Querem combater o Chega? Deixem André Ventura falar
Será a proibição da exposição de André Ventura e do Chega
no palco político e mediático eficaz ou moral? Vejamos porque é que a resposta
é não.
Margarida Valença
Estudante de Engenharia do Ambiente que se preocupa com
questões de ordem política e que, eventualmente, gosta de dar a sua opinião.
31 de Dezembro de
2020, 8:48
“Discordo do que
dizes, mas defenderei até à morte o direito de o dizeres”, dizia Voltaire. Com
o surgimento de partidos políticos de extrema-direita e populistas, a defesa da
liberdade de expressão nunca foi tão posta à prova e, em vez da máxima de
Voltaire, a frase que comanda os dias de hoje é mais parecida com algo do
género: “Discordo do que dizes e vou defender até à morte o meu direito de te
impedir de o dizeres”.
Falemos do Chega.
Desde que este partido surgiu, muitas pessoas que consideram o mesmo uma
abjecção, têm-se questionado como se deve combatê-lo: Fingimos que não existe,
não deixando que André Ventura fale e tenha qualquer tipo de exposição? Ou
debatemos ideias com o mesmo e expomos André Ventura ao contraditório?
Para muitos, a
resposta é a primeira opção. Um exemplo relevante é a agora candidata à
Presidência da República Ana Gomes que defende que o Chega não deveria ter sido
legalizado e que, como Marisa Matias, diz que não daria posse a um governo com
apoio parlamentar do Chega, o que não passa de uma falsa promessa já que o
Presidente da República não pode não dar posse a um governo com apoio
parlamentar de um partido legalizado.
Mas será a
proibição da exposição de André Ventura e do Chega no palco político e
mediático eficaz ou moral? Vejamos porque é que a resposta é não. Stuart Mill,
no seu ensaio sobre a Liberdade disse o seguinte: “O mal peculiar de fazer
calar a enunciação duma opinião está em que é um roubo (…) Se a opinião é
justa, são privados da oportunidade de trocar o erro pela verdade; se injusta,
perdem, o que é um benefício quase do mesmo quilate, o chegar à percepção mais
clara e à impressão mais viva da verdade que a colisão desta com o erro
produz.”
Embora pareça
mais intuitivo, apetecível e fácil, o acto de calar e proibir não é eficiente.
Ao recusar trazer uma ideia para um debate intermediado e com contraditório,
Ventura acaba por falar sozinho com os seus admiradores, até tendo em conta que
hoje em dia existem muitos meios para o fazer. Mas se nos focarmos em mostrar
as contradições de André Ventura e combater as suas ideias com ideias melhores
estaremos a ser mais eficientes e até democráticos, já que a recusa de ouvir
uma opinião parte do princípio de que a nossa certeza é a certeza absoluta, mas
a realidade é que ninguém é infalível.
“A liberdade de expressão só faz sentido se a defendermos
para ideias que detestamos.”
Dir-me-ão que
estou a ser contraditória, já que ao não nos recusarmos a ouvir outras ideias
podemos estar a legitimar ideias anti-democráticas. E, de facto, a democracia
tem essa contradição. Mas da mesma forma que partidos anti-democráticos podem
ganhar relevância e posição nas instituições democráticas, enquanto vivermos em
democracia, a persuasão e o combate através de ideias são utensílios que todos
temos o poder e dever de usar para combater os nossos opositores. Como disse a
deputada do PS Isabel Moreira: “Às vezes, custa muito ser democrata. Pode até
ser impopular. Mas uma pessoa que respeita a Constituição não excepciona o
respeito quando a dureza espreita. Levanta a cabeça e luta. Politicamente.”
E, portanto, a
liberdade de expressão só faz sentido se a defendermos para ideias que
detestamos. Se isto implica defendermos o direito de demagogos, negacionistas
ou mentirosos poderem falar? Claro. Mas tal como dizia José Mário Branco sobre
a cantiga ser uma arma, também a palavra é uma arma, e se os nossos opositores
usaram dela para proferirem imbecilidades, usemos da mesma moeda para
desconstruí-las.
Sem comentários:
Enviar um comentário