POLÍTICA
MONETÁRIA
BCE em Sintra à procura da fórmula para uma aterragem
suave
Economistas e responsáveis dos bancos centrais voltam a
reunir-se esta segunda-feira em Sintra para discutir os caminhos que devem ser
seguidos pela política monetária. Combater a inflação sem provocar uma recessão
é o desafio do momento.
Sérgio Aníbal
27 de Junho de
2022, 6:17
De regresso após
dois anos de interregno por causa da pandemia, os responsáveis dos principais
bancos centrais mundiais vão chegar ao ambiente sereno da Penha Longa com uma
grande razão para nervosismo: como é que vão conseguir travar a actual escalada
da inflação sem lançar a economia para uma recessão?
O Fórum anual do
Banco Central Europeu (BCE), que reúne economistas e banqueiros centrais para
discutirem os grandes desafios da política monetária, tem início esta
segunda-feira em Sintra e o tema que irá dominar os debates será, sem dúvida, a
forma como tem de ser gerido o fim da era das taxas de inflação baixas e do
dinheiro barato.
Para além dos
principais responsáveis da autoridade monetária da zona euro, também está
prevista a participação dos líderes de outros bancos centrais, como Jerome
Powell, presidente da Reserva Federal norte-americana, ou Andrew Bailey,
governador do Banco de Inglaterra. Todos eles estão a pôr em prática - ou
prestes a iniciar - um ciclo de subida acelerada das taxas de juro, a forma que
têm para tentar controlar a subida a pique da inflação a que se tem assistido
desde meados do ano passado, com um agravamento acentuado depois do início da
guerra na Ucrânia.
Na semana
passada, a Reserva Federal norte-americana subiu a sua taxa de juro de
referência em 0,75 pontos percentuais, o maior salto realizado nos últimos 28
anos. E o BCE, no início do mês, anunciou que na reunião que irá realizar em
Julho irá começar subir, ao fim de onze anos, as suas taxas de juro.
O risco de uma
aterragem descontrolada
Subir as taxas de
juro é, perante uma subida de preços que colocou a taxa de inflação acima dos
8% em Maio, tanto na zona euro como nos Estados Unidos da América, uma opção
pouco surpreendente, já que é a forma tradicional usada pelos bancos centrais
para arrefecer o consumo e o investimento, na esperança de que isso acabe por
se reflectir numa evolução mais moderada dos preços.
A questão está em
saber qual é, neste esforço de arrefecimento dos preços, o ritmo e a dimensão
apropriada da subida de taxas, que permitam contrariar a inflação, sem, ao
mesmo tempo, se estar a criar as condições para uma recessão profunda. É, na
linguagem geralmente utilizada na política económica, o desafio de assegurar
uma aterragem suave da economia.
Para já, nos
mercados, são evidentes as dúvidas em relação à capacidade dos bancos centrais
para fazer isso. As bolsas têm estado desde o início do ano a registar perdas
nos seus índices e o motivo está precisamente no facto de recearem uma
contracção das economias que baixe o valor das empresas cotadas.
Vários
economistas - e alguns deles estarão presentes no fórum do BCE em Sintra -
dizem que o risco de uma aterragem descontrolada das economias é agora bastante
elevado porque os bancos centrais demoraram muito tempo a reagir à subida da
inflação.
Isso obriga-os
agora a subirem as taxas de juro de forma mais brusca e, provavelmente, a irem
mais longe no nível máximo atingido, prejudicando a economia. E, num cenário
ainda mais preocupante, é também colocada a hipótese de a subida de taxas de
juro não ser totalmente eficaz contra a subida da inflação (pelo facto de ela
se dever a factores da oferta em vez da procura), o que significaria que se
poderia entrar em estagflação, em que a inflação alta e a recessão se manteriam
em simultâneo.
