OPINIÃO
Um caso exemplar de bufaria e desonestidade intelectual
Até quando continuaremos nós a padecer deste infantilismo
político e democrático, que nos trata como imbecis e exige que a Velha Senhora
seja o Mal Absoluto, mesmo que para isso tenhamos de negar evidências do
tamanho de autocarros? Pobre Nuno Palma. E, sobretudo, pobre país.
João Miguel
Tavares
3 de Junho de
2021, 0:01
Nuno Palma é professor
da Universidade de Manchester na área da História Económica, e cometeu um
pecado imperdoável: veio a Portugal, ao badalado colóquio do MEL, dizer que o
Estado Novo combateu o analfabetismo de forma mais competente do que a Primeira
República; que convergiu com a Europa em PIB per capita de forma mais eficaz do
que em parte substancial da democracia; e que conseguiu diminuir de forma
acentuada os índices de mortalidade infantil.
Mas não disse só
isso. Disse também que o Estado Novo era um regime indefensável. Que era
antidemocrático. Que censurava. Que tinha uma polícia política. Que promoveu um
colonialismo fora de tempo. Qual foi, então, o resumo da sua intervenção,
segundo deputados, eurodeputados, colunistas de esquerda e até alguns de
direita? Foi este: Nuno Palma esteve no MEL a defender o fascismo e o Estado
Novo.
Isto, meus caros,
é o grau zero da honestidade intelectual e da decência. A intervenção de Nuno
Palma não só foi obscenamente adulterada, como ele depois ainda foi vítima da
mais reles bufaria junto da universidade onde trabalha. Um tal Francisco Santos
Silva, investigador português e antigo aluno da mesma universidade, foi para o
Twitter exibir alegremente o seu comportamento pidesco, gabando-se de ter
enviado um mail à Universidade de Manchester a alertar “para as actividades” de
um seu “funcionário”, da qual “talvez não tenha conhecimento”. Nuno Palma foi
por ele acusado de ter feito “uma apologia do regime fascista e colonial” ao
exaltar “as suas conquistas económicas e educacionais”, “sem suporte da
investigação historiográfica” – tudo descaradas mentiras. E, a partir delas, o
senhor Santos Silva (azarado apelido) exige que a universidade se “distancie”
das opiniões de Nuno Palma, de forma a não “destruir a imagem de instituição
respeitável”. Nada causa tanta repugnância como ver um pidezinho a chamar
fascista aos outros.
E o problema é
que não foi só ele. Houve mais gente a enviar queixinhas para Manchester, e
houve altos responsáveis do PS a alinhar pela mesma cartilha. O eurodeputado
Pedro Marques escreveu no Twitter que Nuno Palma tinha sido “ovacionado
enquanto defendia as virtudes do regime fascista em Portugal”, para ser logo
depois desmentido pelo Polígrafo. A chefe da bancada parlamentar do PS Ana
Catarina Mendes subscreveu a mesma conversa da treta na Circulatura do
Quadrado, contando com o apoio de Pacheco Pereira. E eu perdi a conta aos
colunistas que compraram essa monumental patranha, facilmente desmentida por
qualquer pessoa séria que tenha escutado a intervenção.
É curioso que
Nuno Palma nos tenha alertado para o facto de o Ministério da Educação estar a
enganar os jovens portugueses quando impõe, como “aprendizagem estruturante” do
programa de História do 12.º ano, que o Estado Novo “impediu a modernização
económica” do país. Uma falsidade desmentida pelos números, mas que, como se
vê, não pode ser questionada sem que os bonzos do regime desatem numa gritaria
histérica. Será assim tão difícil admitir que o Estado Novo aproximou Portugal
de níveis de desenvolvimento europeus, sendo, ao mesmo tempo, um regime
ditatorial, repugnante e inaceitável? Até quando continuaremos nós a padecer
deste infantilismo político e democrático, que nos trata como imbecis e exige
que a Velha Senhora seja o Mal Absoluto, mesmo que para isso tenhamos de negar
evidências do tamanho de autocarros? Pobre Nuno Palma. E, sobretudo, pobre
país.
Jornalista
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