quarta-feira, 8 de maio de 2024

PSP já havia realizado detenções no Porto para “repor tranquilidade” em zona de assaltos

 


VINGANÇA

06 maio 2024 às 23h56

https://www.dn.pt/2606787274/psp-ja-havia-realizado-detencoes-no-porto-para-repor-tranquilidade-em-zona-de-assaltos/

 

PSP já havia realizado detenções no Porto para “repor tranquilidade” em zona de assaltos

 

Segundo fonte da PSP do Porto, além do reforço no policiamento desde janeiro, três pessoas foram detidas por roubo e quatro por tráfico de droga na zona do Campo 24 de Agosto. Mesmo assim, notícias sobre o “terror” de imigrantes continuaram . “Alguém resolveu armar-se em vingador”, diz a mesma fonte policial ao DN.

 

A Polícia de Segurança Pública (PSP) do Porto já havia realizado detenções, operações e reforço de policiamento na zona do Campo 24 de Agosto, no Porto, para “repor a tranquilidade” perante as denúncias de uma onda de assaltos e agressões no local. Mesmo assim, houve quem não considerou a ação, realizada dentro da lei, como suficiente. “Resolveram armar-se em vingadores”, diz fonte da PSP do Porto ao DN, sobre o caso da agressão a 10 imigrantes na rua do Bonfim, com invasão da casa onde dormiam.

 

Segundo a autoridade, mesmo depois da atuação policial na zona continuaram a circular entre a população notícias de “terror  vivido naquela área com os estrangeiros”. “Dias depois aconteceu o que se sabe”, acrescenta. Desde janeiro, a PSP já deteve naquela zona do Campo 24 de Agosto um total de 22 pessoas, 3 por roubo, 4 por tráfico de droga e 15 por condução sem carta - as nacionalidades não foram reveladas pelo órgão de segurança. A vigilância reforçada mantêm-se.

 

Para parte da população, a violência contra os estrangeiros, argelinos e marroquinos, foi correta. Nas redes sociais, não são poucos os comentários em apoio. “A resposta que se esperava há muito”, “heróis”, “parabéns ao pessoal do Norte”, “abençoados, estou-lhes grata”, “a polícia não faz, o povo faz”, “começa a justiça” e “existe um contexto” - estas não são frases de trolls ou de contas anónimas, mas sim de pessoas com identificação.

 

Aos cidadãos, somam-se também deputados eleitos do Chega, partido que, com frequência, relaciona imigrantes com criminalidade. “Parte da imprensa vendida da extrema esquerda e das associações racistas que já conhecemos, já estão a pular de alegria e a tentar colocar a culpa na direita e  nos portugueses”, escreveu Marcus Santos, deputado brasileiro do Chega eleito no Porto. Pedro Frazão e André Ventura também relacionaram a criminalidade à origem das agressões.

 

Membros do 1143 comemoraram a violência

O grupo 1143, liderado pelo neonazi Mário Machado, veio a público ainda no domingo à noite, no X (antigo Twitter), afastar o envolvimento. A posição foi reafirmada ontem em outras publicações nas redes sociais.

 

No entanto, no sábado, logo que as primeiras notícias das agressões surgiram, membros celebram a violência. “Acordei com uma excelente notícia, que me leva a crer que os portugueses e sobretudo na minha Invicta ainda resta a esperança. F...... a boca a um grupo de 10 marroquinos/argelinos e ainda lhes partiram a casa toda”, escreveu um dos membros num chat do grupo no Telegram.

 

Outro disse que “não costuma ser apologista da violência, mas com o estado das coisas aqui isto era bem preciso”. Outro membro do 1143 foi ainda mais longe. “Isto é só o começo. A partir do momento que esta m... anda a atacar e roubar idosos, [armados] de martelos e facas, não podemos permitir. Temos o dever cívico como cidadãos de defendermos quem não se pode defender e é atacado por estes m... que se aproveitam da fragilidade de certas pessoas”. Outros celebraram as agressões e “tiveram pena” que “somente” dois imigrantes tenham sido hospitalizados.

 

Ontem, depois de vários órgãos de comunicação noticiarem que um dos membros do 1143 estaria envolvido, dezenas de outros participantes do movimento gravaram vídeos em repúdio aos jornalistas, falando em “jornalixo”. Um dos membros, radicado no Norte do país, disse que o grupo nada tem a ver com o ato, mas justificou as agressões por as vítimas dos assaltos terem “famílias” e tratarem-se de “portugueses”.

 

Por outro lado, a repercussão do assunto acabou por gerar simpatia de parte da sociedade, tanto que o grupo no Telegram recebeu mais de 200 novos membros. Segundo disse Mário Machado em vídeo, o grupo também recebeu “centenas” de pedidos de informação sobre como entrar para o movimento.

 

O líder neonazi, que já responde na justiça por crimes de ódio, celebrou o que chamou de segundo boom do grupo. “Cada vez vamos ser mais, não há nada nem ninguém que nos faça demover do nosso principal objetivo que é devolver Portugal aos portugueses”.

 

Aumento dos crimes de ódio

Desde o ano passado surgiram novos grupos que têm a xenofobia e o racismo como principal bandeira. Mas não é de agora a sensação no terreno de um “clima de ódio contra imigrantes”,sentido por associações da área e militantes contra o racismo, atestou o DN. O próprio Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2023, ao qual o DN teve acesso, refere que “a maioria dos casos [de crimes de ódio] reportados ocorreram em ambiente digital” e que “o ano visado pautou-se também pelo aparecimento de novos movimentos e projetos com convergência ideológica com a extrema-direita”. 