Nos Estados
Unidos, Lawrence Summers, que foi um dos primeiros a alertar a Fed, ainda no
ano passado, para a necessidade de começar a tomar medidas contra a inflação,
publicou um estudo (em parceria com Alex Domash) em que, analisando períodos
passados de inflação alta, conclui que, quando a inflação está acima de 5% e a
taxa de desemprego abaixo de 4%, como acontece actualmente, a probabilidade de
a economia norte-americana entrar em recessão durante os dois anos seguintes
está próxima de 70%.
Ricardo Reis, o
economista que é único português com uma intervenção prevista no Fórum do BCE
deste ano, também está entre os que têm vindo a defender que a reacção dos
bancos centrais foi demasiado lenta e que isso torna a sua tarefa agora muito
mais delicada.
Os responsáveis
dos bancos centrais têm vindo, é claro, a defender-se dessas críticas, algo que
deverão continuar a fazer em Sintra. O seu principal argumento continua a ser o
de que, por trás da subida dos preços dos últimos meses, estão factores que
podem ser temporários, como a pressão criada pela guerra no mercado petrolífero
ou os constrangimentos provocados pela pandemia.
Se se assumir que
as causas para a inflação alta são de facto temporárias (embora muito mais
persistentes do que era previsto inicialmente pelos bancos centrais), então os
bancos centrais não têm tantas razões para serem agressivos e rápidos nas
subidas das taxas de juro, desde que assegurem que não se concretizam os
chamados “efeitos de segunda ordem” na inflação, como uma subida forte dos
salários.
Ainda esta
semana, o presidente da Reserva Federal tentou passar a mensagem de que um
cenário económico muito negativo nos próximos dois anos não é inevitável. Na
sua última audição no Congresso, onde foi alvo de críticas tanto de
Republicanos como de Democratas pela forma como está a gerir a subida da
inflação, Jerome Powell afirmou que “a economia norte-americana está muito
forte e bem posicionada para lidar com uma política monetária mais apertada”.
“Não estamos a tentar provocar, e penso que não iremos precisar de provocar,
uma recessão”, disse.
De facto, até
agora, nos EUA a evolução da economia está a dar poucos sinais negativos,
nomeadamente no que diz respeito ao mercado de trabalho, com a taxa de
desemprego a ficar-se pelos 3,6% em Maio e os salários a crescerem a um ritmo
elevado. O problema é que esse comportamento dos salários é um dos motivos que
leva a Fed a estar agora a acelerar ainda mais a subida das taxas de juro.
Neste momento, a
expectativa nos mercados é que, depois da subida das taxas de 0,75 pontos
percentuais feita há menos de duas semanas, a Fed repita a medida em Julho,
colocando este indicador já na casa dos 3,5% no final do ano.
Receios de nova
crise da dívida
Na zona euro,
espera-se uma evolução mais moderada das taxas de juro do BCE: a seguir à já
anunciada primeira subida de taxas de 0,25 pontos percentuais em Julho, a
expectativa é de uma nova subida em Setembro da mesma dimensão ou de 0,5 pontos
percentuais, com mais alguns movimentos semelhantes até ao fim do ano.
Como tem dito
Christine Lagarde, o BCE tenta dar mostras de não estar “em modo de pânico”, e
isso deve-se essencialmente ao facto de, na zona euro, os sinais de existência
de efeitos de segunda ordem muito fortes, como o aumento de salários, serem
ainda relativamente reduzidos.
Isso dá ao banco
com sede em Frankfurt um espaço de manobra adicional, em comparação com a Fed,
para tentar proceder a uma subida das taxas de juro sem lançar a economia para
a recessão. No entanto, a guerra na Ucrânia não ajuda, e logo no primeiro
trimestre a maior parte das economias da zona euro deu mostras de estar a
abrandar, um fenómeno que se poderá acentuar no segundo trimestre.
Para além disso,
o BCE tem outra dificuldade adicional para enfrentar nesta sua tarefa de
assegurar uma aterragem suave da economia. Ao contrário do que acontece nos
EUA, na zona euro continua-se a assistir a um risco de fragmentação nos custos
de financiamento dos seus Estados-membros.
