Mais
uma loja histórica com fim à vista? A Antiga Casa Faz Frio lá
escapou
Primeiro
o medo: A Antiga Casa Faz Frio, na rua D. Pedro V, é mais uma vítima
da Lei das Rendas e da turistificação da cidade. Podia ser, mas a
promessa é que não será. O restaurante mudou de mãos mas o novo
dono garante que a história vai ali permanecer intacta.
ANA FERNANDES 24 de
Março de 2017, 20:30
O alarme soou
estridente: mais uma casa histórica de Lisboa está com os dias
contados. A Antiga Casa Faz Frio, um restaurante perto do Príncipe
Real, que já contornou o centenário há uns valentes anos, fecha no
fim do ano, anunciou-se. Fez-se a petição, onde se lia que a
previsão é que o interior seja totalmente destruído, mil assinaram
e o assunto caiu nas redes sociais como fogo na palha. Só que não é
essa a intenção do novo proprietário, que não só quer manter o
restaurante como melhorá-lo sem o descaracterizar.
É uma causa que
galvaniza. A sua idade não é certa – fala-se em 120, outros em
150 anos. A única referência certa é o alvará de 1928 mas a sua
origem remonta provavelmente à década de 60 do século XIX, garante
Mário Gouveia, um dos sócios do Faz Frio. Nasceu como casa de
pasto, provavelmente teria também uma estalagem.
Além do pavimento
em pedra, dos velhos azulejos, destacam-se três pequenos
compartimentos em madeira, que subdividem o restaurante. Nas paredes
destas divisórias estão 28 pregões de Lisboa, evocando as figuras
populares do comércio da cidade.
São estes elementos
que muitos receiam ver completamente destruídos para que ali nasça
algo “gourmet” ou “modernaço”. “Mentira”, assegura Jorge
Godinho, que comprou a sociedade aos ainda donos do restaurante, que
ali permanecerão até final do ano.
“Vamos manter o
restaurante, fazendo algo o mais aproximadamente possível ao que
está mas dando outras condições pois como está ninguém lá vai”,
diz Godinho. “Vamos fazer o que hoje se faz mas em bom”,
assegura. Quanto aos elementos históricos são para manter,
dignificando-os.
O projecto de
alterações não está concluído mas há modificações
inevitáveis: “O balcão é em inox, horrível, as casas de banho
são minúsculas, só lá cabem mini-pessoas, o cheiro da cozinha
mete-se todo nos andares de cima. Isto tudo é para mudar,
preservando o que tem de bom – os azulejos, o chão, os quadros ou
os pilares”, exemplifica. “Quero dignificar, melhorar, dar mais
salubridade a um espaço que o merece”, reforça.
Nunca questionado
sobre as suas intenções, Jorge Godinho viu-se numa máquina
trituradora de críticas e acusações. “Não sou contra a petição,
sou contra as mentiras que lá estão”, sublinha.
O problema é que a
petição parte logo do princípio que é tudo para destruir. Algo de
que Mário Gouveia se mostrou também inicialmente convencido - "Vão
partir isto tudo", chegou a dizer ao PÚBLICO. Um receio em que
não era acompanhado pelo outro sócio – maioritário, com 70% –
que critica o rebuliço criado por quem nunca teve os dados todos na
mão.
Filho de um
cozinheiro da Marinha que chegou ao Faz Frio há 46 anos e que se
juntou a outros comandantes que ali davam palco aos petiscos ligados
ao mar, Manuel Sequeira assegura que a transição foi tranquila e
mostra-se descansado quanto ao futuro do restaurante.
“O prédio foi
comprado há dois anos e o senhorio tinha os seus planos para o
restaurante. Ainda contactámos as Lojas com História mas eles não
têm capacidade para inverter nada. A lei das rendas é como é e,
apesar de ainda termos contrato por alguns anos, decidimos chegar a
acordo e estamos satisfeitos”, garante.
A sociedade actual
nasce em 1970 com seis sócios. O pai de Manuel Sequeira foi
comprando quotas ao longo do tempo e o filho também. Recentemente,
Mário Gouveia, empregado do restaurante, juntou-se à sociedade,
ficando com 30%.
A proximidade ao
Parlamento deu-lhe a fama de abrigar tertúlias e conspirações –
os compartimentos em madeira ajudaram a criar esta aura de
clandestinidade. Segundo Mário Gouveia, o seu nome virá do facto de
ter uma porta para as traseiras que estava sempre aberta para fugas
intempestivas, o que gerava grandes correntes de ar. Os
conspiradores, assegura, “diziam que iam ao restaurante onde faz
frio, e assim ficou o nome”.
