VINGANÇA
06 maio 2024 às 23h56
PSP
já havia realizado detenções no Porto para “repor tranquilidade” em zona de
assaltos
Segundo
fonte da PSP do Porto, além do reforço no policiamento desde janeiro, três
pessoas foram detidas por roubo e quatro por tráfico de droga na zona do Campo
24 de Agosto. Mesmo assim, notícias sobre o “terror” de imigrantes continuaram
. “Alguém resolveu armar-se em vingador”, diz a mesma fonte policial ao DN.
A Polícia de Segurança Pública (PSP) do Porto
já havia realizado detenções, operações e reforço de policiamento na zona do
Campo 24 de Agosto, no Porto, para “repor a tranquilidade” perante as denúncias
de uma onda de assaltos e agressões no local. Mesmo assim, houve quem não
considerou a ação, realizada dentro da lei, como suficiente. “Resolveram
armar-se em vingadores”, diz fonte da PSP do Porto ao DN, sobre o caso da
agressão a 10 imigrantes na rua do Bonfim, com invasão da casa onde dormiam.
Segundo a autoridade, mesmo depois da atuação
policial na zona continuaram a circular entre a população notícias de
“terror vivido naquela área com os
estrangeiros”. “Dias depois aconteceu o que se sabe”, acrescenta. Desde
janeiro, a PSP já deteve naquela zona do Campo 24 de Agosto um total de 22
pessoas, 3 por roubo, 4 por tráfico de droga e 15 por condução sem carta - as
nacionalidades não foram reveladas pelo órgão de segurança. A vigilância
reforçada mantêm-se.
Para parte da população, a violência contra os
estrangeiros, argelinos e marroquinos, foi correta. Nas redes sociais, não são
poucos os comentários em apoio. “A resposta que se esperava há muito”,
“heróis”, “parabéns ao pessoal do Norte”, “abençoados, estou-lhes grata”, “a
polícia não faz, o povo faz”, “começa a justiça” e “existe um contexto” - estas
não são frases de trolls ou de contas anónimas, mas sim de pessoas com
identificação.
Aos cidadãos, somam-se também deputados
eleitos do Chega, partido que, com frequência, relaciona imigrantes com
criminalidade. “Parte da imprensa vendida da extrema esquerda e das associações
racistas que já conhecemos, já estão a pular de alegria e a tentar colocar a
culpa na direita e nos portugueses”,
escreveu Marcus Santos, deputado brasileiro do Chega eleito no Porto. Pedro
Frazão e André Ventura também relacionaram a criminalidade à origem das
agressões.
Membros do 1143 comemoraram a violência
O grupo 1143, liderado pelo neonazi Mário
Machado, veio a público ainda no domingo à noite, no X (antigo Twitter),
afastar o envolvimento. A posição foi reafirmada ontem em outras publicações
nas redes sociais.
No entanto, no sábado, logo que as primeiras
notícias das agressões surgiram, membros celebram a violência. “Acordei com uma
excelente notícia, que me leva a crer que os portugueses e sobretudo na minha
Invicta ainda resta a esperança. F...... a boca a um grupo de 10
marroquinos/argelinos e ainda lhes partiram a casa toda”, escreveu um dos
membros num chat do grupo no Telegram.
Outro disse que “não costuma ser apologista da
violência, mas com o estado das coisas aqui isto era bem preciso”. Outro membro
do 1143 foi ainda mais longe. “Isto é só o começo. A partir do momento que esta
m... anda a atacar e roubar idosos, [armados] de martelos e facas, não podemos
permitir. Temos o dever cívico como cidadãos de defendermos quem não se pode
defender e é atacado por estes m... que se aproveitam da fragilidade de certas
pessoas”. Outros celebraram as agressões e “tiveram pena” que “somente” dois
imigrantes tenham sido hospitalizados.
Ontem, depois de vários órgãos de comunicação
noticiarem que um dos membros do 1143 estaria envolvido, dezenas de outros
participantes do movimento gravaram vídeos em repúdio aos jornalistas, falando
em “jornalixo”. Um dos membros, radicado no Norte do país, disse que o grupo
nada tem a ver com o ato, mas justificou as agressões por as vítimas dos
assaltos terem “famílias” e tratarem-se de “portugueses”.
Por outro lado, a repercussão do assunto
acabou por gerar simpatia de parte da sociedade, tanto que o grupo no Telegram
recebeu mais de 200 novos membros. Segundo disse Mário Machado em vídeo, o
grupo também recebeu “centenas” de pedidos de informação sobre como entrar para
o movimento.
O líder neonazi, que já responde na justiça
por crimes de ódio, celebrou o que chamou de segundo boom do grupo. “Cada vez
vamos ser mais, não há nada nem ninguém que nos faça demover do nosso principal
objetivo que é devolver Portugal aos portugueses”.
Aumento dos crimes de ódio
Desde o ano passado surgiram novos grupos que
têm a xenofobia e o racismo como principal bandeira. Mas não é de agora a
sensação no terreno de um “clima de ódio contra imigrantes”,sentido por
associações da área e militantes contra o racismo, atestou o DN. O próprio
Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2023, ao qual o DN teve acesso,
refere que “a maioria dos casos [de crimes de ódio] reportados ocorreram em
ambiente digital” e que “o ano visado pautou-se também pelo aparecimento de
novos movimentos e projetos com convergência ideológica com a
extrema-direita”.
