terça-feira, 30 de novembro de 2021

Novo projecto para a Sé de Lisboa está aprovado e obras recomeçam no início de 2022

 


PATRIMÓNIO

Novo projecto para a Sé de Lisboa está aprovado e obras recomeçam no início de 2022

 

Director-geral do Património apresentou alterações ao projecto e disse que ele protege a maioria dos vestígios arqueológicos islâmicos. Arqueólogas que coordenam a escavação dizem ainda não ter visto a nova versão.

 

João Pedro Pincha e Lucinda Canelas

29 de Novembro de 2021, 21:44

https://www.publico.pt/2021/11/29/culturaipsilon/noticia/novo-projecto-lisboa-aprovado-obras-arrancam-inicio-2022-1986873

 

A obra está parada desde Fevereiro, revelou João Carlos Santos

 

O Conselho Nacional de Cultura (CNC) já aprovou a nova versão do projecto de valorização das ruínas arqueológicas da Sé de Lisboa e as obras devem recomeçar “no início de 2022”, garantiu esta segunda-feira o director-geral do Património Cultural (DGPC). João Carlos Santos afirmou que só falta chegar a acordo com o empreiteiro e pôs de parte novas alterações ao projecto: “Já fizemos tudo para preservar ao máximo estes vestígios arqueológicos.”

 

Depois da controvérsia que se gerou há um ano, quando a DGPC foi acusada de ordenar a destruição de vestígios islâmicos no claustro da sé, o arquitecto Adalberto Dias foi encarregado de desenhar a terceira versão do projecto museológico para aquele espaço. A nova proposta foi apresentada esta segunda-feira em conferência de imprensa, na qual João Carlos Santos revelou também que a Secção do Património Arquitectónico e Arqueológico (SPAA) do CNC “entendeu aceitar a proposta de revisão do projecto” e que, a 13 de Outubro, começou “o diálogo e a negociação com o empreiteiro” com vista à retoma dos trabalhos, suspensos desde Fevereiro.

 

A nova versão do edifício que será construído junto ao muro do lado sul, virado à Rua das Cruzes da Sé, prevê uma “diminuição significativa” das áreas anteriormente previstas, disse Adalberto Dias. “O espaço museológico [desenhado para o piso -2] desaparece na totalidade” e “no piso -1 corrige-se o percurso”, explicou o arquitecto, afirmando que quase todos os vestígios arqueológicos descobertos nessa zona vão permanecer intactos no local em que se encontram.

 

Mas algumas estruturas serão mesmo demolidas, admitiu João Carlos Santos. Um muro que está no local onde vão ser construídas as escadas entre os dois pisos do edifício, e que “já foi parcialmente desmontado”, é um deles. Outro muro e uma estrutura que se pensa ser uma antiga conduta de água também serão sujeitos à chamada “salvaguarda pelo registo” – passarão a existir apenas em textos, fotografias, desenhos e outros documentos.

 

O director-geral disse que a nova proposta “apresenta uma solução de compromisso entre a necessidade de reforço estrutural da ala sul do claustro, de modo a viabilizar o seu encerramento e reconstrução dos elementos arquitectónicos desmontados, e a preservação in situ do maior número de estruturas associadas aos edifícios islâmicos ali identificados”. A necessidade de criar uma área técnica, escadas e um elevador faz com que não se possa preservar tudo o que foi encontrado, disse João Carlos Santos, acrescentando: “Nós achamos que o projecto está a ficar cada vez melhor.”

 

Contactada pelo PÚBLICO, a direcção científica de arqueologia, que está a cargo das arqueólogas da DGPC Ana Gomes e Alexandra Gaspar, afirmou que “desconhece o novo projecto”.

 

Jacinta Bugalhão, uma das vozes mais activas no movimento de contestação que acabou por conduzir à suspensão da obra e à revisão do projecto, teve acesso à nova proposta de Adalberto Dias apenas “oficiosamente”, já que não houve qualquer apresentação pública anterior a esta segunda-feira, para jornalistas.

 

Ainda assim, a manterem-se as estruturas previstas nos documentos que lhe chegaram às mãos, esta arqueóloga com larga experiência de escavação em Lisboa não esconde a sua indignação: “Continua a haver um impacto muito destrutivo nos vestígios que terão pertencido a dependências, anexos, da mesquita aljama de Lisboa, e continua a haver um piso construído sobre as estruturas que, em grande parte, as tornará invisíveis aos visitantes. Porquê? Não se sabe.”

