quinta-feira, 3 de junho de 2021

Serviços rejeitaram projecto para a Tapada das Necessidades, mas inverteram posição a pedido do vereador

 


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CÂMARA DE LISBOA

Serviços rejeitaram projecto para a Tapada das Necessidades, mas inverteram posição a pedido do vereador

 

Sá Fernandes pediu a um director municipal, que dele depende, para rever um parecer que inviabilizava a aprovação das polémicas obras previstas para a Tapada das Necessidades por elas contrariarem o contrato de concessão. O director aceitou o pedido e escreveu no novo parecer que o fazia por solicitação do vereador. Depois o projecto foi aprovado. Sá Fernandes nega pressão sobre o director.

 

José António Cerejo

2 de Junho de 2021, 20:16

https://www.publico.pt/2021/06/02/local/noticia/servicos-rejeitaram-projecto-tapada-necessidades-inverteram-posicao-pedido-vereador-1964929?fbclid=IwAR0q4At-PqcHLXvOugSRExt9YlWpSNl6jtluA3eHFlRUqTDnBwUO_054tuc

 

Técnicas, chefia intermédia e director municipal da Estrutura Verde rejeitaram, em 2017, o projecto de construção de vários edifícios na Tapada das Necessidades, em Lisboa, por entenderem que ele violava o contrato de concessão daqueles espaços, bem como o caderno de encargos do concurso realizado para escolher o concessionário dos mesmos. A aprovação do projecto pelo executivo de Fernando Medina só foi possível graças ao facto de o vereador José Sá Fernandes ter pedido àquele director municipal, Ângelo Mesquita, que alterasse o seu anterior parecer negativo, coisa que ele aceitou fazer, emitindo um novo parecer, desta vez favorável.

 

O projecto de arquitectura das obras que a empresa concessionária pretende ali fazer foi objecto de uma primeira rejeição por parte dos serviços da Estrutura Verde, confirmada pelo director municipal no final de 2016. As alterações entretanto efectuadas pelo concessionário ditaram uma nova apreciação daqueles serviços, no que concerne ao cumprimento das condições estabelecidas no contrato de concessão assinado em 2016 com a empresa Banana Café Emporium e ao impacte da intervenção na Tapada das Necessidades.

 

Cave com 226 m2 viola contrato

Na informação técnica produzida em Junho de 2017 pelo Gabinete de Projectos de Estrutura Verde, o novo projecto voltou a ser chumbado, precisamente por não cumprir o preceituado no contrato de concessão e no caderno de encargos. Em concreto, e entre outras coisas, as autoras da informação apontaram o facto de o projecto prever a demolição de vários edifícios e a construção de outros novos, quando o caderno de encargos e o contrato – que a câmara facultou agora ao PÚBLICO, 14 dias depois de ser requerido ao abrigo da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos, mas nunca divulgara antes e nunca publicou no portal base.gov.pt – impõem a sua reabilitação.

 

Entre eles avulta o edifício principal do antigo jardim zoológico, a casa central, ao qual não é reconhecido qualquer valor histórico ou arquitectónico, mas cuja recuperação é contratualmente obrigatória. No seu lugar, o concessionário pretende erguer um novo edifício para instalação de um restaurante, por baixo do qual será construída uma ampla cave em betão armado, que funcionará como cozinha, com 226 m2 e seis metros de profundidade – situação que não está prevista no caderno de encargos do concurso, nem no contrato de concessão. Simetricamente à casa central, serão instalados dois “pavilhões construídos em estrutura metálica e vidro, com cerca de 359 m2”. Sucede que as condicionantes contratuais permitem apenas a criação de duas “estruturas amovíveis em lona (tipo tenda)”, as quais serão “obrigatoriamente de carácter efémero” e “leve”, com um total de 300 m2.

 

Tal como todas as outras obras a efectuar pelo concessionário, a intervenção a realizar no antigo jardim zoológico, lê-se no caderno de encargos, terá de obedecer aos “princípios da autenticidade, da reversibilidade, da retractibilidade e da intervenção mínima”, contrariamente ao que acontece com o projecto aprovado.

 

Na informação do Gabinete de Projectos de Estrutura Verde apontam-se todos estes incumprimentos e sublinha-se que o projecto propõe para o restaurante “uma estrutura construtiva que irá alterar de forma permanente as condições actuais, ao criar um piso em cave que obrigará necessariamente a uma escavação considerável”. Outros incumprimentos referidos incidem sobre a volumetria do novo edifício a construir no topo Norte da tapada – no lugar dos actuais que teriam de ser recuperados –, a qual é considerada “excessiva”, e sobre “a linguagem arquitectónica que não se adequa ao contexto romântico deste jardim histórico nem valoriza a sua identidade”, conforme estabelecido no plano director municipal. As arquitectas responsáveis pela informação notam ainda que a esplanada projectada para a zona Sul, junto ao quiosque a instalar, ocupa 150 m2, em vez dos 80 indicados no contrato.

 

A concluir, a informação diz que o concessionário terá de apresentar um novo projecto “que vá ao encontro das condições constantes no contrato de concessão e no concurso”. Obtida a concordância da chefia intermédia, a informação mereceu a aprovação do director municipal. “O projecto deverá, em minha opinião, ser reformulado de forma a que o clausulado do caderno de encargos e as disposições legais e em vigor sejam cumpridas”, escreveu Ângelo Mesquita a 5 de Junho de 2017, em despacho dirigido ao vereador Sá Fernandes.

