EDITORIAL
O dilema de Augusto Santos Silva
O político Santos Silva não pode ignorar que a
consequência dos seus actos também beneficia quem quer atacar.
David Pontes
1 de Agosto de
2022, 5:52
https://www.publico.pt/2022/08/01/opiniao/editorial/dilema-augusto-santos-silva-2015708
Desde o seu
discurso inaugural, o presidente da Assembleia da República (AR) deixou bem
claro que no seu mandato haveria uma preocupação acrescida com os desafios do
populismo e do nacionalismo. Foram os temas mais fortes desse discurso de Março
e o alvo mais directo só podia ser o Chega, que elegera mais 11 deputados para
se juntarem a André Ventura.
Depois disso, por
duas vezes, o presidente da AR fez reparos ao líder do Chega, utilizando a
capacidade que lhe é atribuída pelo número três do artigo 89 do Regimento da
Assembleia da República, onde se lê: “O orador é advertido pelo Presidente da
Assembleia quando se desvie do assunto em discussão ou quando o discurso se
torne injurioso ou ofensivo, podendo retirar-lhe a palavra.”
Nem quando
proferiu generalizações diminuidoras sobre ciganos nem quando o fez sobre
emigrantes a palavra lhe foi retirada. Ventura não foi vítima de um “acto de
censura”, como se queixou. Isso não impediu, obviamente, o agravamento da
situação. Até porque a essência da actividade parlamentar do Chega é levar a
confusão e o descrédito ao coração do “sistema”. O abandono da sala de sessões,
a “moção de censura” ao presidente da AR, os pedidos de intervenção de Marcelo
são os habituais iscos para a espiral de reacções com que o Chega faz a sua
acção política.
De certa forma,
Augusto Santos Silva vê-se confrontado com o mesmo dilema que há muito as
redacções dos jornais enfrentam: “Ora aqui está mais uma declaração horrível,
eis mais uma proposta legislativa inviável para provocar polémica. Publicamos
ou não? Estamos a informar ou só a ser instrumentalizados?”
O presidente da
Assembleia da República pode arvorar as suas vestes da “imparcialidade” e punir
verbalmente os deputados do Chega. A higiene democrática agradece, os discursos
são de repudiar. Mas o político Santos Silva não pode ignorar que a consequência
dos seus actos também beneficia quem quer atacar. O Bloco de Esquerda foi,
durante muito tempo, instrumental para a subida do Chega, numa espécie de
campeonato do “maior antifascista”, e os resultados estão à vista.
Santos Silva
poderia deixar para os outros partidos a resposta a André Ventura, mas não o
fez. Tal como os jornais sabem que certas notícias dão muitos cliques, Santos
Silva sabe que o confronto lhe dá notoriedade. Podia ser apenas um dano
colateral de uma posição de princípio, mas quando se deixa alimentar uma
candidatura presidencial e se percebe que é do interesse da maioria socialista
um Chega com suficiente dimensão para bloquear uma maioria de direita, isso
suscita outros motivos para avaliar a acção do presidente da AR. E,
neste particular, a democracia desconfia.
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