segunda-feira, 26 de setembro de 2022

A boa e a má moeda de Carlos Moedas

 


OPINIÃO

A boa e a má moeda de Carlos Moedas

 

A teoria da boa e da má moeda adaptada aos políticos aplica-se também a Carlos Moedas. Um ano após as eleições, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa não conseguiu expulsar a sua própria má moeda.

 

Manuel Portugal Lage

26 de Setembro de 2022, 11:30

https://www.publico.pt/2022/09/26/opiniao/opiniao/boa-ma-moeda-carlos-moedas-2021840

 

A Lei de Gresham ficou popularizada no nosso país quando Cavaco Silva a aplicou à política, num artigo de opinião publicado num semanário de referência. Ora, dizia então o ex-primeiro-ministro e ex-presidente da República que se assistia a uma degradação da qualidade dos agentes políticos nacionais, quer em termos da sua credibilidade quer da sua competência e capacidade para gerir os destinos do país.

 

Cavaco transportou assim para a vida política nacional uma das leis da economia. O enunciado era simples: tal como a má moeda expulsa a boa moeda, os políticos competentes devem afastar os incompetentes.

 

Um ano volvido sobre as eleições autárquicas e com “Novo Tempos” a governar a cidade de Lisboa, é mais que tempo - recuperando a sugestão do Professor (que esteve presente na posse do executivo municipal lisboeta) - para vermos se estes tempos de Carlos Moedas são da boa ou da má moeda.

 

Temos já um quarto do mandato autárquico, período de tempo suficiente para concretizar esta análise. A Câmara Municipal de Lisboa tem atualmente um presidente que passeia pela cidade, que discursa em toda e qualquer ocasião, que anuncia programas e medidas com pompa e circunstância, que cumprimenta calorosamente, que tira selfies com a mesma cadência e voracidade que um outro presidente do qual é um protegido político.

 

Quase que se pode dizer - com o respeito que estarmos em campos políticos diferentes não apaga - que Carlos Moedas é uma nova atração turística na cidade. Tudo o que ajude ao desenvolvimento económico da cidade é, obviamente, bem-vindo.

 

Mesmo no calor do debate político que tem lugar na Assembleia Municipal de Lisboa e nas (poucas) vezes que tem estado presente, reconhece-se que o presidente da autarquia tem sabido manter uma postura de cordialidade e simpatia. São características pouco habituais no relacionamento entre atores políticos.

 

Este é o “bom” Moedas. Que é também a boa moeda da teoria enunciada por Cavaco.

 

Mas há o reverso da medalha, neste caso da moeda. E aí destacam-se a incapacidade de decisão em diversos dossiers, a incapacidade da construção de pontes com as restantes forças políticas da cidade e uma certa propensão para a vitimização.

 

Exemplo não faltam de falta de diálogo. Recorde-se quando Carlos Moedas não conseguiu encontrar uma ponte de diálogo com o Partido Socialista para aprovar o orçamento municipal e ao fim de 12 horas de reunião de câmara deixou os vereadores sozinhos e acabou a discutir o tema na televisão, num exercício demagógico de vitimização que foi bastante confrangedor.

 

Outro episódio que ficou na memória de todos verificou com o seu próprio partido. Depois de o PS viabilizar aditamentos ao contrato-programa de mais de 42 milhões de euros da Sociedade de Reabilitação Urbana – importante, porque viabiliza uma série de obras importantes para a cidade – foi o próprio PSD a impedir a sua aprovação inicial, naquilo que só pode ser entendido como falta de diálogo prévio mesmo com a formação política que lhe está mais próxima.

 

Recordemo-nos ainda da incapacidade de decisão sobre as ciclovias. Do “são para acabar” até ao atual retirar das propostas de alteração porque “o tema é demasiado relevante para jogos partidários”, o trajeto tem sido sinuoso e inusitado.

 

E há também as indefinições e atrasos com as Jornadas Mundiais da Juventude, que até já levou à mudança responsável de entre os membros do executivo autárquico. Ou a inoperância em áreas como o urbanismo (onde ainda havia muitas e sonantes promessas), passando também pelo estado verdadeiramente lastimável a que chegou a higiene urbana de Lisboa.

 

Poderia dar outros exemplos, mas estes são já suficientes para ilustrar como tem sido a gestão dos assuntos da cidade que tem sido levada a cabo por Carlos Moedas. E perante a crítica, a resposta tem sido frequentemente que “ninguém fez tanto por este assunto como eu”, o que não só revela alguma falta de humildade, como é uma explicação desastrosa face aos resultados que têm sido alcançados.

 

A Câmara Municipal de Lisboa precisa de alguém que decida, precisa de liderança. A cidade precisa de um presidente que, mesmo perante adversidades, resolva os problemas dos lisboetas.

 

A Câmara Municipal de Lisboa precisa de alguém que decida, precisa de liderança

 

Lisboa não precisa de um líder do executivo municipal que se refugie na comunicação social e nas desculpas com a gestão política do passado. Lisboa não pode, como tem acontecido ultimamente, ser gerida de fora para dentro, com base em critérios de popularidade nas redes sociais.

 

Não apoiei Carlos Moedas, defendi um projeto político diferente para Lisboa, o projeto do PS de aposta numa cidade onde desenvolvimento económico, sustentabilidade, solidariedade e qualidade de vida eram as palavras-chave. Mas defendo sempre Lisboa acima de tudo.

 

Carlos Moedas tem duas moedas: a boa e a má. E a má suplanta claramente a outra face.

 

Aderindo à tese do Professor Cavaco Silva, “por interesse próprio e também por dever patriótico, cabe às elites profissionais contribuírem para afastar da vida partidária portuguesa a sugestão da Lei de Gresham, isto é, contribuírem para que os políticos competentes possam afastar os incompetentes”. Agora que está retomada a atividade política na cidade no pós-férias e estando passado um ano das últimas eleições autárquicas, seria desejável para Lisboa e para os Lisboetas que a moeda boa de Moedas consiga sobrepor-se à sua moeda má.

 

Os “Novos Tempos” prometidos transformaram-se nos “tempos que temos” e esta mudança de slogan não traz bons augúrios. Restam-nos ainda três anos de gestão autárquica de Carlos Moedas e, dada a amostra, é legítima a preocupação pelo estado em que Lisboa estará nessa altura.

 

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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