Rui
Moreira e a Selminho
João Miguel Tavares
02/08/2016 –
PÚBLICO
Campanha suja não é
fazer perguntas. Campanha suja é fugir às respostas.
Tenho acompanhado
com o maior interesse o caso Selminho, até porque qualquer caso
chamado “Selminho” mereceria sempre o meu interesse. Mas como
admito que o caro leitor não seja tão sensível quanto eu às
maravilhas da onomástica empresarial portuguesa, aqui estou para lhe
explicar tudo.
A Selminho é uma
empresa de Rui Moreira e da sua família, que em 2001 adquiriu cerca
de dois mil metros quadrados de terreno numa encosta da Arrábida,
Porto. Rui Moreira e a Selminho garantem que nessa altura esse
terreno era edificável, em virtude de normas provisórias que
vigoravam na cidade, enquanto o PDM aguardava aprovação. Quando o
PDM foi finalmente aprovado, em 2006, essa área de terreno foi
classificada como “não edificável”, por ter sido considerado
que existia perigo de derrocada (Rui Moreira chama-lhe “um
impedimento geotécnico”). Moreira – e a Selminho – discordaram
dessa classificação, e em 2010 processaram a câmara. Em 2011, o
município entregou a contestação, ao que parece fora do prazo. Em
2012, a câmara do Porto – ainda sob a direcção de Rui Rio –
pediu um parecer ao LNEC sobre o tal “impedimento geotécnico”
nos terrenos da Selminho. Segundo Rui Moreira, o parecer “concluiu
pela incorrecção da proibição total de edificação”.
Em 2012, o executivo
de Rui Rio, em virtude do parecer do LNEC, admitiu a possibilidade de
rever o PDM, mas para não efectuar uma alteração casuística
decidiu adiar a decisão para a data prevista para a sua revisão, em
2016. Em 2014, já com Rui Moreira como presidente da câmara, o juiz
do processo terá instado as partes a chegarem a um acordo, antes de
proferir sentença. E as partes assim fizeram. Num processo liderado
não por Rui Moreira mas pela sua vice-presidente, Guilhermina Rego,
a câmara acordou com a Selminho avaliar a possibilidade de se poder
edificar nos terrenos e, em caso negativo, dirimir o conflito num
tribunal arbitral. A Selminho retirou a queixa e decidiu esperar pela
revisão do PDM. O acordo foi assinado em 2014, sem ter ido a reunião
de câmara.
Regresso ao
presente. Na reunião de câmara de 19 de Julho, o vereador da CDU
Pedro Carvalho questionou o executivo de Rui Moreira sobre este
acordo. Rui Moreira levantou-se e saiu da sala. Uma semana depois, o
presidente da Câmara do Porto publicou um artigo no Jornal de
Notícias intitulado “A campanha começou suja”, onde acusa Pedro
Carvalho de fazer “cópia servil” de um mail anónimo de 13 de
Julho com o “guião das suspeitas” e de assumir “o desonroso
papel de ser a barriga de aluguer de um texto anónimo e cobarde”.
Segundo Moreira, foi ainda criada uma página no Facebook com o
objectivo de “ampliar as calúnias”, e por essa razão o autarca
decidiu apresentar queixa na Procuradoria contra “desconhecidos sem
escrúpulos”.
Qual é o meu
problema com isto? É só este: não há qualquer justificação para
uma reacção tão destemperada por parte de Rui Moreira. A
facilidade com que neste país se transforma o escrutínio público
num atentado à honra é escandalosa. Pedro Carvalho fez as perguntas
que entendeu e as justificações de Rui Moreira parecem, à primeira
vista, sólidas. Porquê tanta histeria, então? É claro que podemos
discutir o timing do caso. Mas estando em causa um acordo assinado há
dois anos, envolvendo uma empresa do presidente da câmara e
subscrito pela sua vice-presidente, não será óbvio que Rui Moreira
tem de ser escrutinado? Campanha suja não é fazer perguntas.
Campanha suja é fugir às respostas.
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