1.º DE MAIO
“Trabalho de manhã, à tarde e à noite. Quando tenho tempo
para ser jovem?”
A manifestação do 1º de Maio foi do Martim Moniz à
Alameda com gritos de ordem que nunca cessaram. Os mais jovens saíram à rua em
força — era impossível ver o início e o fim da Avenida Almirante Reis.
Marta Sofia
Ribeiro
1 de Maio de
2023, 22:08
https://www.publico.pt/2023/05/01/politica/noticia/trabalho-manha-tarde-noite-tempo-jovem-2048082
O ponto de
encontro era o habitual. Às 14h30, do Martim Moniz, a manifestação do 1º de
Maio da CGTP devia partir em direcção à Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa.
Quando a hora marcada chegou, o número de pessoas ainda não fazia adivinhar a
enchente que ia cobrir a Avenida Almirante Reis dali em diante. Na voz de Zeca
Afonso ouvia-se “não me obriguem a ir para a rua gritar”, mas mais uma vez foi
precisamente esse o plano para o Dia do Trabalhador. Os sindicatos e grupos
foram-se juntando, ergueram as tarjas e prepararam as vozes.
“Alguém me
arranja um cravo” ouvia-se repetidamente antes do arranque. E prontamente
alguém dizia: “Sim, é um euro”. Mas se não tivesse um euro não havia problema,
alguém havia de cobrir o resto. Para além dos cravos, vendiam-se águas
“fresquinhas” para aguentar o calor, era uma espécie de kit que quase todos os
manifestantes carregavam. Completava-o o panfleto com todos os cânticos e
palavras de ordem que deviam ser repetidos à medida que caminhavam: “Maio está
na rua, a luta continua” e “não podemos aceitar empobrecer a trabalhar” eram só
alguns.
Os mais dedicados
levavam cartazes, como o que Pedro Henriques levava na mão: “Trabalho de manhã,
à tarde e à noite. Quando tenho tempo para ser jovem?”. Tem 20 anos e já não é
a primeira vez que marca presença no 1º de Maio, já vai “há quatro ou cinco
anos”, não sabe precisar. Segue perto da frente, no meio das bandeiras
vermelhas da Juventude Comunista e da CGTP. Está desiludido e tem quase a
certeza que o sentimento é comum a todos os jovens nas mesmas condições.
Reconhece no “movimento sindical unitário” uma forma “de defender os
interesses” e “levar políticas avante”. Esta segunda-feira foi comemorar os 49
anos do 1º de Maio, mas garante que “a gente” - a JCP - também está noutros
sítios: nos sindicatos e nos locais de trabalhos.
Curiosamente, a
Agenda do Trabalho Digno e Valorização dos Jovens entrou em vigor precisamente
neste Dia do Trabalhador. Para os mais jovens, isso tem múltiplos significados:
por exemplo, o período experimental passa a ser reduzido se o trabalhador já tiver
tido contratos a termo na mesma actividade e, para os trabalhadores-estudantes,
passa a ser possível acumular o abono de família e as bolsas de estudo com o
salário. Estas são apenas duas das sete medidas sobre as quais Pedro tem
“muitas dúvidas”. Não que não as ache positivas, mas porque sente estar sempre
a perder. Mesmo que haja algumas melhorias, “se estamos a perder 10 e dão 5 de
volta, continuamos a perder”.
Atrás de uma
tarja onde se lê “anticapitalistas”, já no fim da manifestação, segue Mariana
Mortágua, candidata a líder do Bloco de Esquerda. Solidariza-se com a luta de
Pedro, esta Agenda também não lhe parece suficiente: “Não enfrenta os problemas
estruturais da desigualdade salarial e da precariedade”, garante. “A geração
que tem 20 ou 30 anos está condenada a viver pior do que a geração dos seus
pais” e isso não pode aceitar, é por isso que sai à rua. Nota que este ano, o
25 de Abril e o 1º de Maio foram datas de forte contestação social, e os jovens
saíram à rua em força – “não estamos condenados à selvajaria do liberalismo”,
diz esperançosa.
Lutas que enchem uma mão inteira
Não é a única a
sublinhar a participação dos mais jovens, quem já marca presença nesta data há
largos anos reconhece que, cada vez mais, aparecem e fazem a luta na rua. Mesmo
em frente à tarja dos trabalhadores dos híper e supermercados, dois homens
vestidos a rigor: de fato e cartola – vermelhos de calor, mas querem passar uma
mensagem. Na fatiota levam, colados, logótipos de vários supermercados e lojas
que fazem parte da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED).
Vão interpelando várias pessoas na rua – as bermas estão cheias – em tom de
brincadeira.
Mas quando se
fala de luta, Carlos Gralha, 45 anos, operador logístico, põe uma cara séria. A
sua luta é “única”, “a negociação do contrato de trabalho colectivo” que a APED
está “constantemente a adiar”. À medida que vai falando, lembra-se de lutas
novas e afinal quase enchem uma mão inteira. A igualdade que “está muito por
baixo” e o consumismo que “nunca foi tão elevado como agora”. E claro, os
jovens. Vê muitos agora, não se lembra de serem tantos (e há 26 anos que não
perde um 1º de Maio). Acha que o problema da habitação é o que os mobiliza
mais.
Fátima Amaral tem
72 anos e nunca falhou um Dia do Trabalhador (e da Trabalhadora, relembra).
Este ano, levava ao ombro uma bandeira do Movimento Democrático das Mulheres.
Desde 1974, sai à rua porque sente que se a luta é necessária para todos,
enquanto mulher essa necessidade é exacerbada. “As mulheres são sempre as mais
exploradas, têm um salário médio mais baixo que os homens, são elas que são
mais precárias, o desemprego também é sempre maior nas mulheres, são
discriminadas quando querem ser mães”. É preciso ir para a rua, disso não te
dúvidas, e “dizer o que querem”. Destaca duas bandeiras principais na luta dos
direitos das trabalhadoras: os salários e as reformas degradadas devido ao
custo de vida e “para as mais jovens, a habitação”.
A marcha
continuava e os gritos de ordem com ela. De repente, uma mudança de voz, uma
criança assumiu o microfone. Estava na carrinha do Sindicato dos Professores da
Grande Lisboa (SPGL) e parecia ter aquelas palavras decoradas. Saíam-lhe da
boca numa voz estridente que não deixava ninguém indiferente, dava o mote e
todos lhe respondiam. Ou alguém lhe dava o mote e respondia, com mudanças de
ritmo e articulações diferentes.
Taynara Machado
seguia bastante atrás e ia entregando panfletos a quem encontrava. Tinha seis
braços que lhe saíam das costas, as “polvas” do trabalho reprodutivo, como lhes
chamou, cada uma a pegar num objecto diferente. Aquelas mãos são as que dão
conta do “trabalho que é invisibilizado, o trabalho doméstico, o cuidado”. Tem
34 anos e está “farta de trabalhar a falsos recibos verdes” – está nesta situação
há um ano. É doutorada em Sociologia. Ali estava para garantir que o trabalho
que não é remunerado, o cuidar de crianças da família ou dos mais idosos,
também é trabalho.
Jovens,
reformados, operários, funcionários judiciais, psicólogos, professores, trabalhadores
de todos os sectores, saíram à rua e pediram mudanças. Mais salários,
mais condições, menos precariedade.
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