segunda-feira, 28 de junho de 2021

Fernando Medina como se fossemos estúpidos

 


Fernando Medina como se fossemos estúpidos

A ordem verbal pode ter sido: “Apanhem lá o Galamba no exercício entre 2009 e 2011”. Azar, a prática nesse período não era essa.

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As novelas, como as narrativas políticas podem ser escritas e reescritas, a realidade não. E a realidade é só uma, os serviços da Câmara Municipal de Lisboa, sob a dependência de Fernando Medina, reencaminharam para os representantes de Putin em Portugal a comunicação do exercício do direito constitucional de manifestação, contendo, além da designação do promotor, os nomes dos vários organizadores, as profissões, as moradas, os contactos e outros dados. E parece que o fizeram repetidamente em 52 ocasiões desde 2011, altura em que, de forma populista e irresponsável, o governo PSD/CDS esquartejou os Governos Civis, cuja previsão legal persiste na Constituição, entregando as competências supramunicipais de administração interna aos municípios, mais focados nos interesses dos seus territórios.

 

Onde há um problema, há uma certa esquerda da incompetência e uma certa direita dos negócios competentes que procuram sempre escapulir às responsabilidades políticas, mobilizando para o feito o passado, as circunstâncias, o futuro ou o que estiver à mão. Tudo propósitos de “vale tudo” para sacudir a água do capote quando escasseiam os valores, os princípios e a seriedade política. Aliás, alguns dos protagonistas deveriam decidir se querem moldar a sua intervenção presente pelas justificações com o passado ou pela mobilização do futuro para justificar os disparates na gestão dos territórios, com intervenções desfasadas da realidade das pessoas, boa parte mais sintonizadas com nichos partidários e de interesses particulares.

 

Com o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) em vigor, descoberta a entrega dos dados pessoais dos contestatários de Putin à Embaixada e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa pela autarquia, começou o esforço de mitigação e escape da situação. A lei da manifestação de 1974 estava desajustada, a lei de 2011 para além de anacrónica era omissa sobre os procedimentos, a prática vinha de trás, dos tempos dos governos civis, num corrupio de narrativas para aligeirar a coisa, através da miríade de canais de comunicação ao dispor de quem ao longo de anos tem gasto muito dinheiro em meios e sustentado um dos principais pilares do poder interno no Partido Socialista, em especial, nas ausências do exercício do poder central.

 

E lá ordenaram uma auditoria interna aos procedimentos internos, pressupondo o aturado vasculho do arquivo do Governo Civil de Lisboa sobre a matéria, depositado em 2011 na órbita da Câmara Municipal de Lisboa, para sustentar o conforto da justificação do presente com o passado no reenvio das comunicações de manifestações dos promotores para os visados. A ordem verbal pode ter sido: “Apanhem lá o Galamba no exercício entre 2009 e 2011”. Azar, a prática nesse período não era essa, a do reenvio das comunicações com todos os dados dos promotores, a maioria organizações coletivas, mas apenas da informação essencial sobre os eventos (designação do promotor, dia e período horário), que não nasciam de geração espontânea, sem promotores. E sim eram enviados para o gabinete do primeiro-ministro, o ministério da administração interna, para as forças de segurança e para as embaixadas quando era o caso, por terem uma proteção legal própria, sendo territórios soberanos dos respetivos países. Ainda assim, como em 2002 parece que o modus operandi era o mesmo da atual gestão municipal, ainda que sem RGPD no horizonte, Fernando Medina não prescindiu de ensaiar a narrativa da desculpabilização com o passado e da ilibação do seu antecessor, António Costa, insatisfeito com a lei. Nas dinâmicas das instituições, há sempre quem tenha muito cuidado com a predisposição dos sucessores para a proteção do passado, uma espécie de compromisso de honra de não vasculho da memória e de proteção do acervo passado da ação. Constata-se a relevância da coisa.

 

Não encontrado o adequado bode expiatório no passado, resolveram enxamear a comunicação social com dados e cópias de ofícios do Governo Civil de Lisboa de entre 2009 e 2011 que desmentiam a similitude das práticas com a gestão de Costa e Medina, porque não materializavam o envio de dados dos promotores além do essencial, não reencaminhavam as comunicações dos promotores com todos os dados e tinham subjacente o envio de informação para as tutelas, para quem operacionalização a proteção do direito de manifestação e da ordem pública ou para quem estaria sujeito a limitações de mobilidade, tendo proteção legal especial. Como é padrão em algumas formas de estar na vida pública, aduziram às conclusões concebidas, os convenientes bodes expiatórios na estrutura de subordinados e era suposto a situação levar o carimbo de “não assunto”, tantas vezes aposto com a anuência mediática e pública.

 

Deixei de ter responsabilidades políticas públicas há uma década, não tenho nenhuma intenção de voltar para o registo de “vale tudo”, de irresponsabilidade política e de falta de princípios em vigor, mas não aceito que um qualquer, só porque tem poder, recursos e rede de sustentação dos seus interesses possa esboçar o abocanhar do sentido de missão do desempenho das funções de Governador Civil de Lisboa. Lá por estarem na lama, por ação e omissão própria, não enlameiam quem nunca esteve e espera estar, depois de três décadas de intervenção política e pública ativas.

 

Lisboa tem bons autarcas no ativo, esperemos que as maçãs tocadas não contagiem as sãs, porque a alternativa a alguma esquerda incompetente, que também faz negócios, não é a direita dos interesses particulares, competente nos negócios.

 

O país precisa de mais, mas não tem, e o povo parece gostar. Comigo não!

 

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