Torre de escritórios com 17
andares projectada para a Av. Fontes Pereira de Melo
A Câmara de Lisboa abriu um
período de participação pública sobre o projecto, que termina na sexta-feira
Arquitectos
dizem que a proposta permite “encaixe” entre o “tempo romântico” da Casa-Museu
Dr. Anastácio Gonçalves e o “tempo moderno” do Sheraton e do Imaviz
Inês Boaventura /
2-11-2014 / PÚBLICO
A Câmara de
Lisboa está a avaliar um pedido de informação prévia para um empreendimento
imobiliário, no gaveto da Avenida Fontes Pereira de Melo com a Avenida 5 de
Outubro, que inclui uma torre com 17 andares, destinada a escritórios e
comércio. O projecto, que prevê uma “praça” com uma “extensa superfície arborizada”
na base da torre, está em participação pública até sexta-feira.
Até ao dia 5 de
Dezembro, quem quiser poderá consultar o processo no centro de documentação da
câmara, na Junta de Freguesia das Avenidas Novas ou no endereço www.cm-
lisboa.pt/viver/urbanismo/licenciamento, e enviar reclamações, observações ou
sugestões sobre o mesmo. A intenção do município é “auscultar a população sobre
o projecto”, a desenvolver nos números 39, 41 e 43 da Av. Fontes Pereira de
Melo e no número 2 da Av. 5 de Outubro, atendendo ao seu “impacte relevante”.
Da autoria do
atelier Barbas Lopes Arquitectos, a proposta em publicitação pública foi a
vencedora de um concurso de ideias promovido pelo promotor imobiliário (Torre
da Cidade) e no qual a câmara participou como membro do júri. Numa informação
técnica de Fevereiro, o município sublinha que com esta iniciativa, à qual
concorreram seis entidades, se pretendia chegar a “uma solução urbana credível
e financeiramente viável, com vista à resolução de um problema urbanístico com
mais de 20 anos”.
A solução
encontrada prevê a demolição integral dos quatro edifícios hoje existentes no
local, que, como se sublinha na memória descritiva do projecto, “não constituem
elementos com interesse urbanístico, arquitectónico ou cultural”. Em seu lugar
deverá surgir uma torre com 17 andares, formada pela “composição de dois corpos
paralelepípedos”, que “pretende assumir-se como um objecto arquitectónico de
identidade visual marcante”.
“A volumetria do
edifício apresenta nos seus dois volumes altimetrias escalonadas, sendo o
volume alinhado com a Avenida Fontes Pereira de Melo com a cércea semelhante à
do edifício do Imaviz e o volume com o alinhamento da Avenida 5 de Outubro mais
baixo 9,27m”, diz- se num aditamento à memória descritiva, no qual se conclui
que “a cércea e o número de pisos do edifício procuram assim relações de
congruência com a envolvente”. Abaixo do solo prevêse um total de seis pisos,
com 243 lugares de estacionamento.
Para a base da
torre está projectada uma “praça pública”, “confinada pela Rua Pinheiro Chagas,
a Rua Viriato e a Rua Latino Coelho”, através da qual será possível chegar à
Avenida Fontes Pereira de Melo, percorrendo a pé um caminho “acompanhado de
superfícies comerciais” e onde se admite que seja instalado um quiosque.
Na memória
descritiva, a arquitecta Patrícia Barbas explica que no “lado norte” dessa
praça haverá uma “extensa superfície arborizada”, que designa como “bosque”. A
ideia é que essa área, com “uma plantação luxuriante, diversa na forma, cor e
textura”, faça o “remate” da Avenida 5 de Outubro, sirva de “enquadramento de
fundo” à Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves e permita a “integração automática,
por meio de cortina verde, da fachada tardoz do edificado situado na Rua
Pinheiro Chagas”.
Os autores desta
proposta consideram que ela permite “o encaixe entre dois tempos da história”:
o “tempo romântico” da casa-museu, que foi projectada por Norte Júnior e
distinguida com o Prémio Valmor em 1905, e o “tempo moderno”, do Hotel Sheraton
e do Centro Comercial Imaviz.
