DN/Lusa
Governo
distancia-se de Marcelo e diz que "não está em causa nenhum processo"
para reparação do passado colonial
Executivo
da AD defende que se pautará "pela mesma linha" de executivos
anteriores nesta matéria.
O Governo afirmou este sábado que "não
esteve e não está em causa nenhum processo ou programa de ações específicas com
o propósito" de reparação pelo passado colonial português e defendeu que
se pautará "pela mesma linha" de executivos anteriores.
"A propósito da questão da reparação a
esses Estados e aos seus povos pelo passado colonial do Estado português,
importa sublinhar que o Governo atual se pauta pela mesma linha dos Governos
anteriores. Não esteve e não está em causa nenhum processo ou programa de ações
específicas com esse propósito", refere o executivo, em comunicado da
Presidência do Conselho de Ministros.
No texto, o executivo PSD/CDS-PP sublinha que
"o Estado português, através dos seus órgãos de soberania -
designadamente, do Presidente da República e do Governo -, tem tido gestos e
programas de cooperação de reconhecimento da verdade histórica com isenção e
imparcialidade".
O Presidente da República defendeu hoje que
Portugal deve liderar o processo de assumir e reparar as consequências do
período do colonialismo e sugeriu como exemplo o perdão de dívidas, cooperação
e financiamento.
À margem da inauguração do Museu Nacional da
Resistência e da Liberdade, em Peniche, Marcelo Rebelo de Sousa foi instado a
esclarecer declarações feitas na terça-feira, durante um jantar com
correspondentes estrangeiros em Portugal, no afirmou que Portugal deve
"assumir a responsabilidade total" pelo que fez no período colonial e
"pagar os custos" e que mereceram críticas do Chega, IL e CDS-PP.
Instado a esclarecer recentes declarações suas
sobre a matéria, o Presidente da República sublinhou que, ao longo da sua
presidência, tem defendido que Portugal tem de "liderar o processo"
em diálogo com esses países.
No comunicado, o Governo começa por referir
que "as relações do povo português com todos os povos dos Estados que
foram antigas colónias de Portugal são verdadeiramente excelentes, assentes no
respeito mútuo e na partilha da história comum".
"O mesmo se diga das relações
institucionais Estado a Estado, como bem provam as comemorações dos cinquenta
anos do 25 de Abril de 1974", salienta o texto de oito pontos.
Depois de referir que irá atuar na "mesma
linha" de anteriores Governos e que não existe "nenhum processo ou
programa de ações específicas" com o propósito de reparação colonial, o
executivo dá alguns exemplos do que considera serem "gestos e programas de
cooperação de reconhecimento da verdade histórica com isenção e
imparcialidade".
"Assim se compreende, a título de
exemplo, a assunção do contributo decisivo da luta desses povos pela sua
independência para o fim da ditadura ou o pedido de desculpas pelo trágico
massacre de Wyriamu", em Moçambique, aponta-se.
Por outro lado, refere-se que, "no quadro
da cooperação cultural e histórica, o Estado Português financiou, em Angola, o
Museu da Luta de Libertação Nacional; em Cabo Verde, a musealização do campo de
concentração do Tarrafal; em Moçambique, a recuperação da rampa dos escravos na
Ilha de Moçambique".
"A tudo isso acresce, globalmente, a
prioridade dada às políticas gerais de cooperação e à sua materialização em
áreas tão significativas como a educação, a formação, a língua, a cultura ou a
promoção da saúde, para além da cooperação financeira, orçamental e
económica", acrescenta o texto.
O comunicado da Presidência do Conselho de
Ministros conclui que "a linha do Governo português é e será sempre esta:
aprofundamento das relações mútuas, respeito pela verdade histórica e
cooperação cada vez mais intensa e estreita, assente na reconciliação de povos
irmãos".
O tema voltou a agenda esta semana pela voz de
Marcelo Rebelo de Sousa que hoje reiterou que, ao longo da sua presidência, tem
defendido que Portugal tem de "liderar o processo" em diálogo com
esses países.
