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OPINIÃO
Isto é Portugal em 2021 ou é o Algarve em 1981?
O Governo português aceitou tudo e um par de botas, como
se o país fosse uma casa de câmbio desesperada pela liquidez da moeda
estrangeira. E António Costa, esse tratou-nos como se fosse um empregado de
pastelaria da praia da Oura, em 1981.
João Miguel
Tavares
1 de Junho de
2021, 0:01
https://www.publico.pt/2021/06/01/politica/opiniao/portugal-2021-algarve-1981-1964786
Lembro-me muito
bem desse tempo, porque era Verão e nós sentíamo-nos estrangeiros em Portugal.
Na década de 80, eu rumava todos os anos com a família para o Algarve em
Agosto, onde passávamos 15 dias a tostar na praia da Oura, ao lado de
Albufeira. Poupava-se um ano inteiro para fazer vida abonada durante duas
semanas, porque era tudo caríssimo. Beber um café junto à praia custava dez
vezes mais do que beber um café em Portalegre. Os menus estavam todos em
inglês. Os preços eram para turistas ingleses.
Eles eram reis e
senhores do Algarve, a ponto de os pobres portugueses serem um empecilho para
os empregados de cafés e restaurantes. Tristemente, ocupávamos mesas sem
conseguir consumir com um entusiasmo comparável ao dos britânicos – e sem
deixar comparáveis gratificações. Havia histórias míticas sobre jantares bem
regados que acabavam com gorjetas que valiam um mês de salário. Nenhum
português pós-FMI podia competir com isso. Triste consequência: éramos
maltratados pelos nossos próprios compatriotas, que nos atendiam em último, nos
serviam em último, e nos traziam a conta em primeiro.
Este
fim-de-semana, ao acompanhar a final da Liga dos Campeões no Porto, tive um
ataque de nostalgia – parecia que estava de regresso ao Algarve da década de
80. Tudo o que há meses tem sido imposto aos portugueses – o uso obsessivo da
máscara, os limites nas esplanadas, a proibição da presença de espectadores nos
estádios de futebol e em milhares de recintos desportivos pelo país fora – foi relaxado,
como que por milagre, à chegada dos ingleses. Matteo Salvini andou por cá no
fim-de-semana a gritar que “Portugal é cristão”, mas esqueceu-se de
acrescentar: cristão de matriz anglicana. No que diz respeito a forasteiros
endinheirados e com cor de lagosta, este país sofre de xenofobia invertida.
Oferecemo-nos alegremente à exploração, aceitamos benefícios para os outros que
negamos a nós próprios (como ainda recentemente explicou, estupefacta, a
ministra das Finanças da Suécia) e acolhemos com alegria o papel de
estrangeiros na nossa própria terra.
Disse António
Costa esta segunda-feira no Parlamento: “Não podemos ter, em simultâneo,
turistas e depois dizer que não queremos os turistas.” Rui Moreira, que ainda
há dez dias garantia, impante, que no Porto “não vamos ter o que aconteceu em
Lisboa”, fez coro com o primeiro-ministro: “Queremos ou não ter turistas?” Como
se a questão estivesse na existência ou inexistência de turistas, e não na
escandalosa abertura de um estado de excepção específico para quem vem de fora.
E isto é tanto mais irónico – e terceiro-mundista – quanto o Reino Unido
recusou que a Final da Liga dos Campeões se realizasse em Wembley, mesmo com
dois clubes ingleses na final, por não ceder às isenções de quarentena exigidas
pela UEFA. Essa é a diferença entre um país que cumpre as regras e trata os
seus cidadãos por igual e um país que torce as regras consoante lhe dá jeito.
Sejam bem-vindos
ao país dos grandes eventos a qualquer custo. Há muita gente obcecada com a
ideia de transformar Portugal na “Florida da Europa”, mas, de facto, não
chegamos a ser a Florida – ficamo-nos por um daqueles resorts manhosos com
empregados disponíveis para qualquer serviço. O Governo português aceitou tudo
e um par de botas, como se o país fosse uma casa de câmbio desesperada pela
liquidez da moeda estrangeira. E António Costa, esse tratou-nos como se fosse
um empregado de pastelaria da praia da Oura, em 1981.
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