Este projecto
prevê uma “superfície de pavimento” acima daquela que está prevista no Plano
Director Municipal (PDM). Na informação técnica exarada pelo município em
Fevereiro passado explica-se que isso era comum a todas as propostas
apresentadas no âmbito do concurso de ideias, “por se socorrerem da
possibilidade de aplicação de créditos de construção previstos no Regulamento
Municipal que aprova o Sistema de Incentivos a Operações Urbanísticas Com
Interesse Municipal e no RPDM [Regulamento do PDM]”.
Há alguns anos,
chegou a estar projectada para este local uma torre com cerca de 30 pisos, da
autoria do arquitecto Ricardo Bofill, autor do vizinho Atrium Saldanha. Em
redor desta proposta, que incluía um hotel e 70 apartamentos para habitação,
gerou- se uma ampla discussão sobre a construção em altura em Lisboa.
Sol no Estoril, delírios em Lisboa
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO*Sábado - 10/08/2002 - PÚBLICO
Ainda estávamos a
digerir o impacto sensacional da noticia da implosão do Estoril-Sol e já a
polémica se instalou, através de um posicionamento público da Ordem dos
Arquitectos. Mais uma vez, e lamentavelmente, se polariza "in
extremis", auto-aniquilando-se os próprios argumentos por falta de
capacidade de separar o trigo do joio. Assim se transforma uma eventual boa
intenção da Ordem de informar e alertar numa arrogante incapacidade que
pretende "iluminar" (a partir do fortim corporativo) a sociedade
perdida nas trevas e eventuais políticos bem intencionados, finalmente
interessados nestas questões.Todos sabemos que o Estoril-Sol sempre constituiu,
na sua mediocridade híbrida de "international style" pós-guerra e na
sua paupérrima meditação derivativa de "unité d?habitation" - para
não falar dos interiores -, um atentado volumétrico de implantação, em ruptura
com o contexto e a envolvente natural e paisagística. Possíveis comparações com
a verdadeira qualidade arquitectónica "international style" (e
sobretudo a qualidade "gesamtkunstwerk" dos interiores, que merecem
uma classificação patrimonial) do hotel Ritz, ou com o notável conjunto dos
blocos do cruzamento da Av. de Roma com a Av. dos Estados Unidos da América
(Filipe Figueiredo, José Segurado etc) só contribuem para enfraquecer os
pretendidos argumentos de defesa do património do séc. XX. Aliás, o valor deste
verdadeiro conjunto de "unités d?habitation" - que merecem ser
classificadas numa legislação a produzir urgentemente pelo Instituto Português
do Património Arquitectónico (Ippar) de conceito de conjunto urbano, numa
perspectiva dos princípios e valores da Docomomo (órgão das Nações Unidas que
tem como objectivo a preservação e a defesa dos monumentos do movimento
moderno) - é confirmado pelo contexto coerente da envolvente, numa perspectiva
da "Carta de Atenas" (CIAM), constituído por toda a Av. dos Estados
Unidos da América. Nessa mesma perspectiva, não esquecer o Bairro das Estacas
(1949-Formosinho Sanches e d?Anthouguia), que, tal como o nome indica constitui
uma meditação pioneira em Portugal dos conceitos "Corbu": separação
de funções, orientação de edifícios, "pilotis",
"brise-soleils". E, claro, ainda os conjuntos da Av. Infante Santo
(1955) ou da Av. de Brasil (1958) de Jorge Segurado.E que fazer dos inúmeros
conjuntos moderno-deco (anos 30) espalhados pela cidade? E de todos os
"derivados" de Cassiano Branco, à parte dos autênticos Cassiano -
estes últimos apresentando uma qualidade habitacional incontestável ? E ainda
de todos os conjuntos urbanos Estado Novo coerentes e unificados, desde a
Alameda até Alvalade, na Sidónio Pais, na D. João V, etc?A nova direcção do
Ippar vai ter muito material a classificar neste novo conceito legislador,
