OPINIÃO
O
regoverno de António Costa
JOÃO MIGUEL TAVARES
14/01/2016 / PÚBLICO
Receio que chamar a
isto um governo seja excessivo. Regoverno é muito melhor.
Rever, reverter,
repor, revogar, restaurar, recuperar, ressarcir, restituir,
reintegrar. Refastelado na sua residência de São Bento, António
Costa reivindicou como seu programa de governo a rejeição de tudo
aquilo que o anterior governo havia realizado. Revertem-se
privatizações. Repõem-se salários. Revogam-se as 40 horas de
trabalho na função pública. Restauram-se feriados. Reintegram-se
funcionários.
Repentinamente, o
singelo “re” tornou-se o prefixo oficial do governo, e um
reconhecido candidato a Palavra do Ano 2016. “Re” isto, “re”
aquilo, “re” aqueloutro. Refaz-se o que já estava feito e bem
feito (para quem reclama tanta igualdade, qual a razão para
reincidir na revoltante desigualdade das 35 horas laborais somente
para os funcionários do Estado?), revoluciona-se mais uma vez aquilo
que apenas reclama estabilidade (o ministro da Educação justificou
ontem a revogação dos exames a meio do ano lectivo com a
“responsabilidade de intervir urgentemente na reparação dos
danos”, como se as criancinhas da pátria estivessem à beira do
desfalecimento e muito necessitadas de regozijo e regabofe), e assim
se reatam os velhos vícios, se repetem os velhos erros e se
recuperam os velhos hábitos. Repugnante.
Reorganizar o
Estado, conforme nos revela António Costa, não significa encontrar
uma resposta renovada para a recuperação do país, mas apenas
regressar ao passado pré-2011, como se esse passado fosse de alguma
forma recomendável. Reparem que não está em causa a possibilidade
de políticas reformuladas, nem a redefinição de estratégias
económicas. Reconheço obviamente que um novo governo tem todo o
direito de definir um novo rumo para o país. Redefinir um rumo, no
entanto, não pode significar a redução da acção política a esta
espécie de retractação infantil de todas as ruindades alegadamente
cometidas contra o povo português, e muito menos retornar à
conversa velha e relha dos direitos adquiridos – que agora são, na
verdade, readquiridos –, cega aos constrangimentos sociais e
económicos do país e eternamente alimentada pelo mais resistente
corporativismo, cuja renitência à mudança é reiterada e
recorrente.
Regressemos a Tiago
Brandão Rodrigues, que ao ser confrontado com o facto de os alunos
estarem agora a ser informados de provas que vão ter de fazer daqui
a cinco meses respondeu com a conversa delicodoce que os socialistas
reverenciam. Replicou o ministro que as crianças “não têm que se
inquietar”, nem de “se preparar especialmente para as provas de
aferição”, porque “treinar para os exames é pernicioso”
(juro que ele disse isto) e há agora um novo modelo que “privilegia
a qualidade em detrimento da cultura da nota”. Rebobinem o filme,
por favor, e recordem ao senhor ministro que este paleio não é novo
em Portugal e que são muito raros os pais, tal como são muito raros
os professores, que não reclamam um ensino mais capaz, mais exigente
e mais rigoroso.
Resvala-se assim, em
menos de dois meses de governo socialista, para a cultura do
facilitismo e do deixa andar que tão bem conhecemos, e que já nos
ofereceu uma retumbante recessão. Resta-nos rezar para que o
Portugal relaxado não se reerga com o regresso do reino do “re”.
“Re” esse que nunca é de reduzir. “Re” esse que nunca é de
reformar. “Re” esse que nunca é de realidade. “Re” esse que
pode muito bem ser de resgate, se a revoada de retrocessos continuar.
Receio que chamar a isto um governo seja excessivo. Regoverno é
muito melhor.
ÚLTIMA - GOVERNO
REESTRUTUROU A DÍVIDA COM SUCESSO
Ontem, às seis da
tarde, enquanto o planeta se curvava sobre Bowie, António Costa e
Centeno reestruturavam a dívida portuguesa. Ninguém viu.
Ninguém, vírgula.
André Tanque Jesus, um jovem jornalista do Jornal de Negócios,
escreveu a notícia, mas deixou de lado este gigantesco pormenor.
O que aconteceu foi
simples: o Estado disse ao FMI que em vez de pagar 10 mil milhões
este ano, só paga um terço. Para o ano, em vez de 6,9 mil milhões,
o credor só leva 2,5. E em 2018 e 2019, anos em que não havia
pagamentos a fazer, lá se dará o resto que falta a Nova Iorque.
Passou de mansinho
esta mega operação de milhares de milhões. Numa penada, Centeno
atirou para os anos em que não se sabe se o governo ainda será do
PS o pagamento gordo, ficando com a módica folga de 11.1 mil milhões
de euros, que pode agora gerir com lucro para o Orçamento de Estado.
Numa penada, enquanto o mundo cantava Lazarus, Costa e Centeno
fizeram o seu Changes, entre os pingos do luto e da maçadora
campanha presidencial.
Não se discutiu
nada em público, não houve terramotos nos mercados, não se iniciou
um debate onde Passos e Maria Luís teriam a tentação de gritos
lancinantes. Ninguém apontou o dedo nem o BE ou o PCP vieram a
cantar vitórias. Garcia Pereira não se manifestou contra Arnaldo de
Matos nem este escreveu no Luta Popular que o culpado era aquele.
Resumindo e
concluindo: se não se souber muito, o mundo corre e é da política
o que é da política. Se é bom, isso cabe aos analistas de economia
e finanças. Andam aí muitos. Que expliquem.
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