Manuel Carvalho
EDITORIAL
Crónica de mais
uma guerra que o Ocidente vai perder
Nos próximos dias
saberemos o que se começou a desenhar nesta sexta-feira. Não se espera nada de
bom. O Irão, o herdeiro da Pérsia, não pode ficar quieto. A vingança tornou-se
uma exigência do povo e uma indispensável prova de vida para o regime
4 de Janeiro de
2020, 6:54
A zona do Golfo
estava transformada num barril de pólvora que evitava o surgimento de um
detonador. O ataque com drones que matou o general iraniano Qassem Soleimani é
esse detonador. Um assassínio intencional e selectivo de uma alta figura do
Estado é um acto de guerra. O Irão vai retaliar custe o que custar, quanto mais
não seja para manter o seu estatuto de potência regional, e faça-o através de
uma confrontação aberta ou, como todos os especialistas militares admitem como
mais provável, através de manobras da “guerra assimétrica”, o Médio Oriente
volta a ser a zona mais infecciosa do planeta. Seja pela germinação de grupos
terroristas, seja pela perturbação nos mercados de matérias-primas, a Europa (e
o mundo) vai ter de se preparar para uma crise como já não se via desde, pelo
menos, a segunda guerra do Iraque, de 2003.
É crucial
procurar respostas para o que aconteceu. Para preservar o prestígio ou para a
segurança dos Estados Unidos e a dos seus aliados na região, era mesmo
necessário assassinar o número dois do grande rival na zona do Golfo? Há muito
que é disparate acreditar que gestos destes invertem as tendências de fundo. O
clima de tensão, os discursos rufias, o abate de drones ou o confisco de navios
mercantes tinham criado todas as condições para que uma das partes cometesse um
acto imprevidente. A escalada de tensão entre potências rivais raramente se
gere com o apaziguamento. O ataque que matou Soleimani é a prova dessa
impossibilidade.
A relação
conflituosa entre o tirano de Teerão e a bazófia imprevidente de Washington
tinha tudo para gerar este prefácio digno de uma guerra em larga escala. É
impossível o Irão não retaliar e é impossível os Estados Unidos não reagirem a
essa retaliação. Estaria Trump consciente das consequências do ataque? Avaliou
com zelo as consequências de criar um mártir que vai reforçar a coligação
antiamericana no Golfo?
Nos próximos dias
saberemos o que se começou a desenhar nesta sexta-feira. Não se espera nada de
bom. O Irão, o herdeiro da Pérsia, é uma potência histórica na região. Não pode
ficar quieto. A vingança tornou-se uma exigência do povo e uma indispensável prova
de vida para o regime. Depois dos enormes esforços de Obama para pacificar a
região e trazer o Irão para o concerto das nações, o espectro da guerra está de
volta à zona do Golfo e pode envolver tanto os sauditas como Israel. O Ocidente
nada ganhará com ela. Mas pode haver quem ganhe. Como na Síria, lá estarão os
russos, os turcos e talvez até os chineses à espera dos despojos.
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