segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

“É impossível uma família com um salário médio pagar rendas de 1100 euros”

 



“É impossível uma família com um salário médio pagar rendas de 1100 euros”

30.12.2020 às 16h01

MARISA ANTUNES

JORNALISTA

https://visao.sapo.pt/imobiliario/2020-12-30-e-impossivel-uma-familia-com-um-salario-medio-pagar-rendas-de-1100-euros/?fbclid=IwAR0feD-Yp7ga5H5RTmJNgXRYRot-dlKSxdig2NJAndNZBuUbNySIom86ZP4

 

As rendas em Lisboa sofreram pequenos decréscimos durante o ano de 2020 mas ainda se mantém demasiado elevadas para o mercado nacional Foto: Fernando Negreira

A pandemia afugentou os turistas e deixou milhares de casas de alojamento local vazias. Poucas chegaram ao mercado de arrendamento de longo curso que continua a praticar valores proibitivos para os portugueses, alerta Romão Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses

Oimpacto da pandemia junto do turismo e do alojamento local criou a ilusão de que esta seria a oportunidade para que o arrendamento ganhasse um novo alento com a transição de milhares de casas situadas nos centros de Lisboa e do Porto para este mercado. Mas isso não só não aconteceu como as rendas atuais praticadas se mantiveram incomportáveis para as bolsas dos portugueses, aponta Romão Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL). Mas o pior ainda está para vir, alerta o responsável, lembrando o  efeito da recessão junto dos inquilinos e o fim do prazo para adiar o pagamento das rendas aos senhorios.

 

A pandemia deixou as casas de Alojamento Local desertas de turistas e algumas transitaram para o mercado de arrendamento. Esse reforço já teve algum impacto no valor das rendas?

 

Não, não teve… Como neste momento a oferta continua a ser muito diminuta face à procura, os proprietários continuam a especular e a praticar valores de renda muito elevados. Estudos do INE apontam para uma descida na percentagem do valor das rendas, mas é pouco significativo, na ordem dos 2 ou 3%, o que é insuficiente. Numa renda de 800 euros, estamos a falar de 16 euros, por exemplo, ora isso não representa nada. É impossível uma família com um salário médio pagar rendas de 1100, 1200, 1300 euros. E por isso é que assistimos hoje, e cada vez mais, aos filhos que não saem de casa dos pais, muitas vezes não casam, não encontram soluções para o futuro…  A  Habitação continua a ser uma questão fundamental para a generalidade das famílias portuguesas.

 

O Estado e as autarquias têm lançado alguns programas a promover o arrendamento…

 

Mas não chega. No município de  Lisboa, por exemplo, foram colocadas cerca de 150 casas e a nível nacional, penso que serão outras 150, mas claro que isto não altera em nada a percentagem de propriedade pública no mercado de arrendamento que não vai além dos 2%. Há vários países na Europa, especialmente nos países nórdicos, onde a propriedade pública representa entre 20 a 30%. A Bélgica, Noruega, Finlândia, todos esses países têm mais do que 20%… Ora isto quer dizer que em Portugal, com a habitação pública a representar apenas 2% do mercado, a propriedade privada continua a fazer o que bem entende e lhe interessa.

 

A antiga secretária de Estado disse que até aos 50 anos da Revolução de Abril, em 2024, iriam existir no mercado 5% de imóveis de propriedade pública mas esse número é muito baixo face às necessidades das famílias.

 

Só uma percentagem como as que vemos no Norte e Centro da Europa é que permitem regular o mercado. E isso é o que nós pretendemos, um mercado regulado e não um mercado como está – especulativo.

 

Estão a receber mais contactos de inquilinos aflitos, mais do que é habitual, devido à pandemia?

 

Nós pedimos ao Governo para que a moratória que estava prevista até ao final de setembro para o adiamento do pagamento das rendas se pudesse prolongar até ao final de dezembro pois logo na altura achámos que era  previsível que a situação de pandemia se mantivesse e até aumentasse. Infelizmente assim aconteceu. O Governo aceitou a nossa proposta e prorrogou até ao final do ano de 2020 a hipótese de algum inquilino poder ser despejado. A maior parte dos inquilinos seguraram-se nessa situação. Portanto, temos recebido pedidos de informação, aconselhamos a que caso tenham dificuldades peçam ajuda ao IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana) mas depois já não temos feedback porque as pessoas resolvem o seu problema e, claro, já não vêm dizer-nos o que se passou. Agora estamos à espera de perceber o que vai suceder no final do ano. Estamos muito preocupados. Se a situação se mantiver como está, com o desemprego a aumentar, os inquilinos não vão ter condições para pagar as rendas. Embora, aquilo que conhecemos dos inquilinos é que eles, normalmente, só deixam de pagar renda quando não têm hipótese de fazer outro tipo de restrições na sua vida.

 

Mas os pedidos de ajuda através do IHRU são ainda residuais…

 

Pois, o IHRU, segundo as informações que tenho, não aceitou uma série de pedidos dizendo que não estavam em condições ou que as pessoas não tinham enviado os documentos suficientes. Nós temos informado os nossos associados para que enviem essa informação o mais completa possível para poderem ser apoiados neste ano. Da parte do IHRU não disseram ainda que não emprestariam, mas que estavam a estudar esses problemas. Mas de qualquer maneira, para um universo de mais de 750 mil contratos de arrendamento no país, só 2600 contratos é que pediram, o que é muito pouco.  Eu já propus ao Governo reforçar a campanha de informação, a exemplo do que está a fazer com o Covid… Não precisa ser todos os dias, basta uma vez por semana, chamar a atenção dos inquilinos para que, no caso de não poderem pagar as rendas e terem tido um abaixamento dos seus rendimentos, dirigirem-se ao IHRU. A informação que existe atualmente é insuficiente.

