terça-feira, 2 de maio de 2023

“Trabalho de manhã, à tarde e à noite. Quando tenho tempo para ser jovem?

 


1.º DE MAIO

“Trabalho de manhã, à tarde e à noite. Quando tenho tempo para ser jovem?”

 

A manifestação do 1º de Maio foi do Martim Moniz à Alameda com gritos de ordem que nunca cessaram. Os mais jovens saíram à rua em força — era impossível ver o início e o fim da Avenida Almirante Reis.

 

Marta Sofia Ribeiro

1 de Maio de 2023, 22:08

https://www.publico.pt/2023/05/01/politica/noticia/trabalho-manha-tarde-noite-tempo-jovem-2048082

 

O ponto de encontro era o habitual. Às 14h30, do Martim Moniz, a manifestação do 1º de Maio da CGTP devia partir em direcção à Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa. Quando a hora marcada chegou, o número de pessoas ainda não fazia adivinhar a enchente que ia cobrir a Avenida Almirante Reis dali em diante. Na voz de Zeca Afonso ouvia-se “não me obriguem a ir para a rua gritar”, mas mais uma vez foi precisamente esse o plano para o Dia do Trabalhador. Os sindicatos e grupos foram-se juntando, ergueram as tarjas e prepararam as vozes.

 

“Alguém me arranja um cravo” ouvia-se repetidamente antes do arranque. E prontamente alguém dizia: “Sim, é um euro”. Mas se não tivesse um euro não havia problema, alguém havia de cobrir o resto. Para além dos cravos, vendiam-se águas “fresquinhas” para aguentar o calor, era uma espécie de kit que quase todos os manifestantes carregavam. Completava-o o panfleto com todos os cânticos e palavras de ordem que deviam ser repetidos à medida que caminhavam: “Maio está na rua, a luta continua” e “não podemos aceitar empobrecer a trabalhar” eram só alguns.

 

Os mais dedicados levavam cartazes, como o que Pedro Henriques levava na mão: “Trabalho de manhã, à tarde e à noite. Quando tenho tempo para ser jovem?”. Tem 20 anos e já não é a primeira vez que marca presença no 1º de Maio, já vai “há quatro ou cinco anos”, não sabe precisar. Segue perto da frente, no meio das bandeiras vermelhas da Juventude Comunista e da CGTP. Está desiludido e tem quase a certeza que o sentimento é comum a todos os jovens nas mesmas condições. Reconhece no “movimento sindical unitário” uma forma “de defender os interesses” e “levar políticas avante”. Esta segunda-feira foi comemorar os 49 anos do 1º de Maio, mas garante que “a gente” - a JCP - também está noutros sítios: nos sindicatos e nos locais de trabalhos.

 

Curiosamente, a Agenda do Trabalho Digno e Valorização dos Jovens entrou em vigor precisamente neste Dia do Trabalhador. Para os mais jovens, isso tem múltiplos significados: por exemplo, o período experimental passa a ser reduzido se o trabalhador já tiver tido contratos a termo na mesma actividade e, para os trabalhadores-estudantes, passa a ser possível acumular o abono de família e as bolsas de estudo com o salário. Estas são apenas duas das sete medidas sobre as quais Pedro tem “muitas dúvidas”. Não que não as ache positivas, mas porque sente estar sempre a perder. Mesmo que haja algumas melhorias, “se estamos a perder 10 e dão 5 de volta, continuamos a perder”.

 

Atrás de uma tarja onde se lê “anticapitalistas”, já no fim da manifestação, segue Mariana Mortágua, candidata a líder do Bloco de Esquerda. Solidariza-se com a luta de Pedro, esta Agenda também não lhe parece suficiente: “Não enfrenta os problemas estruturais da desigualdade salarial e da precariedade”, garante. “A geração que tem 20 ou 30 anos está condenada a viver pior do que a geração dos seus pais” e isso não pode aceitar, é por isso que sai à rua. Nota que este ano, o 25 de Abril e o 1º de Maio foram datas de forte contestação social, e os jovens saíram à rua em força – “não estamos condenados à selvajaria do liberalismo”, diz esperançosa.

 

Lutas que enchem uma mão inteira

Não é a única a sublinhar a participação dos mais jovens, quem já marca presença nesta data há largos anos reconhece que, cada vez mais, aparecem e fazem a luta na rua. Mesmo em frente à tarja dos trabalhadores dos híper e supermercados, dois homens vestidos a rigor: de fato e cartola – vermelhos de calor, mas querem passar uma mensagem. Na fatiota levam, colados, logótipos de vários supermercados e lojas que fazem parte da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED). Vão interpelando várias pessoas na rua – as bermas estão cheias – em tom de brincadeira.

 

Mas quando se fala de luta, Carlos Gralha, 45 anos, operador logístico, põe uma cara séria. A sua luta é “única”, “a negociação do contrato de trabalho colectivo” que a APED está “constantemente a adiar”. À medida que vai falando, lembra-se de lutas novas e afinal quase enchem uma mão inteira. A igualdade que “está muito por baixo” e o consumismo que “nunca foi tão elevado como agora”. E claro, os jovens. Vê muitos agora, não se lembra de serem tantos (e há 26 anos que não perde um 1º de Maio). Acha que o problema da habitação é o que os mobiliza mais.

 

Fátima Amaral tem 72 anos e nunca falhou um Dia do Trabalhador (e da Trabalhadora, relembra). Este ano, levava ao ombro uma bandeira do Movimento Democrático das Mulheres. Desde 1974, sai à rua porque sente que se a luta é necessária para todos, enquanto mulher essa necessidade é exacerbada. “As mulheres são sempre as mais exploradas, têm um salário médio mais baixo que os homens, são elas que são mais precárias, o desemprego também é sempre maior nas mulheres, são discriminadas quando querem ser mães”. É preciso ir para a rua, disso não te dúvidas, e “dizer o que querem”. Destaca duas bandeiras principais na luta dos direitos das trabalhadoras: os salários e as reformas degradadas devido ao custo de vida e “para as mais jovens, a habitação”.

 

A marcha continuava e os gritos de ordem com ela. De repente, uma mudança de voz, uma criança assumiu o microfone. Estava na carrinha do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL) e parecia ter aquelas palavras decoradas. Saíam-lhe da boca numa voz estridente que não deixava ninguém indiferente, dava o mote e todos lhe respondiam. Ou alguém lhe dava o mote e respondia, com mudanças de ritmo e articulações diferentes.

 

Taynara Machado seguia bastante atrás e ia entregando panfletos a quem encontrava. Tinha seis braços que lhe saíam das costas, as “polvas” do trabalho reprodutivo, como lhes chamou, cada uma a pegar num objecto diferente. Aquelas mãos são as que dão conta do “trabalho que é invisibilizado, o trabalho doméstico, o cuidado”. Tem 34 anos e está “farta de trabalhar a falsos recibos verdes” – está nesta situação há um ano. É doutorada em Sociologia. Ali estava para garantir que o trabalho que não é remunerado, o cuidar de crianças da família ou dos mais idosos, também é trabalho.

 

Jovens, reformados, operários, funcionários judiciais, psicólogos, professores, trabalhadores de todos os sectores, saíram à rua e pediram mudanças. Mais salários, mais condições, menos precariedade.

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