Porque
é que Paulo de Morais se cala sobre a corrupção?
Francisco Louçã
13 de Janeiro de
2016, 09:04
Por Francisco Louçã
Assisti ontem a uma
cena lamentável do candidato Paulo de Morais. Interrogado sobre as
“zonas opacas” da sua declaração de património, deu
explicações rejeitando qualquer ambiguidade, ele lá saberá. Mas
aproveitou ainda para culpar o Tribunal Constitucional pelo facto de
ele, Paulo de Morais, não ter entregue a sua declaração de bens
quando da cessação de funções públicas, quando deixou de ser
vice-presidente da Câmara do Porto (há dez anos). Segundo o
candidato, é o Tribunal que tem que pedir a declaração (o que é
falso) e portanto se ele, Morais, estava em falta quando não fez o
que lhe competia (entregar a declaração), é porque o Tribunal tem
a culpa. É feio.
Este truque político
decidiu-me a escrever sobre o candidato, para lhe colocar a minha
pergunta: porque é que ele, que fala tão fluentemente sobre tudo,
não diz nada sobre a corrupção?
Decerto alguns
leitores se indignarão, afinal Morais fala muito sobre “corrupção”.
Só que não é de corrupção que ele está a falar.
Ele fala do negócio
desastroso das parcerias público-privado, fala da lei errada que
isenta o pagamento de IMI a fundos imobiliários, a partidos, a
igrejas e ao Estado, fala de muito erros de política e de
administração. Só que discordar de uma medida ou acusá-la de ser
lesiva do interesse público não permite dizer que se trata de
corrupção. Corrupção é um crime concreto: pagar e receber
dinheiro para levar a cabo um determinado acto, obtendo vantagem com
ele. Isso é que é o crime e tem criminosos que devem ser julgados e
presos. Pelo contrário, chamar corrupção a tudo é abdicar de
punir os criminosos da corrupção. É simplesmente criar nevoeiro
para não indicar os culpados.
Ora, esse é mesmo o
problema de Paulo de Morais. É que ele tem que conhecer muito bem a
corrupção. Morais foi membro da JSD desde os 16 anos e do PSD desde
os 18, só tendo saído há dois anos quando começou a preparar a
sua candidatura. Esteve portanto 35 anos num dos partidos que acusa
de serem uma máquina de corrupção. Se é como ele diz, esteve no
partido com 35 Orçamentos de Estado, muitos deles com o seu PSD no
governo, enquanto que os seus colegas de partido se banqueteavam
nesse “antro de corrupção” que é o parlamento, Morais dixit.
Mas nunca disse uma
palavra sobre o assunto. Um culpado? Um caso? Uma corrupção? Nada.
Trinta e cinco anos de silêncio e logo num partido que é um antro
de corrupção, segundo Morais, de experiência feita.
Mas Morais,
entretanto, nos anos de silêncio, beneficiou do seu partido e foi
por ele colocado como vice-presidente da Câmara Municipal do Porto,
um cargo executivo de primeira importância, onde foram polémicos os
processos de despejos que impôs em bairros sociais. Se, como diz o
candidato, o seu partido é o antro da corrupção e cada câmara
municipal outro tanto, esteve nos melhores lugares para provar,
denunciar e combater a corrupção.
Em 2006, zangado com
Rio por não ter sido incluído nas novas listas, e certamente
indignado com a corrupção do PSD e da Câmara, terminou o seu
mandato e ficou livre para dizer o que queria. Declarou então
publicamente, e com que estrondo, que “houve um conjunto de
pressões que se exerceram no sentido de a Câmara Municipal do Porto
aprovar o projecto A ou o projecto B no sector do urbanismo, e muitas
dessas pressões tiveram a ver com personalidades que desempenhavam
cargos no próprio PSD”. Morais sabia tudo e até entregou um
dossier às autoridades judiciais, que nada fizeram.
Portanto, ou é mais
um caso grave de corrupção, o poder judicial mancomunado com o PSD
e com a Câmara Municipal, ou o dossier não tinha nada. Admitamos o
primeiro caso, é tudo uma rede de corrupção. Pergunta então o
leitor ou a leitora: sabendo que é tudo uma rede de corrupção e
tendo toda a informação sobre os culpados, porque é que Paulo de
Morais se calou nos últimos dez anos sobre este assunto em que sabe
tudo e pode pôr na prisão os corruptos?
Ele, que sabe quem
foi no partido que pressionou para aprovar determinados projectos de
urbanismo, corrupção pura, ele que pode testemunhar, denunciar na
televisão, escrever no Correio da Manhã, indicar os nomes,
certamente as quantias, porque é que está calado há dez anos?
Bastava dizer um nome e a casa ia abaixo. Porque é que ficou sempre
calado, dez anos a fio? Porque é que ficou no PSD mais nove anos
depois de ter sabido das tais diligências de gente do PSD,
certamente importante, para condicionar uns tais processos de
urbanismo na sua gestão na Câmara?
Não sei porque está
calado, não sei porque ficou no PSD, que sabia que seria esse ninho
de corrupção, mas tem que haver uma explicação. Porque Paulo de
Morais é ouvido com atenção por muita gente, que está preocupada
com a lepra da corrupção. Podia ter falado e tinha que ter falado.
Ainda recentemente,
a Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES notou as suas
afirmações categóricas sobre a corrupção nesse caso. Ele sabia
tudo, tinha dados, conhecia os culpados no BES, tinha os papéis,
podia desmontar tudo, não ficará pedra sobre pedra.
A Comissão,
esperançosa, pediu-lhe documentos e informações. Paulo de Morais
respondeu com algumas fotocópias de seus artigos de opinião em que
repete que sabe tudo, tem dados, conhece os culpados, não ficará
pedra sobre pedra. Mas os artigos de opinião não diziam nada.
Perguntaram-se os deputados: não há um dado, um culpado, um caso?
Nunca há uma conta, uma quantia, um fulano que recebeu e um sicrano
que pagou, um favor que se fez? Nunca há nada de nada? A corrupção
é só fumaça? Para o caso de os deputados terem ficado
surpreendidos, Morais mandou então dizer que “se quiserem usem a
lista (de artigos), se não quiserem da próxima vez não peçam” e
não me aborreçam com detalhes de culpados de corrupção.
No BES como na
Câmara do Porto ou no PSD, a corrupção é um estado de espírito
que indigna Morais, que sabe tudo mas que se mantém calado sobre
tudo – no partido durante 35 anos, depois no mandato de quatro anos
na Câmara do Porto e por outros dez anos depois de ter saído da
Câmara. O silêncio é a sua profissão. Sempre que podia acusar um
corrupto concreto não disse nada sobre corrupção . Sabe tudo e
esconde tudo.
Portugal precisa da
energia da democracia para combater a corrupção. Mas para isso
precisa de seriedade, rigor e verdade, não precisa de silêncios.
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