 

À hora em que decorria a conferência no Palácio da Ajuda, a DGPC divulgou por fim os três pareceres que a SPAA pediu no ano passado aos arqueólogos Santiago Macias, Rosa e Mário Varela Gomes e Felix Arnold. Embora discordando da hipótese de os vestígios terem pertencido à antiga mesquita aljama, os pareceres foram unânimes quanto à necessidade da sua preservação.

 

Permanece por divulgar o parecer que foi pedido ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) segundo o qual, de acordo com um comunicado da DGPC emitido em Janeiro, a Sé apresenta “uma vulnerabilidade sísmica excessiva”, o que obriga a uma actuação “urgente”. De acordo com o director-geral do Património, esse parecer “ainda é preliminar”, apesar de terem passado já dez meses, e “está classificado como confidencial”. João Carlos Santos disse não saber quando chegará a versão final e comprometeu-se a pedir autorização ao LNEC para o tornar público. Nestes meses em que a obra tem estado parada, “há uma monitorização constante da estrutura do claustro”.

 

Jacinta Bugalhão lamenta ainda que na conferência desta segunda-feira não se tenha ouvido arqueólogo algum defender o projecto que, sublinha, se mantém “envolvido numa cortina de fumo”.

 

“Não estiveram lá as duas arqueólogas responsáveis pela escavação na Sé, nem o historiador e o arqueólogo que foram os relatores do parecer da SPAA, o documento em que a DGPC apoia a decisão de avançar com esta nova versão. Eu ficaria mais descansada quanto ao projecto se qualquer um deles fosse ali defendê-lo. E é muito estranho que nenhum tenha ido.”

 

Os relatores da apreciação do projecto no âmbito da SPAA são Elísio Summavielle, ex-director-geral do Património e autor de uma monografia sobre a Sé de Lisboa, editada nos anos 1980, e o arqueólogo João Pedro Cunha Ribeiro, professor de Arqueologia e de Pré-História na Universidade de Lisboa. Estava prevista a sua presença na conferência de imprensa, mas nenhum dos dois compareceu. Presentes, mas em silêncio, estiveram o engenheiro Aníbal Costa, coordenador do projecto de estabilidade, e o cónego Francisco Tito, deão do Cabido da Sé.

 

Soluções hábeis

Ao PÚBLICO, Cunha Ribeiro alegou “obrigação de reserva” para não se pronunciar sobre a decisão da SPAA ­– “não comento decisões do Conselho [Nacional de Cultura] fora do Conselho” –, mas fez questão de dizer que se recusa a alimentar “guerras que têm mais a ver com interesses corporativos do que com o património”.

 

Já sem a data na memória, Elísio Summavielle garantiu ao PÚBLICO que a SPAA se inteirou da nova versão do projecto “antes do Verão, quando Bernardo Alabaça era ainda o director-geral do Património”. Adalberto Dias e o engenheiro Aníbal Costa apresentaram-na aos membros desta secção do Conselho Nacional de Cultura, que a aprovou “por unanimidade”.

 

“A SPAA entendeu que a nova versão do projecto do arquitecto Adalberto Dias deixa devidamente protegido e assinalado o que importa proteger”, continua Summavielle, hoje presidente do Centro Cultural de Belém, revelando que não há consenso dentro desta secção quanto à natureza dos vestígios. “A SPAA entendeu que, pertencendo ao complexo da mesquita ou não, tinham de ser salvaguardados e este projecto consegue isso. Foram encontradas soluções hábeis, com um contributo muito importante da engenharia, para proteger o que ali está e garantir a estabilidade da Sé. Esta nova versão é mais exigente, e também mais sofisticada, na parte da construção.”

 

O parecer da SPAA, secção do órgão consultivo do Governo para a área da Cultura, não tem valor vinculativo, explica Summavielle, mas “informa as decisões da DGPC”. “O arquitecto João Carlos Santos pode decidir com base neste parecer, mas também pode convocar os serviços da própria DGPC para tomar uma decisão. Fica ao seu critério”, acrescenta o antigo director-geral.

 

“Estamos a mostrar mais um terço do que era a área escavada”, disse João Carlos Santos. Em resposta às críticas que arqueólogos e associações patrimoniais fizeram à DGPC nos últimos meses, declarou: “Nós estamos aqui para a defesa do património!”

 

Ainda não há uma previsão para a totalidade dos custos da obra, mas o orçamento inicial de 4,1 milhões de euros – dois milhões provenientes de fundos europeus – está largamente ultrapassado. “Só em trabalhos complementares na área da arqueologia já vamos em 500 mil euros”, disse Santos, admitindo que ainda não sabe como vai financiar os trabalhos que faltam. Quanto a prazos, a previsão é que a obra esteja concluída “no terceiro trimestre de 2022”.

Sem comentários: