EDITORIAL
CORONAVÍRUS
O Governo à procura de uma bóia
O que aconteceu nas últimas semanas é muito mais do que
um abalo. É um terramoto. Aos olhos de uma boa parte dos cidadãos, o Governo
falhou exactamente no domínio em que não podia falhar: na sua protecção.
Manuel Carvalho
29 de Janeiro de
2021, 22:20
https://www.publico.pt/2021/01/29/politica/editorial/governo-procura-boia-1948565
Os erros
assumidos pelo Governo na gestão da pandemia têm custos que vão muito para lá
dos números trágicos que nos revoltam: têm um fortíssimo impacte na sua
credibilidade. Era previsível que o acumular de problemas abalasse a
estabilidade do executivo, mas o que aconteceu nas últimas semanas é muito mais
do que um abalo. É um terramoto. Aos olhos de uma boa parte dos cidadãos, o
Governo falhou exactamente no domínio em que não podia falhar: na sua
protecção. Com esse fracasso, a sua legitimidade democrática não fica em causa;
a confiança que se exige na relação entre governantes e governados, sim.
António Costa vai ter de durar porque, como ele em tempos disse, “não se mudam
generais no meio da batalha”. Ele será um general a caminhar sobre brasas.
Desde o Verão que
se pressentia que algo mudara. A assertividade deu lugar à hesitação. A
segurança cedeu passo à intranquilidade. A confiança num imaginado controlo da
situação abriu portas à imprevidência. Ninguém esperaria que num mês uma nova
estirpe do vírus causasse a razia que vemos hoje. Ninguém foi capaz de
acreditar no risco de colapso nos hospitais ou numa letalidade que, como dizia
o ex-ministro socialista Adalberto Campos Fernandes, “envergonha qualquer
governante”. A realidade é o que é. Nos julgamentos dos políticos contam sempre
menos os contextos que explicam os erros do que os próprios erros. A nova
estirpe do vírus ou o consenso dos partidos no Natal transformam-se em
expedientes.
Neste estado de
desgraça, a tolerância é muito menor. Entrámos na nuvem da descrença que
prenuncia a crise. O “murro na mesa” de Rui Rio significa essa mudança. Uma
avaria num frigorífico que destrói 600 vacinas passa a ser um monumento à
incompetência. Uma ministra a associar intenções “criminosas” a quem denuncia
falta de planeamento, um insulto. Haver militantes do PS com cargos públicos
entre a horda de energúmenos que se pôs na fila da frente para a vacinação, a
prova da podridão socialista. Mesmo que seja, o Governo não consegue parecer.
Para sobreviver
ao ambiente de decrepitude, o Governo precisa de sangue novo. De uma
remodelação – sem gente dos gabinetes. De rasgo. De insistir mais no que une os
portugueses do que no que os divide – da mão protectora do Presidente. De mais
pontes no Parlamento e menos dogmas. De coragem para cortar cerce os abusos –
como o das vacinas que corrói a ideia de que estamos juntos neste desafio. É
muita coisa, sem dúvida. Mas ou António Costa consegue sair do buraco em que
caiu ou arrisca-se a um longo e penoso ocaso.
Sem comentários:
Enviar um comentário