Que
futuro para as lojas do passado?
CLAUDIA CARVALHO
SILVA e JOANA GUIMARÃES
03/01/2016 - PÚBLICO
O
antigo está na moda e há quem faça o novo parecer velho. Uma
oportunidade para as lojas históricas? Um passeio em Lisboa e no
Porto revela sucesso, reinvenção, tristeza. E ameaças.
Por entre milhares
de braços, pernas e bonecas — novas e velhas, de pano, porcelana
ou plástico — Manuela Cutileiro, herdeira do Hospital das Bonecas,
aberto desde 1830 na Praça da Figueira, em Lisboa, diz que tudo
corre bem com o seu negócio. “Quando vêm ter connosco, as pessoas
procuram uma coisa diferente e uma qualidade diferente”, explica.
O sucesso de algumas
das lojas antigas de cidades como Lisboa e Porto, passa justamente
por isso: oferecem exclusividade, historicidade e qualidade. O
crescimento do turismo é decisivo. Mas há diferenças importantes
entre as duas cidades.
No Porto, o negócio
tem crescido, as lojas mais tradicionais mantêm-se e o cenário é
favorável para quem ali trabalha.
Mas em Lisboa há
lojas que bamboleiam na incerteza. Os motivos são vários: há
concorrência por parte das grandes superfícies e das feiras de rua,
e há falta de clientes. Mas, em grande parte, são as novas
alterações à lei do arrendamento que estão a causar insegurança,
levando alguns estabelecimentos ao encerramento.
Recuperar o antigo
Há lojas
centenárias a fechar, mas há ao mesmo tempo novos espaços a abrir,
cujo conceito é, justamente, recuperar um gosto antigo e fazer
decorações vintage. Casos como a mercearia biológica Maria Granel,
em Alvalade, assente no conceito tradicional de venda exclusivamente
a granel, sem embalagens. Também a gerência do Botequim da Graça
quis, desde o início, que o espaço fosse decorado “à moda
antiga”, semelhante à decoração que existia quando era gerido
pela poetisa Natália Correia, em 1969. Depois da sua morte, o bar
encerrou e foi reaberto em 2010, com gerência de Hugo Costa.
Face à concorrência
de outros bares, Hugo Costa, de 34 anos, refere que a solução passa
por criar um conjunto de clientes fidelizados. “Este estilo vintage
hoje em dia não tem muitas ameaças, aliás, é mais fácil que seja
antes visto como uma ameaça para os outros”, diz, explicando que a
ideia da decoração atrai muita gente ao Botequim.
Tem clientes dos 16
aos 70 anos, mas de nada adianta ter um “espaço muito bonito se o
serviço for mau”. “Apesar de termos um estilo vintage, tentamos
sempre inovar”, conta, considerando que o negócio está bom e que
as críticas têm sido positivas.
O aparecimento
destes novos negócios que incitam a “reviver o passado” surge da
“capacidade de regeneração” das cidades, diz o presidente da
Associação de Comerciantes do Porto (ACP), Nuno Camilo. Estes
negócios fazem com que se procure “um produto que faça a
diferença”, o que atrai mais pessoas. É um círculo vicioso que
acaba por ser vantajoso para todos: os que abrem novos negócios e os
que, há décadas na cidade, têm como bons vizinhos estes novos
comerciantes.
Botequim da
Graça
No Porto, algumas
lojas mais recentes, como o cabeleireiro K-Urban ou a Central
Conserveira, apostam, precisamente, numa decoração que mais não é
do que uma viagem a outro tempo, mas onde se garante a qualidade do
produto. Estes novos espaços tiveram de lutar pelo seu lugar no
mercado, mas têm agora público cativo que não se limita aos
moradores portuenses.
No caso da Central
Conserveira, a sócia-gerente Joana Azevedo defende a selecção de
produtos nacionais, que muitas vezes não se encontram nos
hipermercados: “Procuramos novos mercados, com novos designs, mais
apelativos, novas marcas.”
A escolha da
conserva como produto primordial foi uma aposta ganha, mas os sócios
da loja não se ficaram por aqui e criaram uma pequena área de
restauração, onde os clientes escolhem a conserva que querem e
depois a podem comer a quente, com combinações improváveis:
“Servimos sardinha com mel ou cavala com compota. Esta área ajudou
ao negócio. Por curiosidade, as pessoas aderiram.” A originalidade
faz com que sejam uma escolha para os trabalhadores da cidade, que
almoçam por lá, e para turistas, que mesmo não repetindo a
experiência por estarem de passagem, recomendam a outros que visitam
o Porto.
