"Francisco é chefe do Estado do Vaticano. O que é que ele pode fazer?"
Por Sofia Lorena in Público
03/05/2013
"Vamos publicar uma bomba sobre Portugal"
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O novo Papa é um homem que vem de fora da Cúria, do fim do mundo, mas os primeiros sinais políticos "não são bons". É muito difícil fazer mudanças, como se viu com Ratzinger, principalmente no banco do Vaticano. Já trabalhou para jornais e foi correspondente em Jerusalém; agora divide-se entre as investigações para os livros e as conferências sobre segurança e terrorismo. Já escreveu sobre a Mossad, a máfia siciliana, a CIA e Osama bin Laden. Um dia tropeçou num dossier sobre os serviços secretos do Vaticano na biblioteca do quartel-general da CIA, escreveu a Santa Aliança e nunca mais parou: "O Vaticano daria para uns 15 volumes." O espanhol Eric Frattini veio a Lisboa para lançar a edição portuguesa de Os Abutres do Vaticano (Bertrand), que escreveu depois de ter recebido 47 cartas do Papa, parte dos milhares de documentos do escândalo conhecido como Vatileaks.
Tinha imaginado que o Vaticano seria um dos seus temas de trabalho?
Eu já tinha lido muito sobre o Vaticano. Até João Paulo II, o enterro de um pontífice era secreto, os leitores que se interessam sobre o tema, os católicos, não sabiam que um Papa estava doente, que tinha cancro, que lhe doía o estômago. Um Papa também morre, mas quando chegava a notícia era uma grande surpresa. Para o Vaticano, tudo o que não é sagrado é secreto. E isso é que me despertou a curiosidade. Comecei a investigar e encontrei muitíssimos documentos.
Quais são as diferenças entre os serviços secretos do Vaticano e as agências dos países convencionais?
Os do Vaticano são os mais antigos e os que têm a maior rede de informadores. Da Mossad diz-se que cada judeu é um informador, agora imagine que cada religioso colocado em qualquer selva no mundo... Dizem que o seu lema não oficial é "da Amazónia ao deserto, do deserto a Nova Iorque, de Nova Iorque ao Vaticano".
São mais eficientes?
Simon Wiesenthal, o famoso caça-nazis, disse que eram os serviços secretos mais bem informados.
Mas ocupam-se das mesmas actividades. Já apoiaram golpes de Estado, ditaduras.
Claro, vendem armas a ditadores, têm sociedades financeiras em paraísos fiscais. A mim acusam-me de ser anticatólico, o que é um disparate, não sou crente mas anticatólico também não. Eu não falo de religião, os meus livros são sobre política do Vaticano.
É isso que o Vatileaks mostra, que o Vaticano é um Estado como os outros.
Claro, com a sua corrupção, as suas coisas boas e as suas coisas más, os seus políticos. São todos políticos. A diferença é que em Portugal há milhões de eleitores e ali votam 115 [número de cardeais no conclave que elegeu Francisco]. As campanhas são iguais, a diferença é que os políticos portugueses gastam em cartazes enquanto eles passam o tempo em negociações no pré-conclave. "Tu apoias-me se eu te apoiar para secretário de Estado?" As congregações são isso.
É mais fácil lidar com as críticas quando em causa está um país qualquer ou o Vaticano?
Para mim é igual. Em relação ao Vaticano, as críticas vêm dos meios de comunicação católicos e dos vaticanistas retrógrados. Ficaram lixados por eu ter escrito em Outubro que o Papa poderia renunciar, entraram em histeria, foi de morrer a rir. Disseram "um Papa não renuncia, um Papa morre... o último que renunciou foi Celestino V". E eu, "sim, um Papa morre, morremos todos, mas este está a dar sinais de que pode renunciar".
É Francisco que vai reformar o Governo do Vaticano, a Cúria?
Eu não espero nada.
Porquê?
Por causa do comité [nomeado pelo Papa para o aconselhar sobre a reforma], que é presidido por Giuseppe Bertello [chefe da Comissão Pontifícia para o Estado da Cidade do Vaticano]. Em Dezembro de 2010, o Papa lançou uma lei a dizer que todos os departamentos financeiros tinham de abrir os dossiers aos auditores do Conselho da Europa. Misteriosamente, em Abril de 2011, o senhor Bertello emitiu um decreto a determinar que só alguns livros de contas seriam abertos.
Bertello representa a Cúria no comité, mas há nomeados muito diferentes. Acredita que ele vai controlar o trabalho do comité?
Sim, mas não é só isso. No comité também está um senhor que se chama [Francisco Javier] Errázuriz [Ossa], que encobriu casos de pedofilia no Chile. É este senhor que vai falar de reforma da Cúria? No comité está um senhor que se chama [Oscar Rodríguez] Maradiaga, o arcebispo de Tegucigalpa, que é um senhor sodanista [seguidor do ex-secretário de Estado e actual decano do Colégio Cardinalício Angelo Sodano] até ao tutano, só faz o que lhe diz Sodano.
Francisco é argentino. Disse várias vezes que só um Papa italiano poderia realmente reformar a Cúria. A inclusão desses nomes não pode fazer parte das cedências que o Papa tem de fazer para conseguir mudar seja o que for? Afinal, ele vem do fim do mundo.