Apesar de não avançar com números fechados, o
documento oficial destaca “tendência de aumento” entre 2019 e 2023. A Polícia
de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR) também
constataram uma subida nos crimes. As autoridades registaram 347 crimes de
discriminação e incitamento ao ódio em 2023, 77 casos a mais do que no ano
anterior. Os dados foram recolhidos pela agência Lusa.
Porém, o total de situações pode ser maior.
Nem todas as vítimas apresentam queixa e, consequentemente, os crimes não
entram nas estatísticas oficiais. Há também uma lacuna de dados em órgãos que
recebem denúncias sobre a questão. É o caso da Comissão para a Igualdade e
contra a Discriminação Racial (CICDR), que passou a estar na Assembleia da
República desde março. No entanto, o órgão está sem efeito - não há como
prestar queixa no momento, além de não ter um relatório sobre as estatísticas
de 2023.
Há algum tempo que ativistas e pessoas no
terreno alertam para o aumento do clima de incitamento ao ódio. “A
radicalização do discurso desta xenófoba extrema-direita, legitima todos estes
ataques contra a comunidade imigrante”, alerta o ativista José Rui Rosário, à
frente da organização de diversas manifestações contra o racismo e
discriminação. Segundo Rosário, é “urgente” a criminalização do racismo em
Portugal. “Vivemos numa sociedade que não prima pela justiça racial, que
alimenta os discursos de ódio e promove a violência contra pessoas
racializadas”, diz o ativista.
Como já referido no RASI, na internet tem
vindo a amplificar as mensagens e a alcançar um maior público, incluindo
jovens. O ativismo online , com diversas páginas organizadas para disseminar
fake news e mensagens xenófobas, é aliado com ações de rua, como as duas
manifestações realizadas pelo grupo 1143, do neonazi Mário Machado, uma em
Lisboa e outra no Porto há exatamente um mês.
Em ambas, coletivos antiracistas apelaram às
autoridades que travassem os atos, invocando o
artigo 240 do Código Penal, relativo à discriminação e incitamento ao
ódio e à violência. No entanto, ambas as manifs foram permitidas. Frases de
ordem contra imigrantes e apontando-os como inimigos foram o mote, além de
saudações nazis e homenagens ao ditador António de Oliveira Salazar.
Ontem à tarde foram abertos três inquéritos
distintos para apurar o caso. “São suscetíveis de integrar infrações criminais
de natureza pública”, refere o MP.
A Polícia de Segurança Pública (PSP) e a
Polícia Judiciária (PJ) também atuam no caso. Além de perícia no local do crime
- a casa onde os 10 imigrantes estavam a dormir na hora das agressões -, um
suspeito segue preso. Segundo as autoridades, ele já foi interrogado e está
indiciado pela prática dos crimes de
detenção de arma proibida e de ofensa à integridade física qualificada. Os
crimes podem resultar em pena de prisão até 4 anos no caso da arma e até 12
anos para o crime de ofensa à integridade física.
Desde o conhecimento das agressões, diversas
foram as reações de autoridades políticas e personalidades. Ontem foi a vez de
Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, pronunciar-se sobre o ocorrido na
cidade. “O ataque a uma casa onde residem imigrantes, na freguesia do Bonfim,
no Porto, é um crime de ódio que não pode ser relativizado a qualquer título. É
um ataque inaceitável”, disse.
O autarca também considera “inaceitável” que o
crime seja uma “resposta a outros crimes que vão sucedendo nessa zona” ou que a
culpa “é do parlamento”. De igual forma, considera o mesmo para “possíveis das
interpretações sobre o colonialismo”.
Rui Moreira atribui estas interpretações aos que querem “abrir
barricadas na nossa sociedade”. O presidente da Câmara também criticou a
atuação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e defendeu a extinção
do órgão. “A AIMA é uma agência inoperante que desperdiça dinheiros públicos
sem o cumprimento da missão a que se propôs e, por isso, deve ser extinta”,
afirmou.
Ana Catarina Mendes, antiga ministra dos
Assuntos Parlamentares, que tinha a tutela da AIMA, rebateu a crítica,
explicando a função da entidade. “Não devemos misturar. Uma coisa são as
funções da polícia, outra coisa são as funções documentais e da integração e
acolhimento de imigrantes que estão na dependência da AIMA”, disse a
socialista.
Já a direção do órgão não respondeu
diretamente à questão apontada por Rui Moreira, mas confirmou contacto com a
Câmara do Porto ainda no sábado, assim que soube do caso. “A AIMA está a a
colaborar com as várias entidades envolvidas, nomeadamente de investigação
criminal, municipais, locais, hospitalares e da sociedade civil, tais como
associações de imigrantes, para apurar informação fidedigna e prestar todo o
apoio necessário no âmbito das [suas] atribuições”.
Também ontem, o Partido Comunista Português
(PCP) condenou os ataques e elogiou a
“atuação muito rápida das forças policiais”, nas palavras do secretário-geral,
Paulo Raimundo. O partido requereu no Parlamento uma audição com caráter de
urgência de Margarida Blasco, ministra da Administração Interna, para ouvir
quais são as medidas que estão a ser tomadas
para prevenir crimes de ódio. Segundo o deputado António Filipe, os acontecimentos
estão ligados ao discurso xenófobo propagandeado na sociedade portuguesa.
amanda.lima@globalmediagroup.pt
valentina. marcelino@dn.pt
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