Paulo Guedes,
cabeleireiro do K-Urban, também defende que a qualidade é o que
mantém os espaços em funcionamento. O salão tem a decoração
inspirada na Barbearia Tinoco, que ali começou a funcionar em 1929 e
que não pode ser modificada por ser património da cidade, mas a
aposta é na modernização de serviços e nas parcerias. “Estamos
a crescer todos os anos, até conseguimos fidelizar turistas. Temos
também parcerias com hotéis, pelo que temos muito público
estrangeiro”, diz o cabeleireiro.
Central Conserveira
O negócio vai bem
Em Lisboa, as lojas
que têm um carácter exclusivo são das que mais clientes atraem. Um
desses casos é a Luvaria Ulisses, no Chiado. Será uma das lojas
mais pequenas do mundo, com apenas quatro metros quadrados na área
do atendimento. Carlos Carvalho, co-proprietário, diz que o que
fascina os visitantes é precisamente o facto de ser uma loja
minúscula, de ter uma decoração elegante e “o artigo em si, que
é a base de tudo”.
Todas as luvas são
manufacturadas por trabalhadores da Ulisses, num outro espaço em
Lisboa, mantendo o mesmo processo de fabricação usado nos anos
1920. “Estamos aqui há 90 anos. Quem resistiu a todo este tempo,
com certeza que se vai manter”, garante Carlos Carvalho. É verdade
que há um século todas as senhoras usavam luvas — mesmo no Verão
— e que agora as usam apenas por necessidade, quando está frio. Ou
seja, “o mercado nacional passou a ser sazonal e isso sentiu-se no
negócio”. “Mas no Verão temos os estrangeiros”, diz. E assim
equilibram as contas.
Também o Hospital
das Bonecas se insere na categoria “exclusividade”. É dos únicos
estabelecimentos deste género no mundo e, para além do restauro de
bonecas, também “cura” peluches e objectos de cerâmica. Outro
dos serviços é a confecção à medida de trajes de Carnaval
tradicionalmente portugueses — ainda que também façam fatos de
príncipes e princesas —, uma oferta que gera anualmente “muitas
encomendas”.
“Já passámos por
tantas crises que, mais crise, menos crise, vamos sobrevivendo e o
negócio está estável”, diz Manuela Cutileiro. “As coisas não
vêm aqui parar pelo valor comercial, mas pelo valor afectivo”, diz
a dona do hospital, que também funciona como museu, o que faz com
que receba diariamente visitas de muitos turistas.
Todas as luvas da
Luvaria Ulisses, no Chiado, são manufacturadas
No Porto, a Rua Sá
de Bandeira é um dos muitos exemplos do poder do comércio na Baixa
da cidade. Para além das inúmeras lojas, a artéria é a ligação
para muitas outras ruas onde o comércio tradicional está vivo e de
boa saúde, e onde a oferta mais moderna encontrou espaço.
Luísa Vilas Boas é
sócia-gerente do Bazar Paris há 23 anos, mas o espaço tem mais de
100. A loja, que a princípio vendia outro tipo de produtos, como
perfumes vindos de Paris, especializou-se em brinquedos e artigos de
coleccionismo: “Acredito que o nosso sucesso vem da oferta de
produtos diferenciados, que não se encontram nas grandes
superfícies.”
António Almeida
Reis, dono da Pérola do Bolhão, uma mercearia com 98 anos numa das
ruas do mercado, acredita que, no seu caso, a escolha recai muitas
vezes na sua mercearia e não noutras porque “pesa a granel” e
tem “o bacalhau como especialidade”.
O comerciante não
sentiu a crise: “Nunca pensámos em fechar!”, exclama. E nem a
grande quantidade de mercearias do género à sua volta o demoveu:
“Esta zona agora é um sítio de muita passagem, dá para todos!”
O aumento dos turistas é visto como uma vantagem. Em 2015,
exemplifica, vendeu muito vinho do Porto e café a estrangeiros.
O Hospital das
Bonecas está aberto desde 1830 na Praça da Figueira, em
Lisboa
Já se viveram
melhores dias
A atracção que
estas lojas exercem é fácil de explicar — lá dentro estão
bocadinhos da história das cidades, um local onde muitas vezes o
interlocutor é alguém que, também ele, tem muitos saberes para
partilhar. “Quando perdemos estas lojas, perdemos também o
saber-fazer, porque muitas delas têm associados pequenos ateliers”,
diz Catarina Portas, fundadora da cadeia de lojas A Vida Portuguesa.