 

“Na sequência do solicitado por V. Ex.ª”

Três semanas depois, a 28 de Junho, o mesmo responsável camarário voltou a pronunciar-se sobre o assunto, dirigindo-se novamente a Sá Fernandes, agora com um preâmbulo inusitado: “Na sequência do solicitado por V. Ex.ª, venho, pelo presente, proceder a um esclarecimento e revisão do meu parecer de 9/6/2017.”

 

A revisão solicitada pelo vereador e manuscrita logo por baixo do parecer anterior desemboca numa conclusão oposta à primeira, assim resumida pelo autor: “Se for considerado por V. Ex.ª que os supramencionados desvios ao clausulado do caderno de encargos não conduzem à alteração dos pressupostos abrangidos pelo objecto do contrato, atenta a qualidade do proposto, o processo poderá seguir a sua tramitação (...)”

 

E assim aconteceu. No dia seguinte, um assessor jurídico de Sá Fernandes redigiu uma informação sobre a apreciação dos serviços da Estrutura Verde e sobre os dois pareceres do “ilustre director municipal”, considerando “nada obstar à aprovação” do projecto e propondo a sua aprovação. No mesmo dia, o vereador proferiu o seu despacho de concordância, respaldado na informação do assessor: “Nada a opor ao projecto uma vez respeitadas as condicionantes” dos pareceres da Direcção-Geral do Património Cultural e do Instituto de Conservação da Natureza.

 

Com a anuência da Direcção Municipal de Urbanismo já obtida, o projecto foi aprovado seis meses depois pelo executivo camarário, com os votos contra do PCP e do BE e a abstenção do CDS.

 

Entretanto, na sequência de uma petição lançada em Março e que já reuniu quase 12 mil assinaturas contra a concretização do projecto assim viabilizado, Sá Fernandes anunciou que seria apresentado publicamente, no dia 1 de Junho, um plano de salvaguarda da tapada e que todas as obras a efectuar no seu perímetro, incluindo as que o concessionário pretende levar a cabo, só poderão ser feitas “se estiverem de acordo com as respectivas orientações”. A apresentação pública acabou por não acontecer, sendo nesta quarta-feira substituída pela disponibilização, no site da câmara, dos documentos do plano que ficará em discussão pública até 1 de Julho. É possível concluir que, na sua versão actual, o plano desenvolvido sob a coordenação dos serviços camarários não levanta qualquer obstáculo à concretização do projecto apresentado pelo concessionário e já aprovado pela autarquia.

 

Sá Fernandes invoca “condicionante” desconhecida

Solicitado pelo PÚBLICO a esclarecer se foram dadas instruções aos responsáveis por esse plano para que ele contemple o projecto já aprovado, Sá Fernandes respondeu que não, acrescentando, por email, que “o projecto de arquitectura foi aprovado condicionalmente, nomeadamente no que se refere à sua compatibilização com o plano de salvaguarda que vier a ser aprovado”. Por via dessa “condicionante”, acrescentou o vereador, o concessionário “terá que sujeitar o seu projecto ao que resultar do plano”.

 

Acontece que em nenhum parecer dos serviços que são conhecidos nem nas deliberações camarárias que aprovaram o projecto consta a “condicionante” referida por Sá Fernandes. O PÚBLICO solicitou nesta quarta-feira à tarde que lhe fosse facultado um qualquer documento que comprovasse a existência dessa condição e o gabinete do vereador enviou vários documentos, mas nenhum deles confirma a existência dessa condicionante.

 

Quanto ao pedido de explicação sobre os motivos que o levaram a pedir ao director municipal Ângelo Mesquita para rever o seu parecer desfavorável à aprovação do projecto, o vereador respondeu que “não houve, obviamente, qualquer pedido ou solicitação para que o director municipal alterasse o despacho por ele proferido”. Na versão de Sá Fernandes, tanto o seu despacho de concordância com o projecto como o segundo despacho de Ângelo Mesquita foram proferidas depois de o seu assessor jurídico, Miguel Rato, ter esclarecido “as dúvidas levantadas pelos técnicos relativamente à compatibilização do projecto com o caderno de encargos”, concluindo que não havia qualquer incompatibilidade.

 

Acontece que o segundo parecer do director municipal tem data de 28 de Junho e o de Miguel Rato, tal como a concordância do vereador, tem data de 29 de Junho. Mais: o parecer jurídico (trata-se apenas de uma “informação” com uma página e meia) que Sá Fernandes diz ser anterior ao de Ângelo Mesquita consiste precisamente, entre outras coisas, na apreciação do parecer do “ilustre” director municipal emitido na véspera. “As questões foram esclarecidas [pelo assessor jurídico] e cada um emitiu o despacho que entendeu por conveniente”, acrescentou o autarca.

 

Ângelo Mesquita, apesar de ter começado por informar que explicaria ao PÚBLICO o que se passou, nada disse.

 

Nas respostas enviadas ao PÚBLICO, a propósito da não publicação do contrato de concessão no portal Base, Sá Fernandes afirmou que tal publicação não é obrigatória, alegando, sem explicar porquê, que aquele contrato não está sujeito ao Código dos Contratos Públicos pelo que não tem, nem pode, ser publicado. De qualquer modo, acrescentou, o contrato “reproduz o texto da minuta aprovada nas respectivas deliberações de Câmara, cujos conteúdos e documentos são públicos”.

 

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Acontece que a minuta em causa nunca foi aprovada em reunião de Câmara uma vez que a deliberação através da qual o contrato foi aprovado diz expressamente que “a competência para aprovar a minuta do contrato” foi delegada no próprio Sá Fernandes.<_o3a_p>

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