Assim que ficou
evidente que o BCE iria retirar rapidamente os seus apoios à economia, não só
subindo taxas de juro como deixando de efectuar compras líquidas de títulos de
dívida pública, as taxas de juro da dívida dos países periféricos, como
Portugal, Itália, Espanha e Grécia, voltaram a subir mais rapidamente do que as
dos países do centro, como a Alemanha.
Foi um fenómeno
que fez de imediato regressar os receios de uma nova crise da dívida soberana
na zona euro semelhante à vivida no início da década passada. E, por isso,
poucos dias depois de anunciar a subida das taxas de juro e o fim das compras
líquidas de dívida, o BCE realizou uma reunião extraordinária de onde saiu a
garantia, dirigida sobretudo aos mercados, de que irá, caso seja necessário,
dar aos países onde as taxas de juro da dívida subam mais, todo o apoio que for
preciso, nomeadamente através da compra dos seus títulos de dívida.
É uma
peculiaridade da zona euro que torna ainda mais delicado o processo de
normalização da política monetária, ou de aterragem da economia, ao fim de
muitos anos de taxas de juro muito baixas e de outras medidas fortemente expansionistas.
MONETARY POLICY
ECB in Sintra
looking for formula for a soft landing
Economists and central bank leaders will meet again this
Monday in Sintra to discuss the paths that should be followed by monetary
policy. Fighting inflation without causing a recession is the challenge of the
moment.
Sergio Hannibal
June 27, 2022,
6:17
Back after two
years of interregnum because of the pandemic, the leaders of the world's major
central banks will arrive in the peaceful environment of Penha Longa with a
great reason for nervousness: how will they be able to halt the current rise in
inflation without throwing the economy into recession?
The Annual Forum
of the European Central Bank (ECB), which brings together economists and
central bankers to discuss the major challenges of monetary policy, begins this
Monday in Sintra and the theme that will dominate the discussions will
undoubtedly be how the end of the era of low inflation rates and cheap money
has to be managed.
In addition to
the main heads of the eurozone's monetary authority, leaders of other central
banks, such as Jerome Powell, president of the US Federal Reserve, or Andrew
Bailey, governor of the Bank of England, are also expected to participate. All
of them are putting in place - or about to start - a cycle of accelerated rise
in interest rates, the way they have to try to control the sharp rise in
inflation that has been seen since the last year, with a sharp worsening after
the start of the war in Ukraine.
Last week, the
U.S. Federal Reserve raised its benchmark interest rate by 0.75 percentage
points, the biggest jump in 28 years. And the ECB earlier this month announced
that at its meeting in July it will start raising its interest rates after eleven
years.
The risk of an
uncontrolled landing
Rising interest
rates are, in the face of a price hike that has put the inflation rate above 8%
in May, both in the euro zone and in the United States of America, an
unsurprising option, as it is the traditional way used by central banks to cool
consumption and investment, in the hope that this will eventually be reflected
in a more moderate price development.
The question is,
in this price cooling effort, the appropriate pace and size of the rate hike,
to counter inflation, without at the same time creating the conditions for a
deep recession. It is, in the language generally used in economic policy, the
challenge of ensuring a smooth landing of the economy.
For now, in the
markets, doubts about the ability of central banks to do this are clear. The
stock exchanges have been recording losses in their indexes since the beginning
of the year and the reason is precisely in the fear of a contraction of the
economies that lower the value of listed companies.
Several
economists - and some of them will be present at the ECB's forum in Sintra -
say the risk of an uncontrolled landing of economies is now quite high because
central banks have spent too long to react to rising inflation.
This now forces
them to raise interest rates more sharply and probably go further at the
maximum level reached, hurting the economy. And in an even more worrying
scenario, the hypothesis is also that the rise in interest rates will not be
fully effective against rising inflation (because it is ore to supply factors
rather than demand), which would mean that inflation could be stifled, where
high inflation and recession would remain at the same time.
