“Vimos
um Marcelo irritado, malcriado, visivelmente agastado por ser
contestado, incomodado por ter de se defender, incapaz de contestar o
óbvio e reduzido ao uso de argumentos ad hominem que me pareceram
resumir-se à acusação de que Nóvoa não teve, nos últimos anos,
um programa de televisão a partir do qual difundir as suas ideias.
Será que a TVI subiu de tal forma à cabeça de Marcelo que este
pensa que o facto de ter ocupado esse palco, só por si, o faz
merecer a Presidência da República?”
JOSÉ VÍTOR
MALHEIROS
OPINIÃO
O
homem capaz de desiludir todos os portugueses
JOSÉ VÍTOR
MALHEIROS 12/01/2016 - PÚBLICO
Não
se trata apenas de Sampaio da Nóvoa ter ganho o debate, mas de
Rebelo de Sousa o ter perdido por indecente e má figura.
Há umas semanas,
comecei a escrever uma crónica para este mesmo espaço que nunca
cheguei a publicar porque, no próprio dia em que a escrevia, foi
ultrapassada por já não sei que peripécia da vida política
nacional e acabei por escrever um novo texto. Coisas que acontecem às
vezes, como bem sabe quem já escreveu uma coluna de jornal. A
crónica original era sobre as eleições presidenciais e, quase
inevitavelmente, tinha como personagem central não as eleições em
geral nem os candidatos em geral mas um então candidato a candidato
em particular, Marcelo Rebelo de Sousa, que não conheço
pessoalmente e sobre quem tenho a mesma informação que a maior
parte dos dez milhões de portugueses, através do que diz na TV e do
que em tempos escreveu no Expresso. A primeira frase da crónica era:
“Simpatizo com Marcelo Rebelo de Sousa.” Não posso garantir que,
se a dita crónica tivesse chegado à publicação, essa frase
tivesse sobrevivido na mesma forma e posição, porque todos os
artigos sofrem um processo de desbaste e edição antes de serem
enviados para o prelo, mas ela começava de facto assim.
Explicava em seguida
as razões dessa simpatia, que vão para além das suas qualidades
intelectuais: a agudeza de espírito e mesmo o ocasional wit, o
sentido de humor e a ironia, o seu lado brincalhão e até por vezes
infantil, o toque de (ainda que selectiva) iconoclastia, o facto de
me parecer uma pessoa feliz (qualidade maior), a sua afabilidade e o
facto de me parecer uma pessoa que genuinamente gosta de pessoas.
Listava essas qualidades para acrescentar que, por muito simpáticas
que me parecessem, elas não perfaziam aquilo que deve ser a panóplia
de um presidente da República e para concluir que, a par delas,
Rebelo de Sousa possuía uma série de outras características que me
pareciam constituir um sério obstáculo ao exercício responsável
da presidência, como sejam a sua volubilidade, a sua aversão a
comprometer-se, o seu gosto pelos dribles retóricos para evitar as
tomadas de posição claras, a sua vontade de estar de bem com Deus e
o Diabo, a sua manifesta falta de paciência para as tarefas mais
chatas da existência, o seu desejo de ser admirado por todos e a sua
vaidade (pecado menor mas que pode tornar-se maior quando impele a
que se sacrifique algo mais importante em seu nome), etc.
Repare-se que não
falo aqui de questões ideológicas, que me separam a uma escala
oceânica de Marcelo Rebelo de Sousa - como o seu apoio discreto mas
constante à política de austeridade do governo PSD-PP e a sua
benevolência perante os diktats da União Europeia - mas apenas de
questões de carácter, sempre essenciais em política, mas
particularmente relevantes no caso da Presidência da República.
Ora acontece que
hoje, apesar de não me ter entretanto encontrado com Marcelo Rebelo
de Sousa, nunca poderia escrever aquela primeira frase, depois dos
dois debates que vi entre ele, Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém.
Não se trata apenas
de Sampaio da Nóvoa ter ganho o debate de forma estrepitosa a Rebelo
de Sousa, apesar de toda a experiência televisiva deste (sim, os
debates não são jogos de futebol, mas são ganhos e perdidos e
Rebelo de Sousa perdeu este por uma goleada que incluiu uma boa
meia-dúzia de auto-golos) mas de Rebelo de Sousa o ter perdido por
indecente e má figura, não apenas por não ter conseguido rebater
nenhuma das questões substantivas suscitadas por Nóvoa, mas pelo
tom presumido e arruaceiro com que enfrentou o seu interlocutor.
Se o Sampaio da
Nóvoa do debate com Marcelo Rebelo de Sousa não me surpreendeu, com
a sua calma segurança, com a sua delicadeza mas com grande firmeza
na sua argumentação e uma enorme convicção no seu projecto para
Portugal, já o verniz de Marcelo estalou de uma forma escandalosa.
Vimos um Marcelo irritado, malcriado, visivelmente agastado por ser
contestado, incomodado por ter de se defender, incapaz de contestar o
óbvio e reduzido ao uso de argumentos ad hominem que me pareceram
resumir-se à acusação de que Nóvoa não teve, nos últimos anos,
um programa de televisão a partir do qual difundir as suas ideias.
Será que a TVI subiu de tal forma à cabeça de Marcelo que este
pensa que o facto de ter ocupado esse palco, só por si, o faz
merecer a Presidência da República?
O tom de Marcelo
melhorou um pouco perante Maria de Belém, mas não o suficiente,
chegando ao ponto de se referir repetidamente à adversária à sua
frente como “ela”, enquanto apelava ao apoio do moderador, como
um colegial no recreio. Ninguém esperaria tanto Boliqueime em
Marcelo Rebelo de Sousa, mas ele lá apareceu, sem ser preciso
arranhar muito a superfície. Apesar do tal oceano de separação e
de nunca me ter passado pela cabeça votar no candidato presidencial
do PSD e do PP, fiquei desiludido com Marcelo. Teria gostado de poder
continuar a simpatizar com ele. Mas fiquei com a convicção de que,
se for eleito, Marcelo Rebelo de Sousa nos irá desiludir a todos.
jvmalheiros@gmail.com
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