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GameStop contra Wall Street: a primeira revolta popular
financeira
Creio não estar a ser hiperbólico ao afirmar que acabámos
de assistir à primeira revolta popular do seu género, baseada na manipulação
dos mercados financeiros e organizada no Reddit, uma rede social, de forma
completamente pública.
Tomás Neves
Jurista e
copywriter
29 de Janeiro de
2021, 16:15
Wall Street foi
apanhada de surpresa. Nos últimos dias, uma série de grandes fundos de
investimento americanos sofreram perdas na ordem dos milhares de milhões de
dólares, tudo devido à acção semi-coordenada de uma horda de investidores de
retalho. Creio não estar a ser hiperbólico ao afirmar que acabámos de assistir
à primeira revolta popular do seu género, baseada na manipulação dos mercados
financeiros e organizada no Reddit, uma rede social, de forma completamente
pública.
Tudo começou no
subreddit WallStreetBets, um fórum online onde investidores amadores trocam
ideias sobre os seus investimentos. No início de 2019, um utilizador chamou a
atenção para o facto de que as acções da GameStop, uma cadeia de lojas
especializadas em videojogos, estavam subvalorizadas (tendo em conta as
características económico-financeiras da empresa). Em Junho do mesmo ano, outro
membro do fórum calculou que se o preço por unidade descesse até aos 50
cêntimos, comprar todas as acções existentes “só” custaria 45 milhões de
dólares – algo que a comunidade do WallStreetBets poderia fazer em conjunto. A
ideia foi ganhando tracção ao longo de vários meses, mas com a chegada da crise
pandémica o mercado caiu e o ímpeto morreu – temporariamente.
Durante o
confinamento, um grande número de novos investidores entrou no mercado.
Curiosamente, vários destes pequenos investidores foram capazes de prever – ou
pelo menos, de aproveitar – a rápida recuperação que se verificou nos mercados
financeiros, particularmente nos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, o fórum
WallStreetBets ia ganhando membros, cuja atenção se voltou a virar para a
GameStop.
De forma algo irónica, as elites financeiras de Wall
Street tornaram-se repentinamente bastante favoráveis em relação à regulação do
sector financeiro (depois de anos a defender a liberalização do mesmo).
Aparentemente, manipular o mercado só é aceitável quando é feito pelos
suspeitos do costume.
A GameStop é (ou
era) uma das empresas com maior volume de “apostas” de hedge funds contra si –
a certo ponto, mais de 100% das suas acções estavam a ser shorted, ou “vendidas
por empréstimo” (possível devido à existência de derivados financeiros).
Baseando-se nesse facto, outro utilizador lançou o seguinte repto em Abril de
2020: a GameStop vai valorizar, portanto comprem acções e telefonem às vossas
correctoras de modo a proibir o empréstimo dos vossos títulos a short sellers
(ou seja, a investidores que apostam contra a empresa).
Durante vários
meses, o movimento a favor da GameStop foi crescendo e crescendo, levantando-se
ao mesmo tempo uma onda de antagonismo relativamente às elites financeiras que
investiam contra a empresa em volumes excessivamente elevados, muito para além
do que se pode considerar uma gestão de risco prudente. No entanto, só no
início de 2021 é que o ponto crítico foi atingido. A união improvável e inédita
dos investidores do WallStreetBets resultou melhor do que qualquer um deles
poderia ter imaginado.
Há pouco mais de
duas semanas, no dia 12 de Janeiro, as acções da empresa custavam 20 dólares.
No dia 28 o preço de cada unidade chegou a atingir os 450 dólares, tudo devido
à gigantesca investida popular que se verificou nos últimos dias. Alguns dos
hedge funds visados, que mantiveram as suas posições contra a GameStop abertas,
sofreram perdas avultadas. Um deles, o Melvin Capital Management, necessitou de
uma injecção de capital substancial para se poder manter em actividade. O
resultado: centenas de milhões de dólares distribuídos por um grupo de
investidores amadores. Será esta a versão moderna do American Dream?
De forma algo
irónica, as elites financeiras de Wall Street tornaram-se repentinamente
bastante favoráveis em relação à regulação do sector financeiro (depois de anos
a defender a liberalização do mesmo). Aparentemente, manipular o mercado só é
aceitável quando é feito pelos suspeitos do costume. Mas quando são pessoas
comuns a jogar o mesmo jogo, afinal já se torna necessária a existência de regras.
Não estará na altura de assumirem um pouco de responsabilidade pessoal pelas
suas más escolhas?
Muito em breve,
começará a discussão sobre se o que se passou pode (ou deve) ser considerado
manipulação de mercado. Será certamente um debate interessante, mas suspeito
que no final de contas a posição das grandes instituições financeiras acabará
ainda mais reforçada. Espero estar enganado.
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