quinta-feira, 3 de junho de 2021

Um caso exemplar de bufaria e desonestidade intelectual

 



OPINIÃO

Um caso exemplar de bufaria e desonestidade intelectual

 

Até quando continuaremos nós a padecer deste infantilismo político e democrático, que nos trata como imbecis e exige que a Velha Senhora seja o Mal Absoluto, mesmo que para isso tenhamos de negar evidências do tamanho de autocarros? Pobre Nuno Palma. E, sobretudo, pobre país.

 

João Miguel Tavares

3 de Junho de 2021, 0:01

https://www.publico.pt/2021/06/03/politica/opiniao/caso-exemplar-bufaria-desonestidade-intelectual-1965105

 

Nuno Palma é professor da Universidade de Manchester na área da História Económica, e cometeu um pecado imperdoável: veio a Portugal, ao badalado colóquio do MEL, dizer que o Estado Novo combateu o analfabetismo de forma mais competente do que a Primeira República; que convergiu com a Europa em PIB per capita de forma mais eficaz do que em parte substancial da democracia; e que conseguiu diminuir de forma acentuada os índices de mortalidade infantil.

 

Mas não disse só isso. Disse também que o Estado Novo era um regime indefensável. Que era antidemocrático. Que censurava. Que tinha uma polícia política. Que promoveu um colonialismo fora de tempo. Qual foi, então, o resumo da sua intervenção, segundo deputados, eurodeputados, colunistas de esquerda e até alguns de direita? Foi este: Nuno Palma esteve no MEL a defender o fascismo e o Estado Novo.

 

Isto, meus caros, é o grau zero da honestidade intelectual e da decência. A intervenção de Nuno Palma não só foi obscenamente adulterada, como ele depois ainda foi vítima da mais reles bufaria junto da universidade onde trabalha. Um tal Francisco Santos Silva, investigador português e antigo aluno da mesma universidade, foi para o Twitter exibir alegremente o seu comportamento pidesco, gabando-se de ter enviado um mail à Universidade de Manchester a alertar “para as actividades” de um seu “funcionário”, da qual “talvez não tenha conhecimento”. Nuno Palma foi por ele acusado de ter feito “uma apologia do regime fascista e colonial” ao exaltar “as suas conquistas económicas e educacionais”, “sem suporte da investigação historiográfica” – tudo descaradas mentiras. E, a partir delas, o senhor Santos Silva (azarado apelido) exige que a universidade se “distancie” das opiniões de Nuno Palma, de forma a não “destruir a imagem de instituição respeitável”. Nada causa tanta repugnância como ver um pidezinho a chamar fascista aos outros.

 

E o problema é que não foi só ele. Houve mais gente a enviar queixinhas para Manchester, e houve altos responsáveis do PS a alinhar pela mesma cartilha. O eurodeputado Pedro Marques escreveu no Twitter que Nuno Palma tinha sido “ovacionado enquanto defendia as virtudes do regime fascista em Portugal”, para ser logo depois desmentido pelo Polígrafo. A chefe da bancada parlamentar do PS Ana Catarina Mendes subscreveu a mesma conversa da treta na Circulatura do Quadrado, contando com o apoio de Pacheco Pereira. E eu perdi a conta aos colunistas que compraram essa monumental patranha, facilmente desmentida por qualquer pessoa séria que tenha escutado a intervenção.

 

É curioso que Nuno Palma nos tenha alertado para o facto de o Ministério da Educação estar a enganar os jovens portugueses quando impõe, como “aprendizagem estruturante” do programa de História do 12.º ano, que o Estado Novo “impediu a modernização económica” do país. Uma falsidade desmentida pelos números, mas que, como se vê, não pode ser questionada sem que os bonzos do regime desatem numa gritaria histérica. Será assim tão difícil admitir que o Estado Novo aproximou Portugal de níveis de desenvolvimento europeus, sendo, ao mesmo tempo, um regime ditatorial, repugnante e inaceitável? Até quando continuaremos nós a padecer deste infantilismo político e democrático, que nos trata como imbecis e exige que a Velha Senhora seja o Mal Absoluto, mesmo que para isso tenhamos de negar evidências do tamanho de autocarros? Pobre Nuno Palma. E, sobretudo, pobre país.

 

Jornalista

Sem comentários: