EDITORIAL
A ingerência do Estado no mercado da energia
Se há momentos em que o papel do Estado tem de ser
excepcional, é exactamente em momentos excepcionais. Como estes.
Manuel Carvalho
29 de Agosto de
2022, 21:30
https://www.publico.pt/2022/08/29/economia/editorial/ingerencia-estado-mercado-energia-2018721
O Estado deve
intervir na economia quando há falhas de mercado, reconhece até o credo
liberal, e é por essa razão que a crescente ingerência dos poderes públicos num
mercado sensível como o da energia não está a causar grandes batalhas
ideológicas. A Europa vive uma emergência e, em rigor, o mercado de energia é
altamente regulado. Mas a fórmula que determina os seus preços, muito associada
aos custos do gás, esgotou-se. Está na hora de a Comissão Europeia e os
Estados-membros intervirem. Em Portugal, o Governo seguiu esse caminho, ao
permitir que os consumidores do mercado liberalizado migrem para o regulado, o
que acaba por ser uma sentença de morte aos passos que se deram a caminho da
liberalização.
A Europa enfrenta
uma ameaça existencial nos próximos meses e têm de se encarar as propostas quer
da Comissão Europeia quer dos diferentes Estados-membros no quadro desse
cenário. Os Estados vão ter de intervir, baixando impostos e, muito provavelmente,
subsidiando preços ou reclamando a suspensão das regras europeias que proíbem
ajudas de Estado a grandes companhias. Mais tarde ou mais cedo, serão
igualmente forçados a definir impostos especiais para os lucros extraordinários
das energéticas. Estamos longe de poder falar de uma economia de guerra, mas é
sensato admitir que os cidadãos e as empresas da Europa vivem uma situação
excepcional. Têm de ser protegidos pelos poderes públicos.
Deixar que o
preço do gás seja um factor fundamental para a definição do preço da
electricidade, como o é agora, permitindo que as energias renováveis permaneçam
num plano subalterno, é um erro que até agora tem sido essencialmente
denunciado pelos governos de Portugal e Espanha. A presidência checa da União
agendou para dia 9 um conselho extraordinário de ministros da Energia para
alterar essas regras. O gás continuará a ser um problema por causa da
retaliação da Rússia. Para a electricidade, pode haver fórmulas que mitiguem os
custos para a economia e a sociedade.
Deixar tudo como
está, com os preços da electricidade a galoparem e a retirarem rendimentos às
pessoas e às empresas, teria duas consequências danosas para o frágil
equilíbrio em que vivemos. Agravaria a inflação e reduziria o apoio aos
governos, dando trunfos aos populismos; e ameaçava o apoio dos cidadãos à causa
ucraniana, o que seria uma benesse para Vladimir Putin. Mudar as regras,
definir finalmente um mercado europeu de energia e apoiar famílias ou empresas
pode ser uma heresia para os pergaminhos da Europa liberal. Mas, se há momentos
em que o papel do Estado tem de ser excepcional, é exactamente em momentos
excepcionais. Como estes.
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