Se assim é ou não,
não interessa. O certo é que é parte da memória de uma cidade e a
sua defesa mobilizou centenas. Jorge Godinho não os leva a mal e
percebe as boas intenções. Mas tenta sossegar os receios, deixando
um apelo: Vão lá, contribuam para que a casa não acabe ameaçada
por falta de rentabilidade.
Apesar de tudo avançou-se na pressão da Opinião Pública e na vigilância alertada da Comunicação Social . Vamos ver agora (já se passaram dois anos depois das anunciadas intenções) o que sai concretamente, a nível legislativo, do Parlamento.
António Sérgio Rosa de Carvalho / OVOODOCORVO / 25-3-2017
As
lojas tradicionais da Baixa: desafios presentes e futuros
Finalmente,
os proprietários das Lojas Tradicionais encontraram-se em Lisboa, e
estabeleceram contacto através de uma plataforma de “cidadania”.
25 de Junho de 2015,
2:39
Este é o exacto
título de um artigo da minha autoria, inserido no volume intitulado
“Reabilitação Urbana: bases para uma intervenção de
salvaguarda”, publicado em Junho de 2005 pela CML, com a
coordenaçào editorial de João Mascarenhas Mateus, exemplo de um
completo estudo de conteúdo, no contexto preparatório da
classificação da Baixa a Património Mundial.
Isto é relevante,
agora que a CML anunciou a sua intenção de reactivar a ideia da
Classificação, estendendo-a aos bairros históricos e
simultaneamente voltar a repetir a ideia/intenção, tantas vezes
repetida, de promover o programa “Lojas com História”, onde se
pretende simultaneamente defender as características
culturais/patrimoniais dos estabelecimentos históricos e promover o
comércio tradicional.
Ora, precisamente no
artigo acima referido e também em artigo publicado no PÚBLICO em
16/07/2006 Made in Portugal, eu descrevo as experiências que tive
oportunidade de desenvolver em lojas tradicionais com interiores de
valor histórico, em permanente colaboração com a Unidade de
Projecto Baixa-Chiado e o então IPPAR.
Assim, na antiga
alfaitaria Rosado Pires, na Rua Augusta, conseguiu-se convencer o
novo proprietário a manter todo o interior intacto, utilizando a sua
autenticidade como uma mais valia. Pena que, com o tempo, uma parte
do mobiliário original tenha desaparecido e o interior tenha sido
“funcionalizado”. O mesmo foi conseguido na Perfumaria Pompadour,
com projecto de interiores de Raúl Lino (agora Swarovski /Rua Garret
) assim como na farmácia Normal na Rua da Prata.
Isto serve apenas
para ilustrar que, embora estes processos tenham conhecido avanços e
recuos paradoxais e inexplicáveis, existe uma base de conhecimento
já considerável e aproveitável.
Um bom exemplo
destes paradoxos constitui a recusa de classificação, por parte do
IPPAR neste período, da Ourivesaria Aliança, juntamente com outros
importantes estabelecimentos que constavam nos dossiers completos
desenvolvidos pelo Núcleo dos Estudos do Património da CML.
No entanto,
posteriormente, sobre a pressão da Opinião Pública e Comunicação
Social, Manuel Salgado exigiu e garantiu a preservação deste
notável e insubstituível estabelecimento.
A vigilância e o
contacto entre os interessados é portanto fundamental.
Mas, e aqui chego ao
objectivo deste artigo, há que manter objectividade e pragmatismo
nos objectivos imediatos.
O acontecimento mais
importante no que respeita a salvaguarda concreta perante a ameaça
progressiva que constitui a Lei das Rendas, tomou lugar no Porto no
Hotel Intercontinental, numa conferência intitulada Reabilitar para
Revitalizar (PÚBLICO 20/09/2014) onde Rui Moreira exprimiu as suas
preocupações de forma confrontadora perante uma assembleia de
empreendedores e proprietários, ameaçando chegar ao ponto de
expropriar edifícios, caso os insubstituíveis estabelecimentos
históricos instalados no mesmos fossem ameaçados e consequentemente
extintos, pelo aumentos das rendas.
Ora, finalmente, os
proprietários das Lojas Tradicionais encontraram-se em Lisboa, e
estabeleceram contacto através de uma plataforma de “cidadania”.
Se isto fizer algum
sentido será, não apenas na troca de informações e de postais
“culturais”, ficando “entretidos” num circulo inefectivo,
enquanto a espada ameaçadora da Lei das Rendas continua a descer
sobre as suas cabeças, mas precisamente numa acção coordenada e
sistemática de forma a levarem Medina e Salgado a tomarem uma
posição explícita e pública de compromisso na defesa das Lojas
Tradicionais, perante a ameaça crescente para a sua existência e
sobrevivência, que a Lei das Rendas constitui.
Historiador de
Arquitectura
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