OPINIÃO
Ainda a propósito das barragens: acudam-nos que a cousa é
grave!
Esta “construção jurídica” é, pois, uma aparência montada
para esconder um negócio real – a venda de seis barragens detidas pela EDP à
Engie com o objectivo claro de aproveitar as entrelinhas da Lei para evitar o
pagamento de impostos.
Aníbal Fernandes
28 de Fevereiro
de 2021, 14:00
https://www.publico.pt/2021/02/28/opiniao/opiniao/proposito-barragens-acudamnos-cousa-grave-1952469
À medida que se
vai desfiando este complexo novelo da venda das barragens da EDP, restam poucas
dúvidas sobre o propósito que subjaz a este negócio: um planeamento fiscal
abusivo para evitar o pagamento dos impostos que a Lei determina.
Vamos então por
partes:
Em 1954 foi
conferida à Hidro-Eléctrica do Douro a concessão de três barragens no Douro
Internacional por um período de 75 anos (a HED viria a ser mais tarde englobada
no Universo EDP).
Em 2007, pelo
despacho n,º 16982/2007, foi prorrogado o prazo de concessão de todas as
barragens do País concessionadas à EDP até 2042, tendo esta pago como
contrapartida o montante de 759 milhões de Euros, 78 milhões dos quais
respeitantes às três barragens do Douro Internacional.
Em 2019, a EDP
anuncia que iniciou um processo de venda de seis barragens do Douro, tendo a
Engie comunicado publicamente “a realização de um negócio de aquisição de um
portfólio hidroeléctrico de seis barragens da EDP por um valor de 2,2 mil
milhões de Euros na sequência de um leilão internacional”.
A EDP apresentou
um requerimento ao Governo descrevendo a operação que pretendia fazer:
- ·
Cindir
a EDP formando uma “Nova Sociedade”;
- ·
Transmitir
para essa sociedade todos os direitos de exploração das barragens;
- ·
De
seguida a EDP venderia a outra sociedade “Águas Profundas S.A.” (empresa detida
pela Engie) todo o capital da “Nova Sociedade”;
- ·
De
seguida, mediante uma operação de fusão, a “Nova Sociedade” seria absorvida
pela “Águas Profundas”, após o que lhe seriam transmitidos todos os activos que
detinha.
O que há de
estranho em tudo isto? É que o contrato foi assinado a 17 de Dezembro de 2020 e
a “Nova Sociedade” foi constituída no dia anterior sob a designação de
“Camirengia Hidroeléctricos S.A.”. De seguida, a EDP alienou todas as
participações sociais desta empresa à “Águas Profundas”, que se passou a
designar “Movhera I – Hidroeléctricos do Norte S.A.” (no dia 25/01/2021 é
registado o projecto de fusão por incorporação, mediante transferência global
do património de que resultará a extinção da 1.ª sociedade, passando a segunda
a deter a totalidade dos activos e passivos incluindo a incorporação do único
trabalhador da sociedade incorporada).
Para que este
negócio se consumasse, o Estado teria de dar o seu aval verificando
nomeadamente que o potencial adquirente possuía as habilitações e a capacidade
técnica e financeira exigidas ao titular originário. O que não foi feito, uma
vez que a Nova Sociedade, que detinha um único trabalhador, se constitui na
véspera da assinatura do contrato (17/01/2020) e a autorização da APA foi
comunicada a 13 de Novembro de 2020.
Assim, o Estado
autorizou o trespasse das barragens para uma empresa que ainda não existia.
Esta “construção
jurídica” é, pois, uma aparência montada para esconder um negócio real – a
venda de seis barragens detidas pela EDP à Engie com o objectivo claro de
aproveitar as entrelinhas da Lei para evitar o pagamento de impostos.
Não haverá Autoridade neste País para pôr cobro a todos
estes desmandos? Será preciso recorrer a Bruxelas para se anular este formato
de negócio?
Tudo isto em
benefício de uma única entidade e com avultado prejuízo do País e, em
particular, da tão já massacrada Terra de Miranda.
E como se tudo
isto já não bastasse, consta que o “Grupo de Trabalho” designado pelo sr.
ministro do Ambiente como resposta às reivindicações do Movimento da Terra de
Miranda estará agora a estudar se esta operação está ou não sujeita ao
pagamento de impostos. Então cabe agora a um Grupo de Trabalho constituído por
autarquias perorar sobre esta matéria? Mas não é a Autoridade Tributária que
detém as competências para determinar o pagamento ou a isenção de impostos?
E não haverá
Autoridade neste País para pôr cobro a todos estes desmandos?
Será preciso
recorrer a Bruxelas para se anular este formato de negócio?
Cidadão mirandês
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