terça-feira, 30 de agosto de 2022

A ingerência do Estado no mercado da energia

 




EDITORIAL

A ingerência do Estado no mercado da energia

 

Se há momentos em que o papel do Estado tem de ser excepcional, é exactamente em momentos excepcionais. Como estes.

 

Manuel Carvalho

29 de Agosto de 2022, 21:30

https://www.publico.pt/2022/08/29/economia/editorial/ingerencia-estado-mercado-energia-2018721

 

O Estado deve intervir na economia quando há falhas de mercado, reconhece até o credo liberal, e é por essa razão que a crescente ingerência dos poderes públicos num mercado sensível como o da energia não está a causar grandes batalhas ideológicas. A Europa vive uma emergência e, em rigor, o mercado de energia é altamente regulado. Mas a fórmula que determina os seus preços, muito associada aos custos do gás, esgotou-se. Está na hora de a Comissão Europeia e os Estados-membros intervirem. Em Portugal, o Governo seguiu esse caminho, ao permitir que os consumidores do mercado liberalizado migrem para o regulado, o que acaba por ser uma sentença de morte aos passos que se deram a caminho da liberalização.

 

A Europa enfrenta uma ameaça existencial nos próximos meses e têm de se encarar as propostas quer da Comissão Europeia quer dos diferentes Estados-membros no quadro desse cenário. Os Estados vão ter de intervir, baixando impostos e, muito provavelmente, subsidiando preços ou reclamando a suspensão das regras europeias que proíbem ajudas de Estado a grandes companhias. Mais tarde ou mais cedo, serão igualmente forçados a definir impostos especiais para os lucros extraordinários das energéticas. Estamos longe de poder falar de uma economia de guerra, mas é sensato admitir que os cidadãos e as empresas da Europa vivem uma situação excepcional. Têm de ser protegidos pelos poderes públicos.

 

Deixar que o preço do gás seja um factor fundamental para a definição do preço da electricidade, como o é agora, permitindo que as energias renováveis permaneçam num plano subalterno, é um erro que até agora tem sido essencialmente denunciado pelos governos de Portugal e Espanha. A presidência checa da União agendou para dia 9 um conselho extraordinário de ministros da Energia para alterar essas regras. O gás continuará a ser um problema por causa da retaliação da Rússia. Para a electricidade, pode haver fórmulas que mitiguem os custos para a economia e a sociedade.

 

Deixar tudo como está, com os preços da electricidade a galoparem e a retirarem rendimentos às pessoas e às empresas, teria duas consequências danosas para o frágil equilíbrio em que vivemos. Agravaria a inflação e reduziria o apoio aos governos, dando trunfos aos populismos; e ameaçava o apoio dos cidadãos à causa ucraniana, o que seria uma benesse para Vladimir Putin. Mudar as regras, definir finalmente um mercado europeu de energia e apoiar famílias ou empresas pode ser uma heresia para os pergaminhos da Europa liberal. Mas, se há momentos em que o papel do Estado tem de ser excepcional, é exactamente em momentos excepcionais. Como estes.

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