quarta-feira, 2 de março de 2016

O inominável / Teresa Patrício Gouveia / António Lamas vai receber indemnização no valor de 12 meses de salário

António Lamas vai receber indemnização no valor de 12 meses de salário
1/3/2016, OBSERVADOR

Presidente exonerado do CCB tem direito, de acordo com a lei, a 12 meses de salário. O seu mandato só terminava em outubro de 2017. Se se tivesse demitido, não recebia nada.
O valor ronda os 70 mil euros.

António Lamas vai ter direito a uma indemnização equivalente a 12 meses de salário. Se se tivesse demitido, como o ministro da Cultura, João Soares, sugeriu na sexta-feira, o presidente da Fundação Centro Cultural de Belém iria para casa sem direito a qualquer verba.

O decreto lei 71/2007, sobre o Estatuto do Gestor Público, é claro. O gestor público que for demitido, “desde que conte, pelo menos, 12 meses seguidos de exercício de funções, tem direito a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respetivo mandato, com o limite de 12 meses”. Lamas tinha sido nomeado em outubro de 2014, ou seja, há mais de um ano, e o seu mandato só terminaria em outubro de 2017, por isso, tem direito à remuneração máxima. O salário deste gestor ronda os 5.000 euros, o que dá um valor total de 60 mil euros de indemnização.

O mesmo artigo 26 diz que “o conselho de administração, a comissão executiva, o conselho de administração executivo ou o conselho geral e de supervisão podem ser livremente dissolvidos, ou o gestor público livremente demitido”.

João Soares pediu a demissão de Lamas na sexta-feira, mas este recusou. “Não me demito quando acredito em alguma coisa. Não está na minha natureza. E eu acredito que o CCB tem capacidade para gerar mais receita e depender menos do Fundo de Fomento Cultural, acredito que pode ganhar públicos e ser mais importante do que é hoje para a cidade e para o país”, disse, ao jornal Público. Se se tivesse demitido, perderia o direito à indemnização. Acabou exonerado na segunda-feira ao início da noite.

De acordo com a lei, nos casos de regresso ao exercício de funções ou de aceitação, no prazo de 12 meses, de “função ou cargo no âmbito do setor público administrativo ou empresarial, ou no caso de regresso às funções anteriormente desempenhadas pelos gestores designados em regime de comissão de serviço ou de cedência especial ou ocasional, a indemnização eventualmente devida é reduzida ao montante da diferença entre o vencimento como gestor e o vencimento do lugar de origem à data da cessação de funções de gestor, ou o novo vencimento, devendo ser devolvida a parte da indemnização que eventualmente haja sido paga”.

O inominável
Teresa Patrício Gouveia
1/3/2016, OBSERVADOR

Em 40 anos de democracia nunca presenciei, como agora, um tal espectáculo de grosseria e despudor e de falta de respeito pelo serviço público por parte de um político com responsabilidades públicas.

Tive o privilégio de ter a colaboração do Professor António Lamas como Presidente do IPPC e, desde aí, pude, todos puderam, nos últimos 30 anos, acompanhar a sua brilhante carreira como universitário e gestor público.

Raríssimas vezes se veem reunidas numa mesma pessoa visão clara, capacidade de concretizar e um inabalável entusiasmo, gosto genuíno, pela obra e pela realização, como no caso de António Lamas.

António Lamas tem obra feita, nos vários cargos públicos que lhe foram cometidos.

Num dos últimos, o de presidente do Monte da Lua-Parques de Sintra, com base numa investigação rigorosa e um saber técnico assinaláveis, recuperou – também financeiramente – um dos mais valiosos e emblemáticos conjuntos patrimoniais portugueses.

A ele se deve também, em larga medida, a existência do Centro Cultural de Belém.

António Lamas acaba de ser publicamente insultado e despedido pelo membro do governo que tutela o CCB.

Desconhecemos – ninguém conhece, julgo – qual o argumento político ou de política cultural que fundamenta esta destituição. Não é conhecida até à data, ao governante, uma única ideia. Nada poderia, aliás, justificar o método e a linguagem destemperada e grosseira ouvida de um ministro.

Uma campanha contra o plano para o eixo Ajuda-Belém (que se encontra publicado e disponível para crítica e discussão) de que o Prof. António Lamas foi encarregue, através de uma Resolução do Conselho de Ministros, fora já iniciada sob falsos pretextos, neste caso o de ausência de contactos com a Câmara Municipal de Lisboa. Sei que os houve.

Podemos supor, supor apenas, as várias motivações, já que nenhum comentário substantivo quanto ao plano foi até hoje conhecido ou tornado público pelos seus opositores, que antes escolheram as armas do assassinato de carácter, o ataque pessoal, ou até a silenciosa obstrução burocrática, como a que foi feita, por quem a pôde fazer, ainda durante o anterior Governo.

O enunciado político e o processo são componentes essenciais da democracia. Na sua ausência, resta a gestão – o assalto – aos lugares, ao sabor da sofreguidão pessoal, da vinculação partidária ou de outras fidelidades.

Em 40 anos de democracia nunca presenciei, como agora, um tal espectáculo de grosseria e despudor e de falta de respeito pelo serviço público por parte de um político com responsabilidades públicas. Lamento ainda que seja a propósito de um tão digno servidor do Estado e tão honrado cidadão.

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