 

Com poucas opções no arrendamento, a maioria acaba, pois, por comprar habitação pela via do crédito bancário. O desemprego, a recessão económica que agora se está a instalar pode vir a repetir o cenário que ocorreu na anterior crise em que muitos perderam as suas casas?

 

Esse tipo de cenário, na perspetiva da Associação de Inquilinos, não é previsível, mas é praticamente certo. E voltamos à questão do mercado de arrendamento público não estar ao nível que possa satisfazer a maior parte das necessidades das famílias… O Governo diz que até 2024 vai resolver o problema de 26 mil famílias a nível nacional mas as famílias com necessidades de habitação são mais de 40 ou 50 mil! As 26 mil são aquelas que responderam a um inquérito que foi feito em 2018. Ora, neste momento, aquilo que nós sabemos é que a maioria das famílias tem necessidade de ter uma casa que possa pagar em relação ao seu rendimento. O Estado diz que a taxa de esforço deveria ser de 30 a 35% (nós pensamos que deveria de ser 20 a 21%), mas as pessoas não conseguem arranjar casa com essa taxa de esforço, têm que ter uma taxa de esforço na ordem dos 40 a 50%! Isso não é possível para a maioria das famílias. A solução passa por aplicar a Lei de Bases da Habitação e o Estado meter no mercado de arrendamento 40 ou 50 mil fogos para poder concorrer com os privados – concorrer no bom sentido que é fazer com que os privados percebam que não podem manter estas rendas especulativas e terão que baixar o valor das rendas. É a lei do mercado: havendo mais oferta do que procura, o valor das rendas baixam.

 

Pouco antes da pandemia, nos últimos dois, três anos, os promotores em Lisboa e no Porto começaram a apostar no segmento nacional mas pedem incentivos para poder construir a custos mais baixos, como a redução do IVA a 6%. Que opinião tem sobre isto?

 

É evidente que se o Estado resolvesse o problema do IVA, em que passasse para os 6 ou 7%, aí podia baixar-se os valores das casas. Mas a questão que se coloca não é essa. A questão é que os proprietários e os construtores querem ganhar muito, querem ganhar 20, 30, 40% às vezes…E não é porque eles paguem salários muito elevados aos seus trabalhadores, que muitas vezes andam pelo salário mínimo ou pouco mais. Não é por essa questão dos salários, é simplesmente um valor especulativo: não se admite nem se percebe como é que há casas T2 a serem vendidas em Lisboa por 800 mil euros!

 

Mas sim, eu acho que os construtores e os proprietários têm razão em reclamar o abaixamento de impostos no caso da construção e da habitação, mas depois o Estado também deveria controlar os preços a que essas casas seriam vendidas as casas. E nessa altura, em vez de pagarem mais-valias, os tais 25% sobre o valor, pagarem muito mais. Portanto, se o Estado reduzisse o IMI, reduzisse o IVA,  teria depois de controlar o valor das vendas.

 

Como avalia programas como a ‘Renda Acessível’ em Lisboa e no Porto?

 

 O que essas câmaras estão a fazer com a Renda Acessível é garantir o pagamento de uma renda ao proprietário durante cinco anos. Ou seja, arrendam ao proprietário e subarrendam ao inquilino por um valor mais baixo porque ele não pode pagar o valor pedido pelo proprietário. É evidente que isto significa uma sobrecarga junto dos contribuintes com este valor porque são estes que vão pagar essa diferença entre o valor da renda e o valor que o inquilino pode pagar. Mas é uma solução aceitável. Eu tenho dito até várias vezes que se eu fosse proprietário já estava a correr a ir à CML e entrar nesse programa. Porque é uma forma de obter um rendimento fixo.

 

O Orçamento de Estado de 2020 vai manter congeladas até 2022 as chamadas rendas antigas, anteriores a 1990, um processo que se prolonga há mais de 100 anos e que tem servido de argumento aos senhorios para não fazerem obras nos edifícios mais antigos. Tem defendido que isso é um argumento falacioso…

 

Completamente. As rendas só estiveram congeladas, ou melhor, estiveram controladas até 1990. Segundo os censos de 2011, existiam 230 mil casas que estavam ainda com contratos anteriores a 1990 e quase 500 mil já estavam em contratos posteriores. Portanto, esse argumento é falso. Não é verdade que as rendas congeladas tivessem prejudicado os proprietários uma vez que há cerca de 500 mil casas depois de 1990, portanto podem arrendar ao valor que quiserem, com maior ou menor especulação, como queiram. Para o ano vai haver novamente censos e nessa altura, se encontrarem 150 mil casas nessas condições, é muito! Mas há outra questão e outras contas: se uma casa que nos anos 60 do século passado dava uma renda de 800 escudos e que tinha um valor para venda na ordem dos 200 a 250 contos e se esse proprietário manteve essa casa até hoje e tem lá um inquilino de quem recebeu uma renda não muito alta mas recebeu, essa casa vale hoje 200 mil euros! Isto é, 40 mil contos considerando a moeda antiga! Por isso eu digo muitas vezes que o arrendamento é o investimento mais seguro que pode haver! Pode não dar um rendimento muito elevado  (na ordem dos 4, 5 ou 6%) mas o investimento não fica desvalorizado, ao passo que se investir numa empresa ou noutra coisa qualquer, posso até vir a ter rendimentos muito mais elevados, mas se der para o torto fico sem nada!

Sem comentários: