OPINIÃO
O PRR e as florestas: a reprise de um filme já muito
gasto
Entre a “grande reforma” de Capoulas Santos e o “programa
de gestão da paisagem” de Matos Fernandes, o que define os dois ministros é uma
mesma estratégia do anúncio de milhões de euros a atirar à fogueira.
Paulo Pimenta de
Castro
28 de Fevereiro
de 2021, 0:20
https://www.publico.pt/2021/02/28/opiniao/opiniao/prr-florestas-reprise-filme-ja-gasto-1952296
Na sequência da
“grande reforma da floresta” do dr. Capoulas Santos, Portugal foi o país que
maior área ardida registou na União Europeia em 2016, em 2017 e em 2018. Há
aspectos da vida europeia onde somos “grandes”. Em 2019 e, até ver, em 2020, a
Roménia tirou-nos do lugar cimeiro, mas estamos logo atrás. Nem vale a pena
argumentar sobre as diferenças entre as superfícies territoriais ou de ocupação
florestal entre o nosso país e alguns dos outros Estados-membros. A
demonstração de incapacidade em gerir o nosso território torna-se assustadora.
Dirão, mas o
problema vem muito de trás! Não advém só do governo onde esteve recentemente o
dr. Capoulas Santos. É verdade! Vem de trás, até de governos onde o dr.
Capoulas Santos e o dr. António Costa foram ministros, da Agricultura e da
Administração Interna. No último caso, deixou marca até hoje. Marca pela
negativa, entenda-se!
O curioso é que,
na passagem da “grande reforma” do dr. Capoulas Santos para o “programa de
gestão da paisagem” do eng. Matos Fernandes, não se vislumbra alteração de
paradigma. Esperemos que a meteorologia nos ajude, entretanto. Com as
alterações climáticas em curso a probabilidade é cada vez mais reduzida, mas
parece que há quem acredita em milagres. Na verdade, o que define os dois
ministros é uma mesma estratégia do anúncio de milhões de euros a atirar à
fogueira.
Não vale a pena
voltar a explicar o que define uma reforma e o tanto que precisamos dela.
Existem pessoas mais qualificadas para essa explicação. Mas uma “reforma”,
vista num enquadramento meramente sectorial, fora de todo um contexto de êxodo
rural, de deficiência formativa, de injustiça fiscal, de mercados em
concorrência imperfeita, entre outros domínios, assente num combate às
consequências, é tudo o que já não temos paciência para aturar.
Basta observar o gráfico da área ardida em Portugal. Nada
mais fácil de fazer para avaliar resultados da política florestal de Portugal.
Já lá vão mais de 20 anos. Vinte anos de comprovado falhanço governamental e
dos parceiros do sector silvo-industrial
No meu caso, a
experiência em consultas públicas a “reformas” florestais vem desde o Programa
de Desenvolvimento Sustentável da Floresta Portuguesa. Programa lançado pelo
governo onde foi primeiro-ministro o actual secretário-geral das Nações Unidas.
O plano levou à impressão de um quarto de centena de páginas no Diário da
República. Na altura, a esperança era reforçada pela aprovação recente da Lei
de Bases da Política Florestal. Uma esperança, conclui-se, alimentada pela
inocência.
De então para cá
basta observar o gráfico da área ardida em Portugal. Nada mais fácil de fazer
para avaliar resultados da política florestal de Portugal. Já lá vão mais de 20
anos. Mais de 20 anos de contínua degradação dos ecossistemas, de perda de coberto
arbóreo, de exposição crescente a pragas e a doenças, à expansão de espécies
exóticas e invasoras. Vinte anos de comprovado falhanço governamental e dos
parceiros do sector silvo-industrial. Vinte anos de crescente insegurança para
as populações, seja pela proximidade às chamas, seja pela distância a que chega
o fumo, com consequência na qualidade do ar e no agravamento de doenças
cardiopulmonares, ou da contaminação das águas de abastecimento humano, pela
incapacidade em conter o escorrimento das cinzas pós-incêndios.
No plano de
recuperação e resiliência agora apresentado pelo Governo, ainda em versão
preliminar, no que toca às florestas a história repete-se. Lá vêm os anúncios
de disponibilidade de centenas de milhões de euros para a floresta (que o país
não tem). Lá vêm os “PowerPoint” de cores agradáveis e cronogramas de boas
intenções. Vêm ainda as ameaças, as ameaças a quem já é ameaçado. Ameaçado
pelos mercados, sob a permissão governamental, com um longo desequilíbrio na
distribuição da riqueza ao longo das cadeias produtivas. Aliás, reforça-se
neste plano a tese de que o governo só é forte com os fracos. Não que o fracos
sejam fracos, já que a sua fraqueza advém da incapacidade em unir vontades na
defesa de interesses comuns.
Nota final sobre
os milhões: Entre o anunciado e o que se traduz em realização física (e muito
dela acaba por arder) vai um abismo. Entre o inicialmente anunciado e o
realmente executado vêm as reprogramações: As reprogramações são um
procedimento “de engenharia financeira”, ou melhor, um baixar da fasquia entre
uma altura de salto para um atleta olímpico e o salto de uma criança de dois
anos. Depois de baixar a fasquia argumenta-se que a taxa de execução dos
milhões foi um sucesso. Todavia, este nem é o caso do PDR2020, onde o insucesso
é impossível de mascarar.
Engenheiro silvicultor
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