Rocha
Andrade e as prendas da Galp
João Miguel Tavares
04/08/2016 –
PÚBLICO
Descobrimos que uma
casa exposta à luz do sol faz subir os impostos. Agora só nos falta
descobrir se um secretário de Estado exposto aos favores da Galp os
faz descer.
O senhor Fernando
Rocha Andrade é secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e aprecia
a selecção nacional. A Galp é a maior empresa portuguesa e
patrocina a selecção nacional. Até aqui tudo bem. A partir daqui
tudo mal. A Galp endereçou vários convites ao secretário de Estado
dos Assuntos Fiscais para assistir aos jogos de Portugal no Europeu,
com todas as despesas incluídas: avião, alimentação e bilhete. A
revista Sábado, que levantou o caso, revelou que Rocha Andrade
aceitou o convite para ver o Portugal-Hungria. O jornal Observador
descobriu, entretanto, que também aceitou o convite para o jogo da
final com a França. Quando questionado acerca desse facto, Rocha
Andrade declarou que encara “com naturalidade, e dentro da
adequação social, a aceitação deste tipo de convite – no caso,
um convite de um patrocinador da selecção para assistir a um jogo
da Selecção Nacional de Futebol”. O ministério das Finanças,
tomando como suas as dores do seu secretário de Estado, veio dizer
que “não existe qualquer fundamento para falar em conflito ético”.
Ups, lá se vai o
código de António Costa. É óbvio que tal conflito existe, por
muito apetecível que seja ir à borla à final de um Europeu.
Aceitar tais convites pode ser banal, e acredito que se tivéssemos
acesso à lista integral de convidados da Galp passaríamos 15 dias a
indignar-nos. Mas por alguma razão o convite foi endereçado a Rocha
Andrade e não a mim, nem a si, caro leitor. Um secretário de Estado
dos Assuntos Fiscais ir à bola patrocinado por um contribuinte da
dimensão da Galp não é natural, não é adequado socialmente, e
muito menos é adequado politicamente, ainda que Rocha Andrade
escreva “Selecção Nacional de Futebol” em caixa alta, para
transformar a ida a Paris numa magnífica exibição de patriotismo.
Como a Sábado
recordou, e bem, a Galp tem um gigantesco conflito fiscal com o
governo, por causa de impostos que superam em muito os 100 milhões
de euros, e que a empresa se recusou até hoje a pagar. Pior: essa
recusa foi um acto vergonhoso no contexto em que aconteceu. Por opção
do então ministro da Energia, Jorge Moreira da Silva, a Galp, a REN
e a EDP foram obrigadas a pagar uma contribuição extraordinária
sobre o sector energético em 2014 e 2015. Tratou-se de uma taxação
de benefícios obtidos com contratos antigos, que obrigavam à compra
de volumes mínimos de gás natural. Com a quebra do consumo em
Portugal e o aumento nos mercados internacionais, a Galp passou a
revender o excesso de gás, obtendo vantagens significativas. Esses
lucros, no entender de Moreira da Silva, deveriam ter sido
parcialmente distribuídos pelos consumidores, e não foram. Numa
altura em que os portugueses eram diariamente esmifrados e o sector
da energia se banqueteava com rendas excessivas, a recusa da Galp em
pagar uma contribuição extraordinária definida pelo Estado atingiu
uma dimensão imoral.
O caso está nos
tribunais, o representante do Estado em tribunal é a Autoridade
Tributária, a Autoridade Tributária está sob a alçada de Rocha
Andrade – e ainda assim, ele considera não existirem quaisquer
“conflitos de interesse” nas suas prebendas futebolísticas.
Ontem vimos o senhor secretário de Estado na televisão defender as
novas regras do IMI. Foi muito instrutivo: descobrimos todos que uma
casa exposta à luz do sol faz subir os impostos. Agora só nos falta
descobrir mais isto: se um secretário de Estado exposto aos favores
da Galp os faz descer.
P.S.: – Já
depois de escrito este texto, Rocha Andrade veio dizer que vai
"reembolsar a Galp". Afinal, algum conflito ético deveria
haver.
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