por aqui.
As seis empresas públicas "explosivas"
Metro de Lisboa e Metro do Porto subscreveram a maioria dos produtos considerados tóxicos
Metro de Lisboa
Em fusão com a Carris desde o final de 2012, a Metro de Lisboa é a empresa que se destaca na lista das seis entidades públicas que subscreveram produtos que o IGCP concluiu serem altamente especulativos, não servindo o propósito a que os swaps se destinam (cobrir o risco de variação das taxas de juro). O relatório que a Direcção-Geral de Tesouro (DGTF) revelou em Setembro dava conta de que a transportadora acumulava, até essa data, perdas potenciais superiores a 1100 milhões de euros. A empresa contratualizou estes produtos com instituições financeiras como o Santander, o Goldman Sachs e o JP Morgan, entre 2003 e 2011. Durante esse período, foi presidida por Carlos Mineiro Aires e Joaquim Reis - este último foi depois presidente da Parpública, a holding que gere as participações do Estado em empresas.
Metro do Porto
O segundo lugar no grupo das empresas públicas que mais subscreveram estes produtos cabe à Metro do Porto, que o relatório da DGTF reportava ter acumulado prejuízos potenciais que ultrapassam os 800 milhões de euros. A transportadora, que subscreveu swaps considerados tóxicos entre 2003 e 2009, foi liderada nessa altura por Manuel de Oliveira Marques e, mais tarde, por Ricardo Fonseca. Foi nesta empresa que trabalhou, como director financeiro, o ex-secretário de Estado da Defesa (Paulo Braga Lino) e, como administrador, o ex-secretário de Estado adjunto do ministro da Administração Interna (Juvenal da Silva Peneda). Também o actual secretário de Estado da Segurança Social, Marco António Costa, foi administrador não executivo da Metro do Porto, mas continua em funções.
Carris
O caso da Carris tem causado polémica pelo facto de o gestor que liderava a empresa no período em que contratualizou swaps tóxicos (2005 a 2009), José Silva Rodrigues, ser hoje líder do grupo que resultou da fusão entre a transportadora e a Metro de Lisboa. A Carris tem quatro swaps activos e dois foram considerados especulativos pelo IGCP. As perdas potenciais estavam avaliadas em 116,5 milhões até Setembro.
STCP
O afastamento de Silva Peneda de secretário de Estado adjunto de Miguel Macedo também esteve relacionado com o facto de ter sido administrador da STCP entre 2004 e 2008, quando foi em 2007 que esta transportadora subscreveu dois swaps - um deles considerado tóxico na auditoria do IGCP. No caso desta empresa, que foi fundida operacionalmente com a Metro do Porto no ano passado, as perdas potenciais rondavam os 107,2 milhões até ao terceiro trimestre de 2012, ultrapassando inclusivamente o valor dos contratos (50 milhões).
Egrep
A gestora nacional de reservas de produtos petrolíferos subscreveu apenas um swap em 2009, mas a operação foi considera especulativa. A contratualização foi feita com o JP Morgan, estando os prejuízos potenciais estimados em 174,5 milhões. João Pedro Teixeira era presidente, função que mantém.
CP
A transportadora liderada por Manuel Queiró, que substituiu José Benoliel, surgiu ontem inesperadamente na lista das Finanças em lugar da Águas de Portugal. Desconhece-se o número de produtos especulativos, bem como o período em que foram subscritos. De acordo com a DGTF, as perdas potenciais rondavam 140,8 milhões até Setembro.
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