segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Funcionário da Segurança Social ganhou 800 mil euros com imigrantes. Escondia mais de 57 mil euros no WC

 


CRIME

Funcionário da Segurança Social ganhou 800 mil euros com imigrantes. Escondia mais de 57 mil euros no WC

 

Cinco funcionários da Segurança Social vão ser julgados num processo de corrupção, relacionado com a atribuição, a troco de dinheiro, do número da segurança social a cidadãos estrangeiros. Segundo o Ministério Publico, só um destes arguidos facturou com o esquema mais de 800 mil euros.

 

Sónia Trigueirão

4 de Janeiro de 2021, 6:36

https://www.publico.pt/2021/01/04/sociedade/noticia/funcionario-seguranca-social-ganhou-800-mil-euros-imigrantes-escondia-57-mil-euros-wc-1943824

 

São 23 os arguidos, incluindo cinco funcionários da Segurança Social, que vão a julgamento, em Fevereiro de 2021, num processo de corrupção, relacionado com a atribuição, a troco de dinheiro, do número da segurança social a cidadãos oriundos sobretudo da Índia, Paquistão e Bangladesh.

 

Ao todo, e de acordo com a acusação do Ministério Público (MP), os cinco funcionários da Segurança Social obtiveram ganhos ilegais superiores a um milhão de euros, que o MP defende que sejam declarados perdidos a favor do Estado.

 

Só um deles, que trabalhava na Segurança Social do Areeiro, em Lisboa, terá lucrado com esta actividade mais de 800 mil euros.

 

Nas buscas à casa deste arguido, no dia 27 de Junho de 2017, a Policia Judiciária, encontrou 57.700 euros em dinheiro, escondidos (três maços de notas), no tecto da casa de banho, cerca de 11.140 euros no carro e 1200 euros numa carteira.

 

Segundo o MP, entre Janeiro de 2015 e Junho de 2017, só este arguido, criou 4969 números de identificação da Segurança Social (NISS) para estrangeiros sem a devida documentação e a troco de dinheiro, entre 100 a 200 euros por cada número.

 

Além de criar NISS, este funcionário, que obteve o lucro mais elevado com o crime que os restantes quatro, também fornecia informações a terceiros sobre os cidadãos inscritos. Cobrava um euro por cada pesquisa. Por exemplo, entre 1 de Agosto e 12 de Agosto de 2016 fez pesquisas sobre 1040 contribuintes.

 

De acordo com a acusação, pelo menos a partir de Janeiro de 2015 e até 27 de Junho de 2017, os cinco funcionários da segurança social decidiram, por forma autónoma e ou em conjunto com outros funcionários ou entre si, passar a criar ou alterar inscrições de cidadãos estrangeiros na segurança social, ou seja, atribuir NISS, a troco de quantias monetárias, a quem lhes solicitasse tais favores mesmo sem os documentos necessários.

 

Para levarem a cabo este objectivo, angariavam cidadãos estrangeiros ou portugueses, que conheciam através do exercício da profissão, e que abordavam em circunstancias oportunas para que, junto das comunidades estrangeiras em Portugal, instassem cidadãos estrangeiros a criar NISS a troco de dinheiro. Estes intermediários chegavam a ganhar entre 200 a mil euros.

 

O esquema era simples e os arguidos aproveitavam-se dos cidadãos recém-chegados a Portugal, que se deparavam com a necessidade de se legalizar.

 

Para se legalizarem, estes cidadãos estrangeiros têm de apresentar um comprovativo de inscrição na segurança social. Porém, também para se inscreverem na Segurança Social, necessitam de apresentar um contrato de trabalho ou uma declaração comprovativa para esse efeito e de possuir documentos de identificação. Os cinco arguidos criavam os NISS sem os documentos necessários e estes cidadãos nunca tinham um processo físico na Segurança Social.

 

A partir do momento em que há uma inscrição válida na Segurança Social, os cidadãos estrangeiros passam a ter acesso às prestações atribuídas, como por exemplo, abonos de família, subsidio de funeral, subsídio de desemprego, pensão de sobrevivência, subsídio de doença, entre outros.