ainda por criar, do conjunto urbano de património do séc. XX.Se pretendermos
ser coerentes, ao meditarmos sobre o caso Estoril-Sol teremos também que
meditar sobre a mediocridade arquitectónica do hotel Atlântico. Ou sobre o
verdadeiro atentado posterior que o hotel Eden - um "arranha-céus"
muito "Reboleira-Brandoa" - representa.Não, não vamos abrir esta
caixa de Pandora. Em vez disso, passemos a reflectir sobre um livro-manifesto
dirigido ao presente e ao futuro da cidade de Lisboa, publicado há alguns meses
e da autoria do arquitecto Graça Dias. O arquitecto-autor oferece-nos duas
fotomontagens. Uma propõe-nos uma Av. Marginal pontuada por diversas torres. Na
outra temos oportunidade de reconhecer o Saldanha transformado numa
pseudo-Times Square, abrilhantada com anúncios luminosos e torres de 50
andares.Não sei porquê, mas andamos desconfiados que este ataque de
"cosmopolitite" aguda - com todos os sintomas megalopolis da cultura
da congestão e da densidade urbana - resulta de uma longa exposição aos
delírios de Rem Koolhaas sobre Manhattan (Delirious New York), que já tinham se
manifestado numa crise "cacilheira", culminando agora numa indigestão
mental aguda, ou seja, outra forma de congestão. O autor esquece-se de que os
seus devaneios estarão muito mais próximos dum pesadelo "cyborg",
pós-cataclismo ecológico tipo "Blade Runner", do que de uma odisseia
futurista. Isto sem contar com as borgas cacilheiras que os
"cyborgos" lusitanos teriam de inventar para as suas panças
mecânicas. Fora as ironias, algumas das propostas para o Saldanha seriam, a
concretizar-se, de tal forma graves que ultrapassam a mera retórica do
manifesto, para entrarem na esfera do altamente irresponsável. As volumetrias
dos existentes "Atrium" e "Monumental" seriam triplicadas
até atingirem os 50 andares e uma terceira torre ocuparia o lugar dos dois
notáveis edifícios Estado Novo que constituem, hoje, o último símbolo e memória
da resistência à demolição do desaparecido Monumental. Além disso, vislumbra-se
na fotomontagem uma quarta torre da mesma volumetria colocada no meio da Fontes
Pereira de Melo, num local que só poderá ser o espaço ocupado agora pelos três
edifícios (que é preciso salvar) dos números 18, 22 e 26, ao lado do agora
"recuperado" palácio Sotto Mayor.Não se pretende pôr em causa o
direito ao manifesto, com toda a retórica fracturante que tal exige. Mas será
esta uma atitude responsável e pedagógica perante toda uma geração de jovens
que folheiam mais revistas do que lêem livros, e que são manipuláveis e
manipulados pelas crises Institucionais e pelas batalhas jurídicas que imperam
na Faculdade de Arquitectura - ou nas verdadeiras fábricas de diplomas que
constituem as universidades privadas ?Será que a prometida "fornada"
de mais onze mil arquitectos quererá servir este pais desordenado e caótico? Ou
irão ficar prisioneiros de um síndroma comparável aos ilustres colegas de
Medicina, para os quais Portugal é Lisboa e Porto?Realmente, e numa ironia
perversa, a única forma de negar que o Sheraton sempre constituiu uma aberração
para o tecido urbano do séc. XIX, e é portanto a nossa torre Montparnasse, é
construir em frente uma torre de 50 andares. *Historiador
de arquitectura
1 comentário:
Demasiado alarmismo por causa duma torre de 17 pisos. Se todos os meses aparecessem projectos de torres, até se poderia compreender. Mas aparece uma vez a cada dez anos. Não vejo qualquer problema em pretenderem assumir o objecto arquitectónico com identidade visual marcante, neste caso a altura. O palacete será demolido com ou sem torre. E se é para demolir mais vale que seja substituído por algo que dê algum equilíbrio visual ao sheraton/imaviz.
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