In the United
States, Lawrence Summers, who was one of the first to warn the Fed just last
year about the need to start taking action against inflation, published a study
(in partnership with Alex Domash) in which, looking at past periods of high
inflation, it concludes that when inflation is above 5% and the unemployment
rate below 4%, as is currently the case,
the probability of the U.S. economy going into recession over the next two
years is close to 70%.
Ricardo Reis, the
economist who is the only Portuguese with an intervention planned at this
year's ECB Forum, is also among those who have been advocating that the
reaction of central banks has been too slow and that this makes their task now
much more delicate.
Central bank
leaders have, of course, been defending themselves against these criticisms,
something they should continue to do in Sintra. Its main argument remains that,
behind the rise in prices in recent months, there are factors that may be
temporary, such as the pressure created by the war on the oil market or the
constraints caused by the pandemic.
If the causes for
high inflation are de facto temporary (although much more persistent than
originally predicted by central banks), then central banks do not have as much
reason to be aggressive and rapid in raising interest rates, provided that they
ensure that the so-called "second-order effects" on inflation are not
realised, as a sharp rise in wages.
Just this week,
the President of the Federal Reserve tried to send the message that a very negative
economic scenario in the next two years is not inevitable. At his last
congressional hearing, where he was criticized by both Republicans and
Democrats for the way he is managing rising inflation, Jerome Powell said that
"the U.S. economy is very strong and well positioned to handle tighter
monetary policy." "We are not trying to provoke, and I don't think we
will need to cause a recession," he said.
Indeed, so far in
the US, developments in the economy are showing few negative signals,
particularly with the labour market, with the unemployment rate rising by 3.6%
in May and wages rising at a high rate. The problem is that this wage behavior
is one of the reasons why the Fed is now accelerating interest rates further.
At the moment,
the expectation in the markets is that, after the rate hike of 0.75 percentage
points made less than two weeks ago, the Fed will repeat the measure in July,
putting this indicator already at around 3.5% at the end of the year.
Fears of new debt
crisis
In the euro zone,
a more moderate evolution of the ECB's interest rates is expected: following
the already announced first rate hike of 0.25 percentage points in July, the
expectation is for a further rise in September of the same size or 0.5
percentage points, with a few more similar movements by the end of the year.
As Christine
Lagarde has said, the ECB is trying to show that it is not "in a panic
mode", and this is mainly due to the fact that in the euro area the signs
of very strong second-order effects, such as wage increases, are still
relatively low.
This gives the
Frankfurt-based bank additional room for manoeuvre, compared to the Fed, to try
to raise interest rates without throwing the economy into recession. However,
the war in Ukraine does not help, and in the first quarter most of the
eurozone's economies showed to be slowing down, a phenomenon that could be
accentuated in the second quarter.
In addition, the
ECB has another additional difficulty in meeting its task of ensuring a smooth
landing of the economy. Unlike in the US, in the euro area there is still a
risk of fragmentation in the financing costs of its Member States.
As soon as it
became apparent that the ECB would quickly withdraw its support for the
economy, not only by raising interest rates but by failing to make net
purchases of government bonds, the interest rates on the debt of peripheral
countries such as Portugal, Italy, Spain and Greece rose again faster than
those of the central countries, like
Germany.
It was a
phenomenon that immediately raised fears of a new sovereign debt crisis in the
euro zone similar to that experienced at the beginning of the last decade. And
so, a few days after announcing the rise in interest rates and the end of net
debt purchases, the ECB held an extraordinary meeting of which the guarantee
came out, addressed mainly to the markets, that it will, if necessary, give
countries where debt interest rates rise the most, all the support it
needs, purchase of their debt
securities.
It is a
peculiarity of the euro zone that makes the process of normalising monetary
policy, or landing the economy, even more delicately, after many years of very
low interest rates and other strongly expansionary measures.
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