 

Apesar de não avançar com números fechados, o documento oficial destaca “tendência de aumento” entre 2019 e 2023. A Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR) também constataram uma subida nos crimes. As autoridades registaram 347 crimes de discriminação e incitamento ao ódio em 2023, 77 casos a mais do que no ano anterior. Os dados foram recolhidos pela agência Lusa.

 

Porém, o total de situações pode ser maior. Nem todas as vítimas apresentam queixa e, consequentemente, os crimes não entram nas estatísticas oficiais. Há também uma lacuna de dados em órgãos que recebem denúncias sobre a questão. É o caso da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR), que passou a estar na Assembleia da República desde março. No entanto, o órgão está sem efeito - não há como prestar queixa no momento, além de não ter um relatório sobre as estatísticas de 2023.

 

Há algum tempo que ativistas e pessoas no terreno alertam para o aumento do clima de incitamento ao ódio. “A radicalização do discurso desta xenófoba extrema-direita, legitima todos estes ataques contra a comunidade imigrante”, alerta o ativista José Rui Rosário, à frente da organização de diversas manifestações contra o racismo e discriminação. Segundo Rosário, é “urgente” a criminalização do racismo em Portugal. “Vivemos numa sociedade que não prima pela justiça racial, que alimenta os discursos de ódio e promove a violência contra pessoas racializadas”, diz o ativista.

 

Como já referido no RASI, na internet tem vindo a amplificar as mensagens e a alcançar um maior público, incluindo jovens. O ativismo online , com diversas páginas organizadas para disseminar fake news e mensagens xenófobas, é aliado com ações de rua, como as duas manifestações realizadas pelo grupo 1143, do neonazi Mário Machado, uma em Lisboa e outra no Porto há exatamente um mês.

 

Em ambas, coletivos antiracistas apelaram às autoridades que travassem os atos, invocando o  artigo 240 do Código Penal, relativo à discriminação e incitamento ao ódio e à violência. No entanto, ambas as manifs foram permitidas. Frases de ordem contra imigrantes e apontando-os como inimigos foram o mote, além de saudações nazis e homenagens ao ditador António de Oliveira Salazar.

 

Ontem à tarde foram abertos três inquéritos distintos para apurar o caso. “São suscetíveis de integrar infrações criminais de natureza pública”, refere o MP.

 

A Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Polícia Judiciária (PJ) também atuam no caso. Além de perícia no local do crime - a casa onde os 10 imigrantes estavam a dormir na hora das agressões -, um suspeito segue preso. Segundo as autoridades, ele já foi interrogado e está indiciado  pela prática dos crimes de detenção de arma proibida e de ofensa à integridade física qualificada. Os crimes podem resultar em pena de prisão até 4 anos no caso da arma e até 12 anos para o crime de ofensa à integridade física.

 

Desde o conhecimento das agressões, diversas foram as reações de autoridades políticas e personalidades. Ontem foi a vez de Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, pronunciar-se sobre o ocorrido na cidade. “O ataque a uma casa onde residem imigrantes, na freguesia do Bonfim, no Porto, é um crime de ódio que não pode ser relativizado a qualquer título. É um ataque inaceitável”, disse.

 

O autarca também considera “inaceitável” que o crime seja uma “resposta a outros crimes que vão sucedendo nessa zona” ou que a culpa “é do parlamento”. De igual forma, considera o mesmo para “possíveis das interpretações sobre o colonialismo”.  Rui Moreira atribui estas interpretações aos que querem “abrir barricadas na nossa sociedade”. O presidente da Câmara também criticou a atuação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e defendeu a extinção do órgão. “A AIMA é uma agência inoperante que desperdiça dinheiros públicos sem o cumprimento da missão a que se propôs e, por isso, deve ser extinta”, afirmou.

 

Ana Catarina Mendes, antiga ministra dos Assuntos Parlamentares, que tinha a tutela da AIMA, rebateu a crítica, explicando a função da entidade. “Não devemos misturar. Uma coisa são as funções da polícia, outra coisa são as funções documentais e da integração e acolhimento de imigrantes que estão na dependência da AIMA”, disse a socialista.

 

Já a direção do órgão não respondeu diretamente à questão apontada por Rui Moreira, mas confirmou contacto com a Câmara do Porto ainda no sábado, assim que soube do caso. “A AIMA está a a colaborar com as várias entidades envolvidas, nomeadamente de investigação criminal, municipais, locais, hospitalares e da sociedade civil, tais como associações de imigrantes, para apurar informação fidedigna e prestar todo o apoio necessário no âmbito das [suas] atribuições”.

 

Também ontem, o Partido Comunista Português (PCP) condenou os ataques e elogiou  a “atuação muito rápida das forças policiais”, nas palavras do secretário-geral, Paulo Raimundo. O partido requereu no Parlamento uma audição com caráter de urgência de Margarida Blasco, ministra da Administração Interna, para ouvir quais são as medidas que estão a ser tomadas  para prevenir crimes de ódio. Segundo o deputado António Filipe, os acontecimentos estão ligados ao discurso xenófobo propagandeado na sociedade portuguesa. 

 

amanda.lima@globalmediagroup.pt

valentina. marcelino@dn.pt

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