PATRIMÓNIO
Novo projecto para a Sé de Lisboa está aprovado e obras
recomeçam no início de 2022
Director-geral do Património apresentou alterações ao
projecto e disse que ele protege a maioria dos vestígios arqueológicos
islâmicos. Arqueólogas que coordenam a escavação dizem ainda não ter visto a
nova versão.
João Pedro Pincha
e Lucinda Canelas
29 de Novembro de
2021, 21:44
A obra está parada desde Fevereiro, revelou João Carlos
Santos
O Conselho
Nacional de Cultura (CNC) já aprovou a nova versão do projecto de valorização
das ruínas arqueológicas da Sé de Lisboa e as obras devem recomeçar “no início
de 2022”, garantiu esta segunda-feira o director-geral do Património Cultural
(DGPC). João Carlos Santos afirmou que só falta chegar a acordo com o
empreiteiro e pôs de parte novas alterações ao projecto: “Já fizemos tudo para
preservar ao máximo estes vestígios arqueológicos.”
Depois da
controvérsia que se gerou há um ano, quando a DGPC foi acusada de ordenar a
destruição de vestígios islâmicos no claustro da sé, o arquitecto Adalberto
Dias foi encarregado de desenhar a terceira versão do projecto museológico para
aquele espaço. A nova proposta foi apresentada esta segunda-feira em
conferência de imprensa, na qual João Carlos Santos revelou também que a Secção
do Património Arquitectónico e Arqueológico (SPAA) do CNC “entendeu aceitar a
proposta de revisão do projecto” e que, a 13 de Outubro, começou “o diálogo e a
negociação com o empreiteiro” com vista à retoma dos trabalhos, suspensos desde
Fevereiro.
A nova versão do
edifício que será construído junto ao muro do lado sul, virado à Rua das Cruzes
da Sé, prevê uma “diminuição significativa” das áreas anteriormente previstas,
disse Adalberto Dias. “O espaço museológico [desenhado para o piso -2]
desaparece na totalidade” e “no piso -1 corrige-se o percurso”, explicou o
arquitecto, afirmando que quase todos os vestígios arqueológicos descobertos
nessa zona vão permanecer intactos no local em que se encontram.
Mas algumas
estruturas serão mesmo demolidas, admitiu João Carlos Santos. Um muro que está
no local onde vão ser construídas as escadas entre os dois pisos do edifício, e
que “já foi parcialmente desmontado”, é um deles. Outro muro e uma estrutura
que se pensa ser uma antiga conduta de água também serão sujeitos à chamada
“salvaguarda pelo registo” – passarão a existir apenas em textos, fotografias,
desenhos e outros documentos.
O director-geral
disse que a nova proposta “apresenta uma solução de compromisso entre a
necessidade de reforço estrutural da ala sul do claustro, de modo a viabilizar
o seu encerramento e reconstrução dos elementos arquitectónicos desmontados, e
a preservação in situ do maior número de estruturas associadas aos edifícios
islâmicos ali identificados”. A necessidade de criar uma área técnica, escadas
e um elevador faz com que não se possa preservar tudo o que foi encontrado,
disse João Carlos Santos, acrescentando: “Nós achamos que o projecto está a
ficar cada vez melhor.”
Contactada pelo PÚBLICO, a direcção científica de
arqueologia, que está a cargo das arqueólogas da DGPC Ana Gomes e Alexandra
Gaspar, afirmou que “desconhece o novo projecto”.
Jacinta Bugalhão,
uma das vozes mais activas no movimento de contestação que acabou por conduzir
à suspensão da obra e à revisão do projecto, teve acesso à nova proposta de
Adalberto Dias apenas “oficiosamente”, já que não houve qualquer apresentação
pública anterior a esta segunda-feira, para jornalistas.
Ainda assim, a
manterem-se as estruturas previstas nos documentos que lhe chegaram às mãos,
esta arqueóloga com larga experiência de escavação em Lisboa não esconde a sua
indignação: “Continua a haver um impacto muito destrutivo nos vestígios que
terão pertencido a dependências, anexos, da mesquita aljama de Lisboa, e
continua a haver um piso construído sobre as estruturas que, em grande parte,
as tornará invisíveis aos visitantes. Porquê? Não se sabe.”
À hora em que
decorria a conferência no Palácio da Ajuda, a DGPC divulgou por fim os três
pareceres que a SPAA pediu no ano passado aos arqueólogos Santiago Macias, Rosa
e Mário Varela Gomes e Felix Arnold. Embora discordando da hipótese de os
vestígios terem pertencido à antiga mesquita aljama, os pareceres foram
unânimes quanto à necessidade da sua preservação.
Permanece por
divulgar o parecer que foi pedido ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil
(LNEC) segundo o qual, de acordo com um comunicado da DGPC emitido em Janeiro,
a Sé apresenta “uma vulnerabilidade sísmica excessiva”, o que obriga a uma
actuação “urgente”. De acordo com o director-geral do Património, esse parecer
“ainda é preliminar”, apesar de terem passado já dez meses, e “está
classificado como confidencial”. João Carlos Santos disse não saber quando
chegará a versão final e comprometeu-se a pedir autorização ao LNEC para o
tornar público. Nestes meses em que a obra tem estado parada, “há uma
monitorização constante da estrutura do claustro”.
Jacinta Bugalhão
lamenta ainda que na conferência desta segunda-feira não se tenha ouvido
arqueólogo algum defender o projecto que, sublinha, se mantém “envolvido numa
cortina de fumo”.
“Não estiveram lá
as duas arqueólogas responsáveis pela escavação na Sé, nem o historiador e o
arqueólogo que foram os relatores do parecer da SPAA, o documento em que a DGPC
apoia a decisão de avançar com esta nova versão. Eu ficaria mais descansada
quanto ao projecto se qualquer um deles fosse ali defendê-lo. E é muito estranho
que nenhum tenha ido.”
Os relatores da
apreciação do projecto no âmbito da SPAA são Elísio Summavielle,
ex-director-geral do Património e autor de uma monografia sobre a Sé de Lisboa,
editada nos anos 1980, e o arqueólogo João Pedro Cunha Ribeiro, professor de
Arqueologia e de Pré-História na Universidade de Lisboa. Estava prevista a
sua presença na conferência de imprensa, mas nenhum dos dois compareceu.
Presentes, mas em silêncio, estiveram o engenheiro Aníbal Costa, coordenador do
projecto de estabilidade, e o cónego Francisco Tito, deão do Cabido da Sé.
Soluções hábeis
Ao PÚBLICO, Cunha
Ribeiro alegou “obrigação de reserva” para não se pronunciar sobre a decisão da
SPAA – “não comento decisões do Conselho [Nacional de Cultura] fora do
Conselho” –, mas fez questão de dizer que se recusa a alimentar “guerras que
têm mais a ver com interesses corporativos do que com o património”.
Já sem a data na
memória, Elísio Summavielle garantiu ao PÚBLICO que a SPAA se inteirou da nova
versão do projecto “antes do Verão, quando Bernardo Alabaça era ainda o
director-geral do Património”. Adalberto Dias e o engenheiro Aníbal Costa
apresentaram-na aos membros desta secção do Conselho Nacional de Cultura, que a
aprovou “por unanimidade”.
“A SPAA entendeu
que a nova versão do projecto do arquitecto Adalberto Dias deixa devidamente
protegido e assinalado o que importa proteger”, continua Summavielle, hoje
presidente do Centro Cultural de Belém, revelando que não há consenso dentro
desta secção quanto à natureza dos vestígios. “A SPAA entendeu que, pertencendo
ao complexo da mesquita ou não, tinham de ser salvaguardados e este projecto
consegue isso. Foram encontradas soluções hábeis, com um contributo muito
importante da engenharia, para proteger o que ali está e garantir a
estabilidade da Sé. Esta nova versão é mais exigente, e também mais
sofisticada, na parte da construção.”
O parecer da
SPAA, secção do órgão consultivo do Governo para a área da Cultura, não tem valor
vinculativo, explica Summavielle, mas “informa as decisões da DGPC”. “O
arquitecto João Carlos Santos pode decidir com base neste parecer, mas também
pode convocar os serviços da própria DGPC para tomar uma decisão. Fica ao seu
critério”, acrescenta o antigo director-geral.
“Estamos a
mostrar mais um terço do que era a área escavada”, disse João Carlos Santos. Em
resposta às críticas que arqueólogos e associações patrimoniais fizeram à DGPC
nos últimos meses, declarou: “Nós estamos aqui para a defesa do património!”
Ainda não há uma
previsão para a totalidade dos custos da obra, mas o orçamento inicial de 4,1
milhões de euros – dois milhões provenientes de fundos europeus – está
largamente ultrapassado. “Só em trabalhos complementares na área da arqueologia
já vamos em 500 mil euros”, disse Santos, admitindo que ainda não sabe como vai
financiar os trabalhos que faltam. Quanto a prazos, a previsão é que a obra
esteja concluída “no terceiro trimestre de 2022”.
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