“São lojas que
marcam as cidades em que se inserem”, sublinha Carla Salsinha,
presidente da União de Associações do Comércio e Serviços
(UACS). Ajudam a definir “o carácter e a personalidade de uma
cidade”, nas palavras de Catarina Portas. E, no entanto, sucedem-se
os casos de encerramento. Porquê? “Indiscutivelmente, a lei do
arrendamento”, responde Salsinha. “A maior parte destas lojas são
arrendadas.”
É o caso da
papelaria Au Petit Peintre, na Baixa de Lisboa desde que abriu
portas, em 1909. “As nossas casas, infelizmente, estão
sentenciadas à morte”, diz José Dominguez, dono da papelaria mas
não do imóvel. “Quando não se é proprietário de uma loja, não
se podem criar sonhos porque podem ser destruídos em um ou dois
dias.” A loja vende tudo o que tem a ver com papelaria, pintura e
tipografia. “Se temos gráficos de vendas que vão mal, a pique,
não é por falta de coisas para vender”, diz, explicando que nota
uma diferença na procura e acredita que há uma política de medo:
“Antes de se comprar alguma coisa, a pessoa tem de pensar três ou
quatro vezes.”
Dominguez reconhece
que os centros comerciais são importantes para as cidades, mas
sublinha a grande diferença no atendimento feito nas grandes
superfícies e nas lojas tradicionais. “São precisos contadores de
histórias, pessoas que tenham material puro e verdadeiro.” Por
exemplo: em 1928, a Au Petit Peintre, conta, editou o Jornal da
Mulher, uma publicação defensora da emancipação da mulher.
Na sua papelaria,
chegaram a trabalhar seis pessoas. Hoje, é só ele. José Dominguez
é artista plástico e está aqui desde 1963.
“Temos dias bons,
dias menos bons e dias maus. Hoje, vejo esta parte nobre de Lisboa
transformada em feiras”, lamenta. “E as lojas que têm os seus
encargos a nível de fisco e de licenças estão sujeitas a uma
concorrência desleal.”
Celestino Almeida
trabalha há 52 anos na mercearia Pérola de São Mamede, no número
19 da Rua Nova de São Mamede, em Lisboa. “Antes trabalhava aqui eu
e a minha mulher, agora sou só eu. Qualquer dia nem eu, estou a
ficar velho.” Tem 83 anos e diz que o negócio está “péssimo”.
Explica que as grandes superfícies são uma das razões para o mau
negócio. Outra é o aumento da renda: passou de 37 euros para 172.
“O futuro está muito incerto, em tudo.” Não sabe se a mercearia
conseguirá sobreviver. Para já, salvam-na os “velhinhos”,
clientes habituais, e os turistas.
A papelaria Au Petit
Peintre, na Baixa de Lisboa, abriu portas em 1909
No Porto, apesar de
parecer que este tipo de negócios não enfrenta problemas, nem
sempre foi assim — a última recessão económica, em 2011, fez
baixar os lucros. No entanto, para estes comerciantes, fechar nunca
foi alternativa. Uns reinventaram-se, aproveitando a nova vaga de
turismo. O pior é quando os turistas não são compradores, apenas
curiosos. “Os turistas só entram para tirar fotografias!”,
queixa-se Israel Matos, dono da Cardoso Cabeleireiros. Um problema
que levou a Livraria Lello, um ícone histórico da cidade, a começar
a cobrar entradas.
Israel vende
perucas, naturais e sintéticas, numa loja que abriu em 1906. Apesar
de não ter sentido qualquer efeito da recessão, os motivos pelos
quais tal acontece não são os melhores: “Esta loja viveu muitos
anos do teatro, vendíamos para muitos pontos do país. Actualmente,
a loja sobrevive da doença da morte”, explica Israel, referindo-se
a doenças oncológicas. “Antigamente vendia-se uma peruca por
vaidade, hoje é por necessidade.”
O investimento e a
inovação parecem ser o segredo destas lojas, que querem manter-se
de pedra e cal na cidade. Na Cabeleireiros Cardoso, Israel diz querer
“continuar a investir no mesmo ramo, mas noutras tecnologias”:
“Temos de acompanhar a evolução, é o que vou continuar a fazer.”