 

O MP não tem dúvidas que, os cinco funcionários,” para levarem a cabo uma actividade paralela lucrativa, aproveitaram para isso os meios que tinham ao dispor na Segurança Social, que atendendo à duração no tempo e nível de execução lhes tomava muito do seu tempo útil do horário de trabalho”. Estes funcionários desempenhavam funções de atendimento ao público, no Areeiro, em Marvila e no Cacém. Não estava incluído nas suas actividades a inscrição de cidadãos, através da criação de NISS.

 

“A actuação demonstra indignidade no exercício do cargo por parte dos arguidos referidos, bem assim, implica a perda da confiança para o exercício de funções públicas”, sublinhou o MP na acusação, onde pediu a suspensão imediata de funções para os cinco arguidos. Actualmente estão todos suspensos.

 

Como foram apanhados?

O esquema de “venda” de NISS apenas foi detectado porque, no dia 28 de Agosto de 2015, uma cidadã estrangeira, inscrita na Segurança Social, reclamou por causa de um pedido de subsídio de parentalidade. Quando os funcionários foram verificar, no sistema, deparam-se com erros relativos aos dados da queixosa. Para verificarem e corrigirem os dados precisaram de localizar o processo físico. Porém, não o encontraram.

 

Tendo em conta que não se localizou o respectivo processo físico de inscrição da queixosa, foi solicitada auditoria para identificação do colaborador que tinha feito a inscrição, bem como a alteração dos dados de identificação. Essa auditoria permitiu identificar uma funcionária de Marvila, que agora é uma das arguidas deste processo. Essa auditoria também revelou que houve mais inscrições na Segurança Social sem processo físico.

 

Foi pedido um esclarecimento, por correio electrónico, à funcionária, mas esta não respondeu ao pedido. No dia 25 de Setembro voltaram a reenviar o pedido de esclarecimento.

 

Dias depois, a 28 de Setembro de 2015, verificou-se que a referida funcionária se deslocou ao serviço por volta da 8h31, tendo apenas permanecido no local de trabalho durante 30 minutos. Depois meteu baixa médica e ficou ausente do trabalho até 28 de Março de 2016.

 

No âmbito desta auditoria também verificaram que havia mais uma funcionária a fazer inscrições irregulares, esta funcionária era tida como uma excelente profissional. Recebeu, aliás, vários louvores entre 2012 e 2015 pela qualidade do seu trabalho e pelo profissionalismo no atendimento às pessoas.

 

Outra questão que levantou suspeitas foi que, segundo a auditoria, alguém utilizou os acessos de funcionários que estavam de baixa médica ou de férias, para fazer inscrições irregulares de cidadãos estrangeiros.

 

No dia 4 de Abril de 2016 deu entrada na loja do cidadão de Marvila, em Lisboa, uma reclamação. O expoente, que se identificou, declarou ter visto um dos funcionários da Segurança Social no exterior das instalações a entregar documentos em mão a um indivíduo. Na queixa, o expoente dizia mesmo que tido levava a crer que o senhor que recebeu a documentação pagou ao funcionário para lhe tratar da documentação. Este funcionário está entre os cinco acusados.

 

Perante a auditoria e esta queixa, a 7 de Abril de 2016, foi feita uma participação à Policia Judiciária.

 

A investigação revelou um esquema, que envolvia cinco funcionários da Segurança Social e 18 intermediários, entre eles uma cabeleireira, um taxista, uma comercial de telecomunicações, um professor de educação física, uma farmacêutica, um pedreiro, um empresário e vários comerciantes, na sua maioria estrangeiros já legalizados em Portugal e que angariavam outros cidadãos estrangeiros, nas respectivas comunidades, dispostos a pagar para se inscreverem na Segurança Social.

 

O MP deduziu acusação em Março de 2018, contra 23 arguidos, pelos crimes de corrupção passiva agravada, corrupção activa, abuso de poder, acesso ilegítimo e falsidade informática.

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