sábado, 27 de março de 2021

Portugal tem os ricos mais pobres da Europa

 



OPINIÃO

Portugal tem os ricos mais pobres da Europa

 

Aquilo que a maior parte dos ricos portugueses tem não é capital próprio – é nome na praça, que lhes permite aceder ao capital dos bancos.

 

João Miguel Tavares

27 de Março de 2021, 0:00

https://www.publico.pt/2021/03/27/opiniao/opiniao/portugal-ricos-pobres-europa-1956070?fbclid=IwAR3KdnC_rAn3Ex9TV_9NC0OiwOmx1fZ4F1N7eRl7pmJ1b4Qae1UQxc-pPb4

 

A frase que dá título a este texto não é minha. Ela foi proferida por Paulo Rosado, líder da OutSystems, em entrevista a Vítor Gonçalves, na RTP. Rosado foi notícia este mês porque a sua empresa foi avaliada acima dos nove mil milhões de dólares, o que a torna mais valiosa do que a Galp e do que a Jerónimo Martins, apesar de a OutSystems nem sequer estar cotada em bolsa.

 

Paulo Rosado referiu que tínhamos os ricos mais pobres da Europa a propósito de questões fiscais, e de como era tão fácil um cidadão atingir rapidamente o escalão mais alto do imposto de rendimento. Mas na sua entrevista abordou também o tema de que me interessa falar aqui hoje – o do rico sem liquidez, ou o do capitalismo sem capital, para utilizar o título de um livro famoso, e uma expressão que Helena Garrido ainda recentemente aplicou à situação portuguesa, a propósito da notável história de Alfredo Casimiro e da Groundforce.

 

Quando nós falamos da pobreza de um país, o nosso imaginário neo-realista remete-nos para gente andrajosa a arrastar-se por vielas sujas, de mão estendida. Mas não é necessariamente isso que pobreza significa na Europa do século XXI, e quando olhamos numa perspectiva macroeconómica existe um outro tipo de pobreza relativa que afecta Portugal e o desempenho económico do país – a pobreza dos ricos. Sim, os ricos têm muitos privilégios e muitas casas e muitas quintas e viajam muito (é por isso que são ricos), mas os ricos portugueses são historicamente descapitalizados. Aquilo que a maior parte deles tem não é capital próprio – é nome na praça, que lhes permite aceder ao capital dos bancos.

 

Ou seja, o problema de Portugal não é só haver muita gente pobre, embora esse seja evidentemente um grande problema. É também os nossos ricos serem, em primeiro lugar, ricos em dívida, e operarem segundo a lógica da famosa boutade “se eu dever 10 mil euros a um banco o problema é meu, se dever 10 milhões o problema é do banco”. Foi isso que vimos no BCP, no BES, na Caixa ou no Montepio, onde pelos vistos Alfredo Casimiro foi buscar um empréstimo para comprar a Groundforce dando como garantia as próprias acções que estava a comprar, um pitoresco costume nacional que sempre que corre mal consegue mandar ao mesmo tempo abaixo as empresas e os bancos.

 

Há sempre um banco para salvar do crédito malparado; há uma empresa para nacionalizar porque é muito importante para o país. Nesse triste dia, nós, os contribuintes, somos patrioticamente convocados a roer os ossos

 

Este é com certeza o país onde a nível empresarial mais se ouve a expressão “pagar com o pêlo do cão”, que basicamente consiste em adquirir uma empresa e depois financiar essa aquisição com o dinheiro que a própria empresa consegue gerar – ou seja, investindo, na prática, zero euros, com recurso a outra actividade mágica, só ao alcance de alguns, chamada “período de carência”. Graças a estas técnicas tão populares, a empresa já arranca descapitalizada, com frequência está com dívidas a fornecedores ao fim de três meses, e o investidor nunca coloca o seu dinheiro na empresa, rezando para que tudo corra bem. Se correr mal, nem sequer é obrigado a deixar lá o pêlo – basta-lhe ir à procura de um novo cão.

 

É o que faz. Quando isto acontece demasiadas vezes, chega o dia em que o cão somos nós. Há um banco para salvar do crédito malparado; há uma empresa para nacionalizar porque é muito importante para o país. Nesse triste dia, nós, os contribuintes, somos patrioticamente convocados a roer os ossos, enquanto Berardos, Vasconcellos ou Casimiros dizem adeus ao mundo com ar compungido, recolhendo às suas quintas para fazer vinho e brindar à pátria que tão generosamente os acolheu.

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