“É impossível uma família com um salário médio pagar
rendas de 1100 euros”
30.12.2020 às
16h01
MARISA ANTUNES
JORNALISTA
As rendas em
Lisboa sofreram pequenos decréscimos durante o ano de 2020 mas ainda se mantém
demasiado elevadas para o mercado nacional Foto: Fernando Negreira
A pandemia
afugentou os turistas e deixou milhares de casas de alojamento local vazias.
Poucas chegaram ao mercado de arrendamento de longo curso que continua a
praticar valores proibitivos para os portugueses, alerta Romão Lavadinho,
presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses
Oimpacto da
pandemia junto do turismo e do alojamento local criou a ilusão de que esta
seria a oportunidade para que o arrendamento ganhasse um novo alento com a
transição de milhares de casas situadas nos centros de Lisboa e do Porto para
este mercado. Mas isso não só não aconteceu como as rendas atuais praticadas se
mantiveram incomportáveis para as bolsas dos portugueses, aponta Romão
Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL). Mas o
pior ainda está para vir, alerta o responsável, lembrando o efeito da recessão junto dos inquilinos e o
fim do prazo para adiar o pagamento das rendas aos senhorios.
A pandemia deixou
as casas de Alojamento Local desertas de turistas e algumas transitaram para o
mercado de arrendamento. Esse reforço já teve algum impacto no valor das
rendas?
Não, não teve…
Como neste momento a oferta continua a ser muito diminuta face à procura, os
proprietários continuam a especular e a praticar valores de renda muito
elevados. Estudos do INE apontam para uma descida na percentagem do valor das
rendas, mas é pouco significativo, na ordem dos 2 ou 3%, o que é insuficiente.
Numa renda de 800 euros, estamos a falar de 16 euros, por exemplo, ora isso não
representa nada. É impossível uma família com um salário médio pagar rendas de
1100, 1200, 1300 euros. E por isso é que assistimos hoje, e cada vez mais, aos
filhos que não saem de casa dos pais, muitas vezes não casam, não encontram
soluções para o futuro… A Habitação continua a ser uma questão
fundamental para a generalidade das famílias portuguesas.
O Estado e as
autarquias têm lançado alguns programas a promover o arrendamento…
Mas não chega. No
município de Lisboa, por exemplo, foram
colocadas cerca de 150 casas e a nível nacional, penso que serão outras 150,
mas claro que isto não altera em nada a percentagem de propriedade pública no
mercado de arrendamento que não vai além dos 2%. Há vários países na Europa,
especialmente nos países nórdicos, onde a propriedade pública representa entre
20 a 30%. A Bélgica, Noruega, Finlândia, todos esses países têm mais do que
20%… Ora isto quer dizer que em Portugal, com a habitação pública a representar
apenas 2% do mercado, a propriedade privada continua a fazer o que bem entende
e lhe interessa.
A antiga
secretária de Estado disse que até aos 50 anos da Revolução de Abril, em 2024,
iriam existir no mercado 5% de imóveis de propriedade pública mas esse número é
muito baixo face às necessidades das famílias.
Só uma
percentagem como as que vemos no Norte e Centro da Europa é que permitem
regular o mercado. E isso é o que nós pretendemos, um mercado regulado e não um
mercado como está – especulativo.
Estão a receber
mais contactos de inquilinos aflitos, mais do que é habitual, devido à
pandemia?
Nós pedimos ao
Governo para que a moratória que estava prevista até ao final de setembro para o
adiamento do pagamento das rendas se pudesse prolongar até ao final de dezembro
pois logo na altura achámos que era
previsível que a situação de pandemia se mantivesse e até aumentasse.
Infelizmente assim aconteceu. O Governo aceitou a nossa proposta e prorrogou
até ao final do ano de 2020 a hipótese de algum inquilino poder ser despejado.
A maior parte dos inquilinos seguraram-se nessa situação. Portanto, temos
recebido pedidos de informação, aconselhamos a que caso tenham dificuldades
peçam ajuda ao IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana) mas
depois já não temos feedback porque as pessoas resolvem o seu problema e,
claro, já não vêm dizer-nos o que se passou. Agora estamos à espera de perceber
o que vai suceder no final do ano. Estamos muito preocupados. Se a situação se
mantiver como está, com o desemprego a aumentar, os inquilinos não vão ter
condições para pagar as rendas. Embora, aquilo que conhecemos dos inquilinos é
que eles, normalmente, só deixam de pagar renda quando não têm hipótese de
fazer outro tipo de restrições na sua vida.
Mas os pedidos de
ajuda através do IHRU são ainda residuais…
Pois, o IHRU,
segundo as informações que tenho, não aceitou uma série de pedidos dizendo que
não estavam em condições ou que as pessoas não tinham enviado os documentos
suficientes. Nós temos informado os nossos associados para que enviem essa
informação o mais completa possível para poderem ser apoiados neste ano. Da
parte do IHRU não disseram ainda que não emprestariam, mas que estavam a estudar
esses problemas. Mas de qualquer maneira, para um universo de mais de 750 mil
contratos de arrendamento no país, só 2600 contratos é que pediram, o que é
muito pouco. Eu já propus ao Governo
reforçar a campanha de informação, a exemplo do que está a fazer com o Covid…
Não precisa ser todos os dias, basta uma vez por semana, chamar a atenção dos
inquilinos para que, no caso de não poderem pagar as rendas e terem tido um
abaixamento dos seus rendimentos, dirigirem-se ao IHRU. A informação que existe
atualmente é insuficiente.