Já Luísa Vilas
Boas apostou em manter o produto, mas aumentar a oferta aos clientes:
“Quando fiquei na gerência, abri mais uma loja, na Boavista. Há
dois anos abrimos a loja online, para que mais pessoas consigam
chegar até nós.” A aposta acaba por levar o Bazar Paris a todo o
país, e parece estar a dar frutos: “Desde o início que teve
sucesso, mas neste Natal atingimos todos os picos de vendas.”
Mercearia Pérola de
São Mamede, em Lisboa
O segredo do negócio
na Bazar Paris é o mesmo de todas as outras lojas: “É importante
que se alie a tradição à modernidade”, defende a gerente. E é
por isso que investe sempre em produtos que recordem os velhos
tempos: “Continuamos a ter o brinquedo tradicional, como o
pianinho, o cavalo de baloiço, o pião. São artigos modernos, mas
que remetem para o antigamente.”
Na Pérola do Bolhão
a aposta é na continuidade: “Temos de manter a qualidade, aviar
bem os clientes, manter os preços de mercado”, relata o
proprietário, que não avista o fim da mercearia: “Espero, pelo
menos, chegar aos cem anos [da loja]! Depois, alguém tomará conta.”
Para Paulo Guedes,
do K-Urban, o caminho deverá fazer-se sempre focado no cliente: “Na
Suíça, onde cresci, há o label ‘qualidade suíça’. As pessoas
apostam na qualidade e deveríamos todos fazer o mesmo no nosso país.
Apostar menos na embalagem e mais na qualidade do produto ou do
serviço.” Já Joana Azevedo, que sentiu alguma relutância quando
abriu o negócio — “ainda havia um grande preconceito em relação
à conserva” —, acredita que apostar na restauração aliada à
mercearia de conservas foi um bom impulso para o negócio, uma vez
que serão a única loja na cidade que serve conservas “a quente”.
Sentença de morte?
Voltando a Lisboa, o
panorama é muito menos brilhante do que no Norte. O restaurante
Palmeira fechou há uns dias, depois de ter sido decretada a venda do
edifício em hasta pública e de os novos proprietários terem
decidido fazer obras no prédio.
Perucas, naturais e
sintéticas, na Cardoso Cabeleireiros, que abriu em 1906
Também a loja da
fábrica de Sant’Anna, que faz 100 anos este mês, recebeu uma
ordem de despejo para que o grupo Visabeira possa avançar com a
construção de um hotel no mesmo edifício. Foi apresentada uma
contestação pelos dirigentes da loja, daí que ainda se encontrem
na Rua do Alecrim, a aguardar resposta.
A Ginjinha sem Rival
esteve à beira de fechar para que no edifício nas Portas de Santo
Antão nascesse mais um hotel, o que não chegou a acontecer por
intervenção da câmara municipal. “Qualquer dia, vem-se a Lisboa
para ver hotéis”, ironiza José Dominguez, ao balcão da Au Petit
Peintre.
“Há cerca de um
ano, ouvimos o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, dizer que
por ele nunca o histórico café Guarany sairia de onde estava. Em
Lisboa, nunca ouvi nenhuma declaração dessas, não há um único
sinal público em relação às lojas históricas”, diz Catarina
Portas. Aliás, sublinha, pelo contrário. O Lojas com História,
programa lançado em 2015 pelo município, “está parado”.
A fundadora de A
Vida Portuguesa integra o conselho consultivo deste programa. Ainda
chegaram a ser definidos os critérios de acordo com os quais um
estabelecimento emblemático da cidade poderia receber o selo Lojas
com História, explica. Era suposto iniciar-se agora o levantamento
dos que poderiam receber uma protecção especial, à luz desses
critérios. “E estudou-se o que foi feito noutras cidades, porque
este problema não existe apenas nas cidades portuguesas. O comércio
mudou muito, profundamente”, em muitas partes do mundo. “Não
vejo, contudo, neste momento, ninguém para continuar esse programa”,
lamenta Portas.
O Bazar Paris já
chegou a vender perfumes vindos de Paris mas especializou-se em
brinquedos e artigos de coleccionismo
E, no entanto, as
lojas da cidade vivem os efeitos de uma espécie de tempestade
perfeita, criada pela conjugação de três factores que, “por si
só, seriam positivos”, mas que juntos “são uma tragédia”: a
lei do arrendamento; “o pico de turismo que se vive em Lisboa” e
“o interesse de vários fundos de investimento estrangeiros em
imobiliário”.
Apelos à mudança
de lei
No final de
Novembro, foi criada pelo movimento Fórum Cidadania Lx uma petição
online intitulada “Por uma nova alteração à lei do arrendamento,
pela salvaguarda das lojas históricas”, que tem mais de 850
assinaturas. Face ao “encerramento em avalancha de lojas antigas”,
são apontados como motivos algumas das alterações introduzidas na
lei do arrendamento, nomeadamente os “aumentos exorbitantes” das
rendas, a não consideração da especificidade dos estabelecimentos
comerciais, a denúncia do contrato no caso de haver projectos de
remodelação ou restauro nos edifícios em que se inserem as lojas,
muitas vezes para fins turísticos.
Assim, é pedido que
seja introduzida na lei uma cláusula de salvaguarda específica para
estas lojas. Uma moção também apoiada pela União de Associações
do Comércio e Serviços, que considera fundamental fazer tudo para
salvar estas memórias vivas das cidades.
“São lojas que
estão localizadas nas zonas nobres da cidade e que estão inseridas
em prédios que são vendidos para fundos imobiliários com o
objectivo de, a maior parte deles, serem transformados em estruturas
de hotelaria”, explica a presidente da associação, afirmando que
as empresas fazem obras profundas e dão ordem de despejo, o que,
aliás, “têm todo o direito de fazer, não é uma ilegalidade”.
Mas pode ser uma
“incoerência”, já que faria “todo o sentido se as lojas
permanecessem inseridas dentro de um hotel, por exemplo, seria até
uma mais-valia”, defende Carla Salsinha.
Além das
responsabilidades assacadas à lei do arrendamento e aos apetites
imobiliários pelo encerramento das lojas, soma-se a falta de
rentabilidade do negócio, mas a presidente da UACS diz que esses
serão casos “minoritários”.
Salsinha espera que
sejam implementados os mecanismos de salvaguarda deste comércio, já
definidos — falta a aprovação pela Câmara Municipal de Lisboa.
“Enquanto não estiver tudo regularizado, acredito que muitas mais
lojas irão fechar ao longo de 2016”, afirma, dando como motivo a
crescente afluência de turismo na cidade, o que não deixa de ser
bom, mas apenas “por um lado”. É que, como diz Catarina Portas,
é em nome do turismo — nomeadamente da construção de hotéis
para o receber — que se deixam as lojas históricas fechar, o que é
um contra-senso.
Há quem não veja
problemas nas ordens de despejo dadas às lojas históricas, pois
estas poderão sempre abrir noutro sítio. Mas Carla Salsinha
contrapõe que, com a mudança, perderiam totalmente a sua essência.
“Se mudarmos o comércio de tradição da Baixa para Campo de
Ourique ou para a Avenida de Roma, não será a mesma coisa”, diz,
acrescentando que “são também estas lojas que fazem os turistas
ir à Baixa, à procura delas”. É uma simbiose: as lojas precisam
dos turistas e os turistas procuram as lojas.
No Porto, é
diferente. Tanto as lojas históricas como as mais modernas atraem
cada vez mais população a uma zona da cidade que sofreu com a
descentralização, aquando da abertura de centros comerciais. Hoje,
o comércio volta a dar vida à Baixa da cidade e a chamar turistas.
O mercado não parece, de todo, saturado, e o presidente da ACP, Nuno
Camilo, vê mais possibilidades para diferentes públicos num futuro
próximo: “O Porto precisa de dar um salto para o turismo de
negócio à escala internacional, começar a receber eventos com
pessoas com mais poder de compra.” O S. João ou os jogos de
futebol a nível internacional são uma forma de atrair mais
públicos, considera.
Mas, mesmo agora, o
cenário é de optimismo: “Na área do comércio e serviços,
fecham duas lojas por dia na zona da Grande Lisboa; na do Grande
Porto, abre uma”, diz Nuno Camilo. Na sua opinião, há um segredo
para este sucesso do Porto: sinergia — toda a cidade se envolve,
toda a cidade se empenha.
Mais pessimista está
Carla Salsinha: “Acredito que no Porto vá acontecer exactamente a
mesma coisa que está a acontecer agora em Lisboa.” O problema,
defende, tem muito que ver com a pressão turística, “boa para a
cidade, mas que tem estas repercussões”, nota. “No Porto, esta
pressão começou ligeiramente mais tarde.” com A.S.
Texto editado por
Ana Fernandes