Carlos Costa, de pijama e
pantufas
PEDRO SOUSA
CARVALHO 05/12/2014 / PÚBLICO
Há três anos,
quando o Estado decidiu cortar os subsídios de férias e de Natal à função
pública, houve uma grande polémica por causa dos funcionários do Banco de
Portugal que não foram afectados pela austeridade. Nessa altura, e para não dar
a imagem de que os trabalhadores do banco central eram uns privilegiados,
Carlos Costa cortou algumas mordomias no Banco de Portugal. Entre as várias
regalias, o governador acabou com as comparticipações para a compra de colchões
ortopédicos e reduziu as comparticipações para as próteses auditivas.
Até ao dia de
hoje continuo sem perceber por que é que o Banco de Portugal subsidiava
colchões ortopédicos. O problema não era tanto o ortopédico. O problema era
mesmo o colchão. Por que haveria um banco central de subsidiar colchões? Depois
dos casos BPN, BPP e BCP, e agora com o escândalo no Finantia e no BES,
finalmente percebi por que é que o Banco de Portugal precisava de colchões. O
banco central andou a dormir todos estes anos. E foi um grande erro ter cortado
as comparticipações para as próteses auditivas, porque também não conseguiu
ouvir aqueles que, como Pedro Queiroz Pereira, alertaram, a tempo e horas, de
que algo ia muito mal no reino do Espírito Santo.
À medida que
vamos ouvindo os protagonistas na comissão de inquérito ao caso BES ficamos com
a sensação de que entre Novembro de 2013 (quando pela primeira vez o Banco de
Portugal teve conhecimento das irregularidades no grupo) e Julho de 2014
(quando Ricardo Salgado saiu do banco) o Banco de Portugal andou a dormir. E só
acordou com o estrondo da derrocada do BES. O colapso do BES apanhou Carlos
Costa de pijama e de pantufas. O governador ainda não conseguiu dar uma
explicação convincente para o facto de ter demorado dez meses a correr com Ricardo
Salgado e com a sua administração.
Carlos Costa
argumenta que não poderia retirar a idoneidade a Ricardo Salgado com dois
argumentos, sendo que ambos deixam bastante a desejar. Primeiro, refugiou-se
num acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2005 que basicamente diz que
o banco central deve ater-se a circunstâncias concretas para fundamentar um
juízo de falta de idoneidade. Ora bem, se falsificar contas e mascarar a
contabilidade não é, o que será uma circunstância concreta?
Em segundo lugar,
Carlos Costa refugia-se em três pareceres de professores que desaconselhavam
retirar a idoneidade a Salgado, sendo que pelo menos dois desses pareceres
foram encomendados e pagos pelo próprio Ricardo Salgado. O Correio da Manhã diz
que um desses juristas chega a cobrar 20 mil a 35 mil euros por parecer.
Pergunto, faz sentido que o Banco de Portugal tome como boa, útil e isenta uma
informação lhe é transmitida por um parecer que foi encomendado pelo próprio
Salgado? Para aumentar ainda mais a incredulidade, o jornal i deu esta semana
conta do conteúdo de um desses pareceres que justifica a “prenda” de 14 milhões
de euros que Ricardo Salgado recebeu de um empresário angolano. Diz o parecer
que a prenda é explicada pelo “espírito de solidariedade e entreajuda” que deve
existir numa sociedade. Tenham santa paciência.
Passemos à
frente. O trabalho de Carlos Costa na supervisão será julgado pelo Governo que
terá de o renomear (ou não) em Março de 2015. Quando foi à comissão de
inquérito, Maria Luís Albuquerque disse que no caso BES “falhou muita coisa.
Primeiro as auditoras, depois a supervisão”. Veremos se o Governo será coerente
com esta avaliação que faz do supervisor.
A propósito das
auditoras, também ficámos a saber esta semana que a KPMG Portugal fazia a auditoria
do BES e que a KPMG Angola fazia a auditoria do BESA em Angola. E que a KPMG
Portugal e a KPMG Angola têm ambas o mesmo presidente, de seu nome Sikander
Sattar. Tendo sido a exposição ao BES Angola que fez implodir o BES em
Portugal. É normal?
A KPMG Portugal é
auditora externa do BES desde 2002, apesar de a CMVM recomendar às empresas que
mudem de auditores depois de dois mandatos para evitar vícios e cumplicidades
entre o auditor e o auditado (até porque é o auditado que paga o salário ao
auditor). A auditora cumpriu dois mandatos no BES e em 2011 a comissão de auditoria
interna do banco pediu autorização para que a KPMG continuasse a auditar as
contas por mais tempo, argumentando com o "profundo conhecimento
acumulado" pela KPMG sobre as operações e os riscos do grupo BES e com a
"grande qualidade, eficiência e independência profissional"
demonstradas nas suas funções de auditoria/revisão de contas do BES. E a KPMG
auditou durante doze anos as contas do BES. A culpa é do BES, que pede; da
KPMG, que aceita; e dos reguladores, que fecham os olhos.
Fernando Ulrich
dizia há dias que a exposição desproporcionada do BES a Angola não é de hoje:
passou de 25 milhões de dólares em 2007 para quatro mil milhões em 2013.
Durante seis anos, segundo Ulrich, houve "informação mais do que
suficiente" para que alguém pudesse actuar. Alguém? Mas quem? O Banco de
Portugal? A KPMG? Não vale a pena fazer muito barulho que ainda acordamos
alguém.
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