quinta-feira, 3 de junho de 2021

Retrato de um país ameaçado pelo marasmo

 



EDITORIAL

Retrato de um país ameaçado pelo marasmo

 

A queda de 17% dos salários dos portugueses licenciados entre os 25 e os 34 anos no decorrer da década passada é a prova acabada de que Portugal não só está a passar ao lado do presente, como está a pôr gravemente em risco as suas perspectivas de um bom futuro.

 

Manuel Carvalho

2 de Junho de 2021, 22:00

https://www.publico.pt/2021/06/02/economia/editorial/retrato-pais-ameacado-marasmo-1965113

 

Há estudos que deviam provocar no país um estado de sobressalto, de indignação e de vontade profunda de mudar. O que a Fundação José Neves divulgou é um desses casos. Pelas suas conclusões, ficámos a perceber as razões pelas quais Portugal coexiste com a avaliação de suficiente menos, em paz com décadas de estagnação económica, indiferente ao tratamento que é dado à geração mais qualificada de sempre. A queda de 17% dos salários dos portugueses licenciados entre os 25 e os 34 anos no decorrer da década passada é a prova acabada de que Portugal não só está a passar ao lado do presente, como está a pôr gravemente em risco as suas perspectivas de um bom futuro.

 

Não é difícil encontrar causas que justifiquem este absurdo. Os anos do ajustamento da troika comprimiram a economia. O caldo de cultura que está na base das desigualdades continuou a comprometer a redistribuição. A força dos interesses instalados manteve o eixo das prioridades políticas na protecção da função pública sem olhar para a criação da riqueza que pode melhorar a sua condição. A resistência de modelos de gestão arcaica privilegia os baixos salários em detrimento das competências dos licenciados ou doutorados, apesar dos excelentes sinais dos últimos anos. Os governos preferiram acolher sectores protegidos e próximos do poder do que estimular a concorrência, o risco e a iniciativa.

 

Portugal tem sido um país que não consegue acompanhar o crescimento dos países europeus com estágios de desenvolvimento comparável por causa desta letargia e desta incapacidade de mudar. A factura desse imobilismo conservador vê-se na baixa geral dos salários e em particular nos salários dos jovens qualificados ou na discrepância entre as remunerações de homens e mulheres. O custo dessa cristalização mede-se no crónico desequilíbrio das contas públicas, mas também no alheamento dos jovens da política ou na emigração dos mais ousados ou talentosos. 

 

Agora que se discute um novo ciclo com a oportunidade da “bazuca” europeia e dos fundos estruturais, é importante reflectir a realidade destes números. E a reflexão só valerá a pena se evitar desculpas conformistas e aceitar que o modelo económico não reflecte os actuais níveis de qualificação, a ciência que o país produz ou as empresas de ponta que lhe sobreviveram. Olhando para a nova geração, uma legião de pessoas qualificadas e cada vez mais mal pagas, percebe-se a hipoteca do futuro. Sem uma economia e uma atitude colectiva que os retire da frustração ou até do ressentimento, dificilmente se evitarão mais 30 anos de imobilismo e empobrecimento. A realidade política frágil, dogmática e bloqueada não deixa, infelizmente, muitas pistas para o optimismo.

 

tp.ocilbup@ohlavrac.leunam

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