O vereador do Urbanismo reconheceu que o promotor cravou estacas num terreno do município |
Câmara
acusada de beneficiar promotor da torre de Picoas
O
vereador do Urbanismo reconheceu que, tal como tinha denunciado o BE,
o promotor fez obras num terreno que não lhe pertencia. E acrescenta
que a infracção só foi detectada depois de várias fiscalizações
Inês
Boaventura / 2-3-2016 / PÚBLICO
A actuação da
câmara no caso da torre de 17 andares em Picoas esteve debaixo de
fogo na Assembleia Municipal de Lisboa, onde se ouviram criticas pela
suposta atribuição de benefícios ao promotor do projecto e por
alegadamente se permitir que este viole as regras urbanísticas. Até
Helena Roseta optou por não assumir o lugar de presidente da mesa
para fazer uma intervenção, na qual condenou aquilo que considerou
ser “uma falha grave” na fiscalização da obra.
Em causa está o
facto de o promotor deste empreendimento ter feito obras numa parcela
de terreno na Av. Fontes Pereira de Melo que não é propriedade sua,
mas sim da câmara. Esta situação tinha sido denunciada pelo Bloco
de Esquerda na reunião da assembleia municipal que se realizou há
duas semanas, ocasião na qual o vereador do Urbanismo pouco mais
disse do que garantir que as obras nessa frente de trabalho estavam
paradas. Ontem, Manuel Salgado foi mais longe e reconheceu que o
promotor cravou estacas num terreno do município. A desafectação
do domínio público municipal desse terreno, com vista à sua
posterior cedência ao promotor em questão, foi já proposta e
aprovada pela câmara, mas carece ainda de aprovação da assembleia
municipal.
Segundo o vereador,
essa “infracção” foi detectada no início de Dezembro, depois
de ter passado despercebida em várias fiscalizações anteriores.
“Andou mal, muito mal o dono da obra”, constatou Manuel Salgado,
garantindo que, assim que foi assinalada a situação, foi
determinada a paragem dos trabalhos na frente de obra da Av. Fontes
Pereira de Melo. E por que é que a obra não foi embargada? “Porque
o dono da obra acatou imediatamente”, justificou o vereador,
segundo quem foi já decidido “proceder à abertura de um processo
contra-ordenacional, por obras sem autorização”. “Não podemos
permitir que situações destas se repitam”, rematou.
As explicações de
Salgado não foram suficientes para convencer boa parte dos deputados
da assembleia municipal. Entre eles o bloquista Ricardo Robles,
segundo quem não só os trabalhos que alegadamente estavam parados
continuaram a ser feitos como o promotor “avançou também para
dentro do domínio público” numa outra frente de obra, na Av. 5 de
Outubro. Para o deputado, que já por várias vezes criticou a forma
como o executivo presidido por Fernando Medina tem conduzido este
processo, este “é um caso que começa a ter dimensões graves”.
“A câmara não deve ser um parceiro que permite tudo o que vai
para além das regras”, disse ainda, criticando “o tratamento
absolutamente excepcional deste projecto” e o “benefício”
atribuído ao promotor em questão.
Também muito
crítica foi Margarida Saavedra (PSD), que considerou que a
atribuição pela câmara do estatuto de obra com excepcional
interesse municipal fez com que este projecto fosse “dispensado do
cumprimento de uma série de preceitos”. “A lei aplica-se a
todos”, sublinhou, alertando que, a não ser assim, se está a
comprometer a “equidade” que deve existir. Defendeu ainda que, no
que às “obras clandestinas” diz respeito, “a culpa não pode
morrer sozinha”. Acrescentando que “tudo indica” que esta
situação tenha tido “a conivência da câmara”, Margarida
Saavedra sustentou que a autarquia “não se pode furtar das
culpas”.
Ouviram-se ainda
criticas de Miguel Santos, do Pessoas-AnimaisNatureza, e de Modesto
Navarro, do PCP, bem como de Helena Roseta, que foi eleita na lista
do PS. Condenando a “falha grave” que existiu na fiscalização,
a autarca dos Cidadãos Por Lisboa afirmou: “Há que tomar
providências para sermos especialmente exigentes nos projectos que
têm especial relevância”.
Em resposta aos
deputados, Salgado fez saber que vai enviar para o órgão presidido
por Roseta “todo o processo” da torre de Picoas, para que os
deputados possam fazer a sua “auditoria”. O vereador frisou ainda
que o facto de se considerar que este edifício tem excepcional
interesse “não o isenta do cumprimento escrupuloso de toda a
regulamentação urbanística”. Segundo acrescentou depois ao
PÚBLICO, “a única coisa em que [essa distinção] se traduziu foi
na possibilidade de o promotor recorrer aos créditos de construção”
para aumentar a edificabilidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário