quarta-feira, 30 de junho de 2021

Berardo, um duro golpe na impunidade

 



EDITORIAL

Berardo, um duro golpe na impunidade

 

Berardo e o seu calote de mil milhões, as suas manobras para salvar a sua colecção da penhora e a sua sincera convicção de que vivia numa república das bananas onde a impunidade prevalece tinham de ser travados.

 


Manuel Carvalho

9 de Junho de 2021, 21:30

https://www.publico.pt/2021/06/29/economia/editorial/berardo-duro-golpe-impunidade-1968455

 

Seis anos depois de iniciado o inquérito, mais de dois anos após a lamentável sessão da comissão parlamentar de inquérito aos negócios da Caixa Geral de Depósitos na qual Joe Berardo se riu despudoradamente do país que o fez comendador, a justiça deu um primeiro passo contra a sensação de impunidade que a sua história instalara no país. Não chegámos ainda a uma acusação, nem a uma pronúncia, e estamos longe de uma eventual condenação, mas esta terça-feira é um daqueles dias em que o ar ficou mais respirável. Depois da miséria moral dos empréstimos do banco público ao empresário para entrar na luta pelo controlo do BCP, depois de todas as suspeitas sobre as falhas do Banco de Portugal, depois de os contribuintes terem sido chamados a pagar os custos na CGD, após tantas e repetidas manobras suspeitas de Berardo para se eximir às suas responsabilidades, no final de tantos risos cínicos e declarações arrogantes, o protagonista de toda esta miséria moral foi chamado a responder pelos seus actos.

 

Portugal vive há demasiado tempo com fantasmas do seu passado recente. Passou-se mais de uma década desde que, naqueles anos sinistros da segunda metade da década de 2000, o país caiu numa volúpia de decadência ética e numa rotina de subversão da lei sem que até hoje todos os responsáveis tenham respondido pelos seus actos. Com o despacho de pronúncia de José Sócrates avançou-se no sentido da justiça, haja ou não condenação. Com a detenção e a investigação a sério dos desmandos de Joe Berardo dá-se mais um passo nesse sentido. Sem se fazer todo esse caminho, sem chamar aos tribunais todos os que se envolveram em negócios suspeitos de tráfico de influências, de burla qualificada ou de branqueamento de capitais, esse período negro permanecerá como uma nódoa na democracia. Uma nódoa que desalenta os cidadãos cumpridores e facilita os discursos populistas e demagógicos dos extremos políticos.

 

Joe Berardo é apenas suspeito, certo, mas não sejamos cínicos nem hipócritas para o colocar no papel simples de um arguido num processo. Berardo e o seu calote de mil milhões à banca, as suas manobras para se eximir dos seus deveres e salvar a sua colecção da penhora, a sua reiterada falta de palavra e a sua sincera convicção de que vivia numa república das bananas onde a impunidade prevalece tinham de ser travados. Um dos expoentes desse Portugal videirinho, velhaco e arrogante que paira sobre o país como tenebrosa herança do “socratismo” tinha de responder à justiça. O riso cínico com que ostentava a sua impunidade e com que humilhava os cidadãos pode ter acabado esta terça-feira. É um começo. 

 

tp.ocilbup@ohlavrac.leunam

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