Valentina Marcelino
EDITORIAL
19 abril 2024 às 01:08
https://www.dn.pt/3183555157/policias-gerir-as-expetativas-de-um-vulcao-em-risco-de-erupcao/
Polícias.
Gerir as expetativas de um vulcão em risco de erupção
Uma pessoa pode enganar muita gente durante um
certo tempo; pode até mesmo enganar algumas pessoas todo o tempo; mas não será
possível enganar todos para sempre.” Poucos não conhecem esta frase atribuída a
Abraham Lincoln, 16.º presidente dos Estados Unidos, libertador dos escravos em
1863.
Este conselho tem percorrido a História e
nunca deixou de ser atual no que diz respeito a uma arma crucial na política: a
gestão das expetativas.
Ora quando se lê as notícias da manhã desta
quinta-feira sobre a ameaça de “movimentos inorgânicos” de polícias se
manifestarem no dia 25 de abril em frente à Assembleia da República, boicotarem
operações de segurança e voltar (atenção com o “voltar”, pois admitem que já o
fizeram) a usar baixas fraudulentas, caso não haja um acordo com o Governo até
10 de maio, em relação ao pagamento de um subsídios de risco equiparado ao da
Polícia Judiciária (PJ), é fácil concluir que já estamos na última fase do conselho
de Lincoln.
Não duvidando de que a ministra da
Administração Interna, Margarida Blasco, tem definidos os critérios e o
calendário para este pagamento com o aval do ministro das Finanças, Joaquim
Miranda Sarmento, é bom que os explique o mais cedo possível - já na reunião do
próximo dia 22 com os sindicatos da PSP e associações da GNR.
No comunicado oficial que chegou às redações
não é isso, porém, que se advinha das intenções da equipa governativa. “Definir
e estabelecer a metodologia e protocolo de audição e negocial respetivamente
bem como a apresentar os pressupostos do âmbito e objeto para discussão e
negociação entre as partes” (sic) são os pontos de agenda atabalhoadamente
escritos, sem que nada, mas mesmo nada, se diga que faça arrefecer aquele
vulcão que já explodiu no início do ano - com protestos fora de controlo a
causar intenso alarme público - e que só interrompeu a sua fúria por causa da
realização das eleições legislativas e das expetativas criadas.
Em campanha, Luís Montenegro, recorde-se,
classificou como “erro imperdoável” o facto de o Executivo de António Costa ter
atribuído este subsídio - que tem como fundamento legal os “ónus inerentes ao
exercício das funções, bem como ao risco, insalubridade e penosidade que lhes
estão associados e que se prolongam no tempo muito para além do exercício das
funções” - apenas à PJ. “O que se passa nas forças de segurança é muito grave e
não pode ser silenciado. O Governo é o primeiro responsável, porque criou uma
desigualdade no suplemento de missão entre a PJ, PSP e GNR”, afirmou, embora
nunca se vinculando a valores.
Nos últimos dias, já depois da primeira
reunião entre os sindicatos e Margarida Blasco, que decorreu no passado dia 12,
ouvimos oficiais, agentes, chefes e alguns dirigentes sindicais lamentar que
não tenha logo ali sido apresentada pelo Governo uma primeira base negocial.
A verdade é que passados quatro meses da
publicação do decreto-lei que atribui o suplemento de missão às carreiras
especiais da PJ de investigação criminal e de apoio, passando de 478 euros para
1026, nada mais se tem feito a não ser a gestão de expetativas. Carreiras em
que a exclusividade, disponibilidade total e exigência de licenciatura são
regra.
Ainda nenhum dirigente, governamental ou das
forças de segurança, teve a coragem de dizer aos polícias o óbvio: até podem
vir a ter um subsídio de risco em montante equivalente ao da PJ, mas não será
certamente de uma vez, nem pelos mesmos pressupostos. Ser PJ não é ser PSP nem
GNR. Sem desvalorizar nenhuma destas instituições. Têm direitos e deveres
distintos.
Neste momento, ao que soubemos, os polícias
acreditam que esses 1026 euros são para já e ninguém lhes explicou porque não
pode ser assim. Transparência e diálogo com os representantes das forças de
segurança são condições sine qua non para explicar as razões por trás das
disparidades salariais e discutir possíveis soluções de forma colaborativa.
Analisar as diferenças nas atribuições e
responsabilidades das forças de segurança e garantir que as disparidades
salariais estejam justificadas por essas diferenças. Mais uma vez, o que é
diferente tem de ter tratamento diferente.
Realizar um estudo detalhado do impacto
financeiro de uma eventual equiparação salarial entre as diferentes forças de
segurança, considerando o orçamento disponível e a sustentabilidade a longo
prazo. Não esquecer que na PJ são dois mil com este suplemento e na GNR e na
PSP seriam 43 mil.
Pensar noutras formas de compensação, com
melhores serviços de saúde, condições mais justas para passagem à
disponibilidade, ajudam sempre, mas neste momento é urgente apresentar um
plano.
“Não creio que as coisas fiquem serenas se não
houver, desde logo, um compromisso com uma solução”, declarou o comandante da
PSP do Porto, o superintendente chefe Pedro Gouveia, numa entrevista ao DN, não
escondendo a sua preocupação com o efeito da frustração que vê nas suas
mulheres e homens. Como ele, outros comandantes também nos têm feito chegar a
sua ansiedade em relação às negociações.
Nesta dinâmica, Blasco tem como melhores
aliados os sindicatos e associações representativas e estes, por seu lado, têm
de saber distanciar-se dos perigosos “movimentos inorgânicos” sem nenhuma
hesitação, muito menos aproveitar “boleias” dos seus protestos.
É uma enorme demonstração de fraqueza que numa
autoridade de Estado, ainda mais com competências de investigação criminal,
como são a PSP e a GNR, não sejam identificados e isolados os que subvertem as
regras da democracia. É uma enorme fraqueza dos seus comandantes. A não ser que
lhes convenha. O tal vulcão, esse, não espera.
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