ANÁLISE
A imaculada concepção do bloco central
António Costa já admitiu que o futuro podia estar no
“diálogo” com o PSD no próximo ciclo e está acompanhado por quadros históricos
do PS.
Ana Sá Lopes
28 de Novembro de
2021, 22:00
https://www.publico.pt/2021/11/28/politica/analise/imaculada-concepcao-bloco-central-1986727
A “geringonça”
morreu no dia 27 de Outubro – quando o Orçamento do Estado foi chumbado – e foi
enterrada este sábado, exactamente um mês depois, com a vitória de Rui Rio nas
directas do PSD.
Se o favoritismo
de António Costa nas sondagens continuar e o primeiro-ministro for outra vez
chamado a formar um Governo sem maioria absoluta (coisa que não conseguiu em
2019, quando o desgaste do poder era menor), sabe que tem em Rui Rio um aliado.
Na verdade, esta aliança estava escrita nas estrelas, desde os tempos em que
Rio e Costa, enquanto presidentes das câmaras do Porto e de Lisboa,
estabeleceram uma sólida relação de confiança.
A derrota de
Costa frente a Passos Coelho em 2015 e a formação (e posterior arrastamento) da
“geringonça” trocou as voltas a um projecto que muitos, in illo tempore,
consideraram natural depois de Rio ter chegado à liderança. Verdade seja dita
que Rio nunca escondeu ter como objectivo fazer acordos com o PS para as
“grandes reformas estruturais”. Agora, na campanha para as directas, foi mais
longe ao afirmar continuamente, em todas as entrevistas, que estava disponível
para garantir a governabilidade ao PS, caso os socialistas ganhassem as
eleições, esperando também o retorno – que o PS lhe garantisse a
governabilidade se o PSD fosse o partido mais votado mas sem maioria absoluta.
No primeiro caso,
les jeux sont faites: Rio e Costa, apesar dos amuos dos últimos tempos, dão-se
às mil maravilhas. O que está no horizonte não é um bloco central feito à
imagem de 1983-1985, quando Mário Soares era primeiro-ministro e Carlos Alberto
da Mota Pinto vice-primeiro-ministro – mas sim uma aliança parlamentar, aliás
sugerida logo pelo Presidente da República no discurso em que anunciou a
convocação das eleições antecipadas, quando recordou a sua experiência do tempo
em que era líder da oposição e viabilizou orçamentos do Governo Guterres.
António Costa já
admitiu que o futuro podia estar no “diálogo” com o PSD no próximo ciclo e está
acompanhado por quadros históricos do PS como o seu presidente, Carlos César,
Manuel Alegre e o presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues que revelou,
em entrevista ao Expresso, ter aconselhado António Costa a não ignorar o PSD.
Um problema maior
será o PS, caso saia derrotado das eleições de 30 de Janeiro, garantir a
governabilidade a um futuro Governo PSD. António Costa já disse que se demitia
de secretário-geral caso perdesse as eleições e o único – por agora – candidato
à sucessão no terreno, Pedro Nuno Santos, dificilmente aceitará alianças com o
PSD, já que o seu objectivo é reactivar, se for o próximo líder do PS, a
aliança de esquerda. Na história do PS, as abstenções violentas de António José
Seguro face ao Governo Passos Coelho marcaram negativamente o partido.
Rui Rio sai muito
reforçado destas eleições directas que não quis. Em 2014, António José Seguro
“inventou” as primárias no PS para contrariar a exigência de congresso pedida
por António Costa e acabou inopinadamente a dar um excepcional trunfo a Costa,
que chegou a líder num processo que galvanizou o partido. A história às vezes
repete-se, embora neste caso as coisas tenham corrido mal ao challenger.
Saiu a sorte
grande ao CDS e à Iniciativa Liberal. Paulo Rangel era contra a coligação
pré-eleitoral com os centristas, mas Rio admite uma coligação pré-eleitoral com
o CDS, salvando-o da extinção que as sondagens indiciam. Com a força que esta
vitória interna lhe trouxe, vai conseguir impô-la à sua direcção onde havia
vozes críticas dessa solução. E uma parte da direita que se podia rever em
Rangel, mas não se revê em Rui Rio vai, com alguma probabilidade, ajudar a
aumentar o score da Iniciativa Liberal.
Resta o caso
Chega. Enquanto Paulo Rangel foi muito claro sobre o estabelecimento de um
“cordão sanitário” com o partido de Ventura (o que lhe valeu ser acusado pelo
deputado do Chega, de uma forma repugnante, de ser “um líder frouxo”), Rui Rio
tem sido mais esquivo. Não quer o Chega no Governo e afirma que, se for essa a
condição de André Ventura para apoiar um executivo PSD, não aceita. Mas ficam
questões em aberto. Provavelmente, tal como aconteceu no acordo dos Açores, Rui
Rio ainda pode acabar a achar que algumas das medidas de André Ventura também
constam do seu programa…
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