Para tal, defendeu, Portugal tem de ter
"formas de reparar" as consequências do colonialismo, exemplificando
com o perdão de dívidas, a cooperação, a concessão de linhas de crédito e de
financiamento que, disse, têm sido estabelecidos.
Questionado pelos jornalistas, o Presidente da
República disse também que o atual Governo deveria continuar com o processo de
levantamento dos bens patrimoniais das ex-colónias em Portugal, que teria sido
iniciado pelo anterior executivo, para posteriormente devolvê-los.
25 abril 2024 às 23h08
https://www.dn.pt/6979177689/marcelo-ignora-ataques-da-direita-a-pagamentos-as-ex-colonias/
Marcelo
ignora ataques da direita a pagamentos às ex-colónias
Sessão
solene dos 50 anos do 25 de Abril foi marcada pelas críticas de André Ventura,
Rui Rocha e Paulo Núncio às reparações admitidas pelo Chefe de Estado, que
manteve silêncio sobre o assunto. Presidentes dos países da CPLP também
preferiram não abordar o tema.
Leonardo Ralha
Grande repórter
O Presidente da República preferiu não dar
qualquer resposta aos ataques que lhe foram feitos pelo Chega, pela Iniciativa
Liberal e pelo CDS-PP durante a sessão solene dos 50 anos da revolução de 25 de
Abril de 1974. Acusado por André Ventura de “trair os portugueses” ao admitir o
pagamento de reparações financeiras aos países que foram colonizados pelos
portugueses, e chegando a não disfarçar o seu desconforto com essa e outras
intervenções que ouviu na Assembleia da República, Marcelo não foi além de uma referência
à incomparável rapidez com que se concretizou o “fim de um Império de cinco
séculos”.
Para trás ficaram várias intervenções em que
só o PSD, que teve a deputada independente Ana Gabriela Cabilhas a discursar na
sessão solene, “poupou” o Presidente entre as bancadas mais à direita do
hemiciclo. As restantes deixaram muito claro o descontentamento com o que
Marcelo Rebelo de Sousa disse na terça-feira, num jantar com jornalistas
estrangeiros marcado por outras polémicas, incluindo considerações sobre o
“lentidão” do atual e anterior primeiros-ministros, Luís Montenegro e António
Costa, e a revelação de um corte de relações com o seu filho Nuno, na sequência
do caso das gémeas luso-brasileiras que receberam um dos remédios mais caros do
mundo, com acusações de influência política para que o Serviço Nacional de
Saúde custeasse o tratamento.
O presidente do Chega anunciara na véspera que iria acusar Marcelo Rebelo de Sousa de trair os portugueses ao admitir o pagamento de reparações e cumpriu a sua promessa. “Tenho orgulho na nossa História”, disse Ventura, aplaudido ruidosamente pela sua bancada parlamentar, ao mesmo tempo que dizia a Marcelo que “não foi eleito pelos guineenses ou pelos brasileiros”. Antes dele, o presidente da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, disse que a intenção presidencial, que também foi mal recebida pelo Executivo de Luís Montenegro, “atenta contra os interesses do país” e significa que o Presidente da República “se afastou da representação da esmagadora maioria dos portugueses”.
E, bem no início da sessão, o líder
parlamentar do CDS-PP, Paulo Núncio, recusou “controvérsias históricas ou
deveres de reparação”, com Marcelo a olhar para o lado do alto da tribuna, após
o centrista ter mencionado “as famílias abandonadas à sua sorte devido a um
desastroso processo de descolonização”.
A tudo isto Marcelo disse nada, encerrando a
sessão solene com uma longa exposição sobre ciclos e respetivos protagonistas
nas últimas cinco décadas do país, desde os presentes Ramalho Eanes e Cavaco
Silva aos já falecidos Mário Soares, Sá Carneiro, Álvaro Cunhal e Freitas do
Amaral - referências que não conseguiram obter apoio unânime dos deputados,
contando-se pelos dedos quem os aplaudiu a todos -, concluindo que devemos
“preferir sempre a democracia, mesmo que imperfeita, à ditadura”.
Alertas
e comemoração
Nas intervenções dos partidos mais à esquerda
foi nota dominante a homenagem a quem derrubou a ditadura do Estado Novo, com
uma menção especial e muito aplaudida do secretário-geral do PS, Pedro Nuno
Santos, aos capitães de Abril, presentes nas galerias da Assembleia da
República. Mas também o elogio das conquistas, a vontade de aprofundar a
democracia e os alertas para as ameaças que esse regime enfrenta.
Pedro Nuno Santos admitiu que a “concretização
dos sonhos de Abril é um trabalho imperfeito e inacabado”, críticando
“políticas fiscais injustas que desoneram quem mais tem e menos precisa”, ao
mesmo tempo que retiram recursos ao Estado.
E não esqueceu o “desafio enorme” do
acolhimento dos imigrantes necessários a Portugal, refutando a expressão “de
portas escancaradas”, utilizada pelo atual primeiro-ministro na campanha
eleitoral, sem esquecer a necessidade de consolidar os direitos e liberdades
das mulheres e de minorias sexuais. “Abril não proíbe qualquer tipo de
família”, disse, sendo muito aplaudido pela sua bancada.
Por seu lado, a coordenadora do Bloco de
Esquerda, Mariana Mortágua, dirigiu-se às “carpideiras de Salazar”,
considerando que “os saudosistas são perigosos” por culparem a revolução
realizada há meio século por fenómenos como a pobreza ou a corrupção.
Mas além de ver o Estado Novo como um regime
caracterizado ”pela tristeza, pela emigração forçada, pela maldita guerra e
pela secundarização das mulheres”, fez mira ao capitalismo como forma de
opressão e criação de desigualdades.
Antes dela, o secretário-geral do PCP, Paulo
Raimundo, defendeu que se mantém a necessidade de”pôr fim ao ciclo de políticas
de direita”, seguidas pelos partidos que têm dividido a governação ao longo das
últimas décadas, antevendo que o “dia de sonho e de realização” ainda se
cumprirá.
Antes dele, o porta-voz do Livre, Rui Tavares,
apresentou o 25 de Abril de 1974 como “a mais bela das datas” da História de
Portugal, bem como”a mais bela revolução do século XX”, que inspirou uma vaga
de democratização em países do Sul da Europa e da América Latina, enquanto a
porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, que fora a primeira a intervir, alertou
para a forma como “os direitos conquistados estão a ser postos em causa” pela
ascensão de forças políticas populistas e que considera serem contrárias aos direitos
humanos, e em particular aos direitos das mulheres e dos animais, bem como à
proteção ambiental.
Quanto a Ana Gabriela Cabilhas, que tinha a
particularidade de ser a única oradora - à exceção de Paulo Núncio - que não é
líder partidária, a intervenção da deputada do grupo parlamentar do PSD foi
assumidamente virada para “um futuro de sonhos e possibilidades”, preferindo
“mais do que elogios ao passado, compromissos com o futuro”.
Mas também reservou alguma atenção ao Chega,
sem o mencionar, ao defender que a Assembleia da República deve “concretizar as
legítimas aspirações dos portugueses, recusando que os extremistas radicalizem
a sociedade dividindo-a entre os políticos e o povo”.
Penúltimo a falar, numa sessão que acabou
protocolarmente com o hino nacional, mas foi prolongada com “Grândola, Vila
Morena”, entoada pelos convidados presentes na galerias e por muitos deputados,
enquanto outros, nomeadamente do Chega, saíam do hemiciclo, ouvindo alguns
gritos de “fascistas não passarão”, o presidente da Assembleia da República
terá feita a intervenção mais conciliatória da manhã.
Na opinião de José Pedro Aguiar-Branco,
perante “tanta radicalização, polarização e populismo”, não é lícito “culpar os
portugueses pelas suas escolhas nas urnas”, até porque “a desilusão de uns
combate-se com boa governação e não com palavras e discursos mais ou menos
inflamados”, numa crítica implícita à atuação dos seus antecessores Ferro
Rodrigues e Augusto Santos Silva para com o partido de André Ventura.