Com poucas opções
no arrendamento, a maioria acaba, pois, por comprar habitação pela via do
crédito bancário. O desemprego, a recessão económica que agora se está a
instalar pode vir a repetir o cenário que ocorreu na anterior crise em que
muitos perderam as suas casas?
Esse tipo de
cenário, na perspetiva da Associação de Inquilinos, não é previsível, mas é
praticamente certo. E voltamos à questão do mercado de arrendamento público não
estar ao nível que possa satisfazer a maior parte das necessidades das
famílias… O Governo diz que até 2024 vai resolver o problema de 26 mil famílias
a nível nacional mas as famílias com necessidades de habitação são mais de 40
ou 50 mil! As 26 mil são aquelas que responderam a um inquérito que foi feito
em 2018. Ora, neste momento, aquilo que nós sabemos é que a maioria das
famílias tem necessidade de ter uma casa que possa pagar em relação ao seu
rendimento. O Estado diz que a taxa de esforço deveria ser de 30 a 35% (nós
pensamos que deveria de ser 20 a 21%), mas as pessoas não conseguem arranjar
casa com essa taxa de esforço, têm que ter uma taxa de esforço na ordem dos 40
a 50%! Isso não é possível para a maioria das famílias. A solução passa por
aplicar a Lei de Bases da Habitação e o Estado meter no mercado de arrendamento
40 ou 50 mil fogos para poder concorrer com os privados – concorrer no bom
sentido que é fazer com que os privados percebam que não podem manter estas
rendas especulativas e terão que baixar o valor das rendas. É a lei do mercado:
havendo mais oferta do que procura, o valor das rendas baixam.
Pouco antes da
pandemia, nos últimos dois, três anos, os promotores em Lisboa e no Porto
começaram a apostar no segmento nacional mas pedem incentivos para poder
construir a custos mais baixos, como a redução do IVA a 6%. Que opinião tem
sobre isto?
É evidente que se
o Estado resolvesse o problema do IVA, em que passasse para os 6 ou 7%, aí
podia baixar-se os valores das casas. Mas a questão que se coloca não é essa. A
questão é que os proprietários e os construtores querem ganhar muito, querem
ganhar 20, 30, 40% às vezes…E não é porque eles paguem salários muito elevados
aos seus trabalhadores, que muitas vezes andam pelo salário mínimo ou pouco
mais. Não é por essa questão dos salários, é simplesmente um valor
especulativo: não se admite nem se percebe como é que há casas T2 a serem
vendidas em Lisboa por 800 mil euros!
Mas sim, eu acho
que os construtores e os proprietários têm razão em reclamar o abaixamento de
impostos no caso da construção e da habitação, mas depois o Estado também
deveria controlar os preços a que essas casas seriam vendidas as casas. E nessa
altura, em vez de pagarem mais-valias, os tais 25% sobre o valor, pagarem muito
mais. Portanto, se o Estado reduzisse o IMI, reduzisse o IVA, teria depois de controlar o valor das vendas.
Como avalia
programas como a ‘Renda Acessível’ em Lisboa e no Porto?
O que essas câmaras estão a fazer com a Renda
Acessível é garantir o pagamento de uma renda ao proprietário durante cinco
anos. Ou seja, arrendam ao proprietário e subarrendam ao inquilino por um valor
mais baixo porque ele não pode pagar o valor pedido pelo proprietário. É
evidente que isto significa uma sobrecarga junto dos contribuintes com este
valor porque são estes que vão pagar essa diferença entre o valor da renda e o
valor que o inquilino pode pagar. Mas é uma solução aceitável. Eu tenho dito
até várias vezes que se eu fosse proprietário já estava a correr a ir à CML e
entrar nesse programa. Porque é uma forma de obter um rendimento fixo.
O Orçamento de
Estado de 2020 vai manter congeladas até 2022 as chamadas rendas antigas,
anteriores a 1990, um processo que se prolonga há mais de 100 anos e que tem
servido de argumento aos senhorios para não fazerem obras nos edifícios mais
antigos. Tem defendido que isso é um argumento falacioso…
Completamente. As
rendas só estiveram congeladas, ou melhor, estiveram controladas até 1990.
Segundo os censos de 2011, existiam 230 mil casas que estavam ainda com
contratos anteriores a 1990 e quase 500 mil já estavam em contratos
posteriores. Portanto, esse argumento é falso. Não é verdade que as rendas
congeladas tivessem prejudicado os proprietários uma vez que há cerca de 500
mil casas depois de 1990, portanto podem arrendar ao valor que quiserem, com
maior ou menor especulação, como queiram. Para o ano vai haver novamente censos
e nessa altura, se encontrarem 150 mil casas nessas condições, é muito! Mas há
outra questão e outras contas: se uma casa que nos anos 60 do século passado
dava uma renda de 800 escudos e que tinha um valor para venda na ordem dos 200
a 250 contos e se esse proprietário manteve essa casa até hoje e tem lá um
inquilino de quem recebeu uma renda não muito alta mas recebeu, essa casa vale
hoje 200 mil euros! Isto é, 40 mil contos considerando a moeda antiga! Por isso
eu digo muitas vezes que o arrendamento é o investimento mais seguro que pode
haver! Pode não dar um rendimento muito elevado
(na ordem dos 4, 5 ou 6%) mas o investimento não fica desvalorizado, ao
passo que se investir numa empresa ou noutra coisa qualquer, posso até vir a
ter rendimentos muito mais elevados, mas se der para o torto fico sem nada!
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