quarta-feira, 31 de agosto de 2022

Marta Temido, erro de casting por António Costa

 



OPINIÃO

Marta Temido, erro de casting por António Costa

 

Qualquer má decisão tomada quando Marta Temido era criança teve tempo de ser revertida ou corrigida em vários governos socialistas.

 

Maria João Marques

31 de Agosto de 2022, 6:37

https://www.publico.pt/2022/08/31/opiniao/opiniao/marta-temido-erro-casting-antonio-costa-2018835

 

Marta Temido lembra-me a citação de Jiang Qing, mulher de Mao Zedong, afirmando durante a Revolução Cultural Chinesa que preferia os comboios atrasados comunistas aos comboios a horas capitalistas. De facto, ambas tinham as prioridades bem estabelecidas: preferiam uma organização estatal seguindo os trâmites ideológicos certos (bem à esquerda) que outra prestando serviços públicos de qualidade à população. Esta preferência de Marta Temido fez-se notar antes, durante e depois da pandemia.

 

A prioridade de Marta Temido nunca foi a melhoria dos serviços de saúde, no que despendeu pouca energia, mas o afrontamento aos grupos privados de saúde, onde, sim, se lhe notava particular prazer ministerial. Em boa verdade, foi para isso que foi escolhida por António Costa. Em contexto de geringonça, o primeiro-ministro queria alguém que mostrasse a sanha anti negócio da saúde que é tão cara a BE e PCP.

 

Ora, como agora é evidente, o SNS não precisava de quem estivesse a gastar energias destruindo PPP na Saúde que até funcionavam com bons indicadores, como a de Braga. Precisava — precisa —​ de uma tutela pragmática, pouco dogmática, preferindo chefias competentes ao invés das nomeadas só por critérios partidários, que consiga dialogar com as várias profissões muito especializadas coexistentes no SNS e, acima de tudo, com a prioridade certa: fornecer bons serviços de saúde. Regressando a citações chinesas, precisamos do espírito de Deng Xiaoping quando constatava que não interessa se o gato é preto ou branco desde que cace ratos.

 

Certo, o que se passou na Saúde nos últimos meses foi confrangedor. Não só a morte trágica nas Caldas da Rainha na sequência de uma cesariana de urgência. Não só a grávida que andou, em trabalho de parto, a passear do Seixal para Santarém até conseguir finalmente ter um bebé centenas de quilómetros depois. Não só o caos em várias urgências e médicos que se demitem, assinam escusas de responsabilidade, se recusam a fazer urgências sem condições. Não só o aumento da mortalidade materna, que indicia pioria de cuidados de saúde às grávidas. E um longo etc.

 

Qualquer má decisão tomada quando Marta Temido era criança teve tempo de ser revertida ou corrigida em vários governos socialistas.

 

Também as sucessivas e absurdas desculpas aventadas por Marta Temido têm mais sabor de fim de ciclo que de nova maioria. Com uma ingratidão avassaladora —​ dada a resposta abnegada de médicos, enfermeiros e auxiliares durante a pandemia —​ a narrativa governativa (que colheu louros políticos do trabalho destes profissionais) passou por diabolizar os médicos perante a opinião pública. Uns egoístas imprestáveis que vão de férias quando o país mais precisa. Não interessou nada estarem esgotados com os anos de pandemia e precisarem, como todos, de descansar. Nem, nos privados, os médicos também terem férias, sem sobressaltos de maior. Nem que a escala das férias fique a cargo da gestão hospitalar, como sucede com todas as profissões.

 

Com o insucesso desta argumentação, Marta Temido lembrou-se de culpar as falhas no SNS com decisões de há quarenta anos. Percebe-se: no afã de apontar o dedo acusador a terceiros, tem de se viajar muito para trás no tempo, uma vez que desde 1995 tem governado o PS, exceto em duas legislaturas, uma nem sequer completa. De todo o modo, caiu no ridículo. Qualquer má decisão tomada quando Marta Temido era criança teve tempo de ser revertida ou corrigida em vários governos socialistas.

 

Às tantas tivemos Fernando Medina indiretamente proclamando que o problema do SNS era má gestão, financeiro é que não. Na verdade, Temido teve à sua disposição um enorme incremento orçamental — que não soube gerir e desperdiçou.

 

Até no recente triste caso da grávida indiana que morreu depois de uma transferência de hospital, já leio e oiço a garantia que se fez tudo bem. De facto, não se conhecem os antecedentes da grávida e da gravidez. Poderia nunca se ter impedido a morte. As gravidezes e os partos são sempre momentos de risco para as mulheres, ao contrário do que afirmam os movimentos new age naturalistas que por aí florescem. Por isso mesmo é imperativo garantir cuidados de saúde impecáveis às grávidas.

 

E nos cuidados de saúde às grávidas incluo a parte psicológica, que termina influindo na parte mecânica, digamos assim. As gravidezes e os partos são momentos de vulnerabilidade física, emocional e psicológica para as mulheres. Presumir que talvez não haja vagas num hospital, saber que se está com complicações ou o bebé não está bem, ter de viajar quilómetros intermináveis com o INEM para um parto, ser transferida de hospital — tudo isto pode induzir níveis de stress que resultam em problemas de saúde para a grávida ou para o bebé. Donde, não se pode assumir que sem a transferência a mencionada grávida teria morrido igualmente. Logo: sim, há responsabilidade política a pedir por esta morte de uma mulher grávida.

 

Ah, mas a transferência para o Hospital São Francisco Xavier era incontornável, dirão. Bom, o Hospital Santa Maria afirma estar a fazer mais 40% de partos nesta altura do que o habitual. Provavelmente por receber grávidas de outros hospitais com constrangimentos de equipas. Não existindo estes constrangimentos, fruto da má gestão do SNS, talvez os eventos que aumentam níveis de stress a grávidas fossem minimizados. As transferências de hospital, por exemplo.

 

Contudo, no fulcro dos problemas do SNS que levaram à demissão de Marta Temido, está António Costa. Talentoso e anti clímax, tem destruído o élan de uma maioria absoluta em meia dúzia de meses. Foi Costa que manteve para novo governo uma ministra ideologicamente inflexível e (compreensivelmente) esgotada pela gestão da pandemia. Foi Costa que repôs as 35 horas semanais na administração pública, algo que inevitavelmente aumentaria custos ou diminuiria qualidade dos serviços. Foi Costa que apostou na via estatista de Temido para a Saúde ao invés de recrutar um reformista. É Costa que mantém uma burocracia rígida para o país, levando o próprio governo a preferir pagar balúrdios a médicos tarefeiros, com os quais não tem vínculos, a negociar melhorias de condições para os médicos do SNS que cairiam de imediato nos direitos adquiridos, essa vaca sagrada intocável que nem o PS quer alimentar.

 

Uma ministra como Marta Temido foi sintoma da preferência de Costa por popularidade e paleio ideológico face ao bom senso e à boa gestão. E pelo folclore que agrada às redes sociais — como o gosto da ministra pela Internacional — em vez de talento político.

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