Líderes
lusófonos reivindicam Abril
No final da tarde, numa sessão comemorativa no
Centro Cultural de Belém, na qual Marcelo Rebelo de Sousa juntou os seus
homólogos de todos os países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, à
exceção do Brasil, também não se falou de reparações, mas a reivindicação do
papel dos movimentos de libertação na queda do Estado Novo foi nota dominante
nas intervenções.
O Presidente de Angola, João Lourenço, começou
logo por salientar que o “histórico acontecimento” celebrado ontem pôs um fim a
décadas de Estado Novo, não só para os portugueses, mas também para as então
colónias. “Enquanto o povo português
lutou contra a ditadura fascista desde 1932, lutávamos desde o século XV contra
a colonização portuguesa”, disse o estadista angolano, referindo-se à
escravatura e às pilhagens como consequências do domínio colonial.
Mas João Lourenço também estabeleceu desde
logo a influência dos movimentos de libertação para a eclosão do 25 de Abril de
1974, relacionando factos históricos como a proclamação unilateral de
independência da Guiné-Bissau, no ano anterior ao da queda do regime de
Marcello Caetano, ou o “fiasco da Operação Nó Górdio”, pela qual o exército
português procurou derrotar a Frelimo na região de Cabo Delgado, no norte de
Moçambique. Dizendo que foram acontecimentos “que precipitaram o golpe militar
em Lisboa”, o Presidente de Angola declarou que a causa dos povos das
ex-colónias “era a mesma do povo português”..
Também Umaro Sissoco Embaló, Presidente da
Guiné-Bissau, disse que “não era de estranhar a convergência estratégica entre
os combatentes contra o colonialismo e quem combatia a ditadura”, por muito que
a independência do seu país só tenha sido reconhecida por Portugal a 27 de
julho, três meses após a Revolução dos Cravos, pelo então Presidente da
República, António de Spínola. “O povo guineense orgulha-se de ter dado esse
contributo original”, disse, apontando o reconhecimento da independência
unilateral da Guiné-Bissau por “larga maioria de países membros da Organização
das Nações Unidas”, bem como a superioridade militar do PAIGC no terreno, como
fatores que contribuíram para acelerar o Movimento dos Capitães.
O Presidente de Moçambique, Filipe Jacinto
Nyusi, que tratou Marcelo Rebelo de Sousa como “caro irmão” - e garantiu que
estaria presente nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril “mesmo que não me
convidasse” -, também relacionou a queda do Estado Noco com o “avanço da luta
anticolonialista”, lamentando que o povo português e os povos africanos “tenham
chorado o sangue derramado pelos seus melhores”.
Referindo-se diretamente à Operação Nó Górdio,
liderada pelo general Kaulza de Arriaga, na qual o regime de Lisboa empregou
toda a sua força militar, Nyusi disse que simbolizou o “fracasso do regime
ditatorial fascista” e tornou mais premente “a urgência do fim das guerras
coloniais em África”.
Mas o estadista moçambicano também fez menções
a massacres de população civil como o que sucedeu em Wiriyamu, considerando-os
“indesculpáveis”, pois “desonram a nossa História e merecem condenação por
todos os que respeitam a vida humana”. A esse propósito, defendeu que “é tempo
de encararmos os factos históricos com responsabilidade”, mas sem trazer a
questão das reparações financeiras à cerimónia.
Para o Presidente de São Tomé e Príncipe,
Carlos Manuel Vila Nova, a liberdade conquistada pelos portugueses há 50 anos é
“tributária, em larga medida, da luta dos movimentos de libertação”, na medida
em que fizeram com que entre os militares portugueses tenha “despertado a
sensação de que a guerra que travavam não fazia sentido nenhum”. Por outro
lado, lamentou o “momento de teimosia colonial, que tornou o processo de
emancipação cruel e violento”. Para os povos africanos, e para as “numerosas
famílias que conheceram o luto” em Portugal.
Na cerimónia, que foi encerrada por Marcelo
Rebelo de Sousa com um agradecimento à presença “fraternal, solidária e
gratificante” dos seus homólogos, estiveram ainda os Presidentes de Cabo Verde,
José Maria Neves, e de Timor-Leste, Ramos-Horta.
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