sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

José Sócrates. O preso político, por Luís Rosa.


José Sócrates. O preso político
Por Luís Rosa
publicado em 5 Dez 2014 in (jornal) i online

Aquele que teve um poder quase absoluto em Portugal, que controlou a banca, as empresas, os media e que quis partir a espinha à justiça, queixa- -se, suprema ironia, de um suposto abuso do Estado
As "cartas da prisão" de José Sócrates têm um objectivo claro desde o início: a opinião pública deve encará-lo como um preso político. Um homem que está preso pelas suas ideias - e não porque existam suspeitas de que terá cometido crimes de corrupção, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Um homem a quem foi decretada a prisão preventiva por afrontar o "sistema" - e não porque a justiça tem a obrigação de escrutinar todos os cidadãos, independentemente do seu poder político, económico ou social. Um homem, enfim, que é vítima de uma impensável injustiça e erro judiciário.

José Sócrates quase que se deve ver como um Nelson Mandela - ou tantos outros homens políticos que afrontaram verdadeiras ditaduras totalitárias em nome da liberdade, da igualdade de direitos e de uma sociedade próspera e justa. Não cabe na cabeça de um mitómano como Sócrates que esse tipo de comparação seja insultuosa para a memória dos verdadeiros combatentes contra todas as ditaduras que existiram e continuam a existir por esse mundo fora. Com uma escrita sentimental e literária, José Sócrates quer manipular os sentimentos da opinião pública, sem nunca responder aos factos concretos que estão sob suspeita -- atitude a que tem, obviamente, direito. A sua última carta é particularmente reveladora dessa manipulação: Sócrates é o corajoso, o humilhado, aquele que tentam vergar, o recluso que é vítima de uma tentativa de despersonalização - algo só ao nível dos Estados totalitários. Sócrates é uma vítima dos poderes que o povo não conhece e não controla, mas que se aliaram contra ele: o poder judicial e os media. Mas não só desses. Sócrates está a ser alvo de um ataque da classe política (Cavaco Silva, Passos Coelho e António Costa) por ser incómodo. Sócrates não é um cobarde - é uma pessoa decente que tenta pedir aos que têm desprezo por tudo o que o rodeia que se levantem e ajam.

José Sócrates tem todo o direito a defender-se na praça pública, usando a liberdade de expressão que a democracia permite a todos os cidadãos. As suas "cartas da prisão", contudo, são muito mais que uma arma de defesa: são um instrumento de ataque a todos os que deviam tê-lo defendido das autoridades e uma ameaça de vingança contra o juiz Carlos Alexandre, o procurador Rosário Teixeira e os polícias que o investigaram.


Sócrates julga-se ainda no auge do seu poder. A ironia está precisamente aí. O homem que tudo queria, que tentou ter um poder quase absoluto em Portugal entre 2005 e 2009, que teve uma maioria absoluta, que controlou o essencial do poder financeiro, que dominou as administrações das principais empresas onde o Estado tinha interferência, que tentou partir a espinha à justiça, que quis (e conseguiu durante seis anos) controlar a maior parte da comunicação social, queixa--se, suprema ironia, de um suposto abuso do Estado contra si. José Sócrates é uma vítima. Coitadas das verdadeiras vítimas.

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