OPINIÃO
Marta Temido, erro de casting por António Costa
Qualquer má decisão tomada quando Marta Temido era
criança teve tempo de ser revertida ou corrigida em vários governos
socialistas.
Maria João
Marques
31 de Agosto de
2022, 6:37
https://www.publico.pt/2022/08/31/opiniao/opiniao/marta-temido-erro-casting-antonio-costa-2018835
Marta Temido
lembra-me a citação de Jiang Qing, mulher de Mao Zedong, afirmando durante a
Revolução Cultural Chinesa que preferia os comboios atrasados comunistas aos
comboios a horas capitalistas. De facto, ambas tinham as prioridades bem
estabelecidas: preferiam uma organização estatal seguindo os trâmites
ideológicos certos (bem à esquerda) que outra prestando serviços públicos de
qualidade à população. Esta preferência de Marta Temido fez-se notar antes,
durante e depois da pandemia.
A prioridade de
Marta Temido nunca foi a melhoria dos serviços de saúde, no que despendeu pouca
energia, mas o afrontamento aos grupos privados de saúde, onde, sim, se lhe
notava particular prazer ministerial. Em boa verdade, foi para isso que foi
escolhida por António Costa. Em contexto de geringonça, o primeiro-ministro
queria alguém que mostrasse a sanha anti negócio da saúde que é tão cara a BE e
PCP.
Ora, como agora é
evidente, o SNS não precisava de quem estivesse a gastar energias destruindo
PPP na Saúde que até funcionavam com bons indicadores, como a de Braga.
Precisava — precisa — de uma tutela pragmática, pouco dogmática, preferindo
chefias competentes ao invés das nomeadas só por critérios partidários, que
consiga dialogar com as várias profissões muito especializadas coexistentes no
SNS e, acima de tudo, com a prioridade certa: fornecer bons serviços de saúde.
Regressando a citações chinesas, precisamos do espírito de Deng Xiaoping quando
constatava que não interessa se o gato é preto ou branco desde que cace ratos.
Certo, o que se
passou na Saúde nos últimos meses foi confrangedor. Não só a morte trágica nas
Caldas da Rainha na sequência de uma cesariana de urgência. Não só a grávida
que andou, em trabalho de parto, a passear do Seixal para Santarém até
conseguir finalmente ter um bebé centenas de quilómetros depois. Não só o caos
em várias urgências e médicos que se demitem, assinam escusas de
responsabilidade, se recusam a fazer urgências sem condições. Não só o aumento
da mortalidade materna, que indicia pioria de cuidados de saúde às grávidas. E
um longo etc.
Qualquer má decisão tomada quando Marta Temido era
criança teve tempo de ser revertida ou corrigida em vários governos
socialistas.
Também as
sucessivas e absurdas desculpas aventadas por Marta Temido têm mais sabor de
fim de ciclo que de nova maioria. Com uma ingratidão avassaladora — dada a
resposta abnegada de médicos, enfermeiros e auxiliares durante a pandemia — a
narrativa governativa (que colheu louros políticos do trabalho destes
profissionais) passou por diabolizar os médicos perante a opinião pública. Uns
egoístas imprestáveis que vão de férias quando o país mais precisa. Não
interessou nada estarem esgotados com os anos de pandemia e precisarem, como
todos, de descansar. Nem, nos privados, os médicos também terem férias, sem
sobressaltos de maior. Nem que a escala das férias fique a cargo da gestão
hospitalar, como sucede com todas as profissões.
Com o insucesso
desta argumentação, Marta Temido lembrou-se de culpar as falhas no SNS com
decisões de há quarenta anos. Percebe-se: no afã de apontar o dedo acusador a
terceiros, tem de se viajar muito para trás no tempo, uma vez que desde 1995
tem governado o PS, exceto em duas legislaturas, uma nem sequer completa. De
todo o modo, caiu no ridículo. Qualquer má decisão tomada quando Marta Temido era
criança teve tempo de ser revertida ou corrigida em vários governos
socialistas.
Às tantas tivemos
Fernando Medina indiretamente proclamando que o problema do SNS era má gestão,
financeiro é que não. Na verdade, Temido teve à sua disposição um enorme incremento
orçamental — que não soube gerir e desperdiçou.
Até no recente
triste caso da grávida indiana que morreu depois de uma transferência de
hospital, já leio e oiço a garantia que se fez tudo bem. De facto, não se
conhecem os antecedentes da grávida e da gravidez. Poderia nunca se ter
impedido a morte. As gravidezes e os partos são sempre momentos de risco para
as mulheres, ao contrário do que afirmam os movimentos new age naturalistas que
por aí florescem. Por isso mesmo é imperativo garantir cuidados de saúde
impecáveis às grávidas.
E nos cuidados de
saúde às grávidas incluo a parte psicológica, que termina influindo na parte
mecânica, digamos assim. As gravidezes e os partos são momentos de
vulnerabilidade física, emocional e psicológica para as mulheres. Presumir que
talvez não haja vagas num hospital, saber que se está com complicações ou o
bebé não está bem, ter de viajar quilómetros intermináveis com o INEM para um
parto, ser transferida de hospital — tudo isto pode induzir níveis de stress
que resultam em problemas de saúde para a grávida ou para o bebé. Donde, não se
pode assumir que sem a transferência a mencionada grávida teria morrido
igualmente. Logo: sim, há responsabilidade política a pedir por esta morte de
uma mulher grávida.
Ah, mas a transferência
para o Hospital São Francisco Xavier era incontornável, dirão. Bom, o Hospital
Santa Maria afirma estar a fazer mais 40% de partos nesta altura do que o
habitual. Provavelmente por receber grávidas de outros hospitais com
constrangimentos de equipas. Não existindo estes constrangimentos, fruto da má
gestão do SNS, talvez os eventos que aumentam níveis de stress a grávidas
fossem minimizados. As transferências de hospital, por exemplo.
Contudo, no
fulcro dos problemas do SNS que levaram à demissão de Marta Temido, está
António Costa. Talentoso e anti clímax, tem destruído o élan de uma maioria
absoluta em meia dúzia de meses. Foi Costa que manteve para novo governo uma
ministra ideologicamente inflexível e (compreensivelmente) esgotada pela gestão
da pandemia. Foi Costa que repôs as 35 horas semanais na administração pública,
algo que inevitavelmente aumentaria custos ou diminuiria qualidade dos
serviços. Foi Costa que apostou na via estatista de Temido para a Saúde ao
invés de recrutar um reformista. É Costa que mantém uma burocracia rígida para
o país, levando o próprio governo a preferir pagar balúrdios a médicos
tarefeiros, com os quais não tem vínculos, a negociar melhorias de condições
para os médicos do SNS que cairiam de imediato nos direitos adquiridos, essa
vaca sagrada intocável que nem o PS quer alimentar.
Uma ministra como
Marta Temido foi sintoma da preferência de Costa por popularidade e paleio
ideológico face ao bom senso e à boa gestão. E pelo folclore que agrada às
redes sociais — como o gosto da ministra pela Internacional — em vez de talento
político.
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