EDITORIAL
Retrato de um país ameaçado pelo marasmo
A queda de 17% dos salários dos portugueses licenciados
entre os 25 e os 34 anos no decorrer da década passada é a prova acabada de que
Portugal não só está a passar ao lado do presente, como está a pôr gravemente
em risco as suas perspectivas de um bom futuro.
Manuel Carvalho
2 de Junho de
2021, 22:00
https://www.publico.pt/2021/06/02/economia/editorial/retrato-pais-ameacado-marasmo-1965113
Há estudos que
deviam provocar no país um estado de sobressalto, de indignação e de vontade
profunda de mudar. O que a Fundação José Neves divulgou é um desses casos.
Pelas suas conclusões, ficámos a perceber as razões pelas quais Portugal
coexiste com a avaliação de suficiente menos, em paz com décadas de estagnação
económica, indiferente ao tratamento que é dado à geração mais qualificada de
sempre. A queda de 17% dos salários dos portugueses licenciados entre os 25 e
os 34 anos no decorrer da década passada é a prova acabada de que Portugal não
só está a passar ao lado do presente, como está a pôr gravemente em risco as
suas perspectivas de um bom futuro.
Não é difícil
encontrar causas que justifiquem este absurdo. Os anos do ajustamento da troika
comprimiram a economia. O caldo de cultura que está na base das desigualdades
continuou a comprometer a redistribuição. A força dos interesses instalados
manteve o eixo das prioridades políticas na protecção da função pública sem
olhar para a criação da riqueza que pode melhorar a sua condição. A resistência
de modelos de gestão arcaica privilegia os baixos salários em detrimento das
competências dos licenciados ou doutorados, apesar dos excelentes sinais dos
últimos anos. Os governos preferiram acolher sectores protegidos e próximos do
poder do que estimular a concorrência, o risco e a iniciativa.
Portugal tem sido
um país que não consegue acompanhar o crescimento dos países europeus com
estágios de desenvolvimento comparável por causa desta letargia e desta
incapacidade de mudar. A factura desse imobilismo conservador vê-se na baixa
geral dos salários e em particular nos salários dos jovens qualificados ou na
discrepância entre as remunerações de homens e mulheres. O custo dessa
cristalização mede-se no crónico desequilíbrio das contas públicas, mas também
no alheamento dos jovens da política ou na emigração dos mais ousados ou
talentosos.
Agora que se
discute um novo ciclo com a oportunidade da “bazuca” europeia e dos fundos
estruturais, é importante reflectir a realidade destes números. E a reflexão só
valerá a pena se evitar desculpas conformistas e aceitar que o modelo económico
não reflecte os actuais níveis de qualificação, a ciência que o país produz ou
as empresas de ponta que lhe sobreviveram. Olhando para a nova geração, uma
legião de pessoas qualificadas e cada vez mais mal pagas, percebe-se a hipoteca
do futuro. Sem uma economia e uma atitude colectiva que os retire da frustração
ou até do ressentimento, dificilmente se evitarão mais 30 anos de imobilismo e
empobrecimento. A realidade política frágil, dogmática e bloqueada não deixa,
infelizmente, muitas pistas para o optimismo.
tp.ocilbup@ohlavrac.leunam
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