Sim, quando ele disse que vinha do fim do mundo não estava a falar da Argentina, estava a dizer que vinha de muito longe da Cúria. Efectivamente, é um homem que vem de fora da Cúria.
Não pode ser uma estratégia?
Não sei, a reverência com que se apresenta aos crentes, a pedir-lhes que o abençoem, é um enorme sinal de humildade. Mas os sinais políticos não são bons. Este comité não é um bom começo.
E é possível mexer no IOR, o banco do Vaticano? Ratzinger deixou o seu secretário de Estado, Tarcisio Bertone, protagonista do Vatileaks, com quase todo o poder.
O poder está na AIF, a Autoridade de Informação Financeira, que controla tudo, e na mesma semana em que saiu Bento XVI confirmou todo o conselho regulador da AIF, onde está Bertello, Bertone, e Attilio Nicora. Assim que assumiu o cargo de presidente, Bertone afastou Nicora, nomeando para o seu lugar Domenico Calcagno, que é um homem seu, é o presidente da APSA [Administração do Património da Santa Sé].
Como é que se explica que Ratzinger tenha dado esse poder a Bertone?
Era uma jogada. Ele sabia que Bertone se reforma em 2014 e contava que Nicora passaria a controlar a AIF. Mas Bertone garantiu que quando isso acontecer será Calcagno a assumir o seu lugar.
Sempre que alguém tentou denunciar os problemas do IOR foi afastado.
Sim, esperemos que este Papa não caia no banho, nem tome café adulterado. Vamos ver. Ele já fez duas declarações públicas que são muito complicadas para um Papa. Disse "Jesus Cristo não precisou de nenhum banco" e depois perguntou porque é que o Vaticano precisa de um banco se pode trabalhar com bancos italianos. Francisco tem alguma hipótese contra Bertone, se realmente quiser reformar o banco?
O conselho de administração está dominado pelos homens de Bertone, [o novo presidente] Ernst von Freyberg é um homem de Bertone e amigo de Domenico Calcagno. São estas pessoas que vão regular o banco? Em 2009, uma senhora com muito poder, Hillary Clinton, disse ao Papa, "Santidade, se vocês não resolvem as coisas vamos ter de incluir o banco numa lista negra do Departamento do Tesouro, vocês não cumprem nenhuma das 46 normativas que exige a legislação internacional contra fraude, branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo". Foi depois disso que ele aprovou a tal lei, mas ninguém lhe fez caso.
Faltam os actos, mas todo o discurso do Papa sobre a pobreza faz pensar numa vontade de mudança.
Eu sou velho e pessimista. Se ele suspender o banco, afastar toda a cúpula de Sodano ou de Bertone... aí sim, vou acreditar. Este Papa é diferente, usa os seus sapatos velhos, recusa carros blindados, vai pagar a conta do alojamento ao centro de Roma. Mas também é chefe do Estado do Vaticano, o que é que ele pode fazer?
O pouco poder de Ratzinger é o mais surpreendente nos documentos?
Sim, o pouco poder e a sua solidão enquanto tentava fazer reformas. Eu sou um anti-Ratzinger, mas sou um apoiante de Bento XVI, penso que ficará na História como um revolucionário. Falhou, porque os acontecimentos o ultrapassaram ou porque a pressão da imprensa com os casos de pedofilia foi demasiada. João Paulo II encobriu tudo, o campesino polaco, como eu lhe chamava, todos recordamos a bênção que deu a Marcial Maciel [acusado de inúmeros crimes de pedofilia]. Claro, é fundador dos Legionários de Cristo, que têm poder e muito dinheiro. João Paulo II pensou "o que é que me importa mais, o dinheiro que me dão os Legionários ou as 5000 crianças violadas por padres?". Teve de vir Ratzinger para condenar e afastar Maciel.
"Vamos publicar uma bomba sobre Portugal"
03/05/2013 – in Público
Não é um vaticanista. Gianluigi Nuzzi, autor de um livro a partir de centenas de documentos do Papa, também não é. Os livros que expõem os segredos nunca vêm de vaticanistas.
Isso acontece em todos os Estados. O melhor livro sobre corrupção política em Portugal não poderia ser escrito por alguém próximo dos socialistas ou dos sociais-democratas, faz mais sentido que seja escrito por alguém distante, que olha com a mesma frieza para uns e para outros.
Mas não são só pessoas que vêm de fora, são jornalistas mais acostumados a investigar corrupção financeira, como Nuzzi, ou, no seu caso, a máfia italiana ou o terrorismo.
Para quem está de fora, é sempre mais cómodo. Eu vim de fora, no sentido em que não sou um vaticanista, e continuo fora. É o que me acontece com o próximo livro, o meu próximo livro vai ser uma bomba atómica em Portugal. Sai em Março de 2014, estou a escrevê-lo a meias com o Luís Miguel Rocha, vai ser uma bomba, um choque para os portugueses.
Porquê?
Por causa das revelações que contém. É um livro de mais de 600 páginas só sobre Portugal. Vai ser um choque para os portugueses, quando descobrirem as coisas que revelamos, e vai ser um problema para os portugueses.
Mas de que temas trata?
De todos os temas, da política, essencialmente.
E ocupa-se de um período específico?
De 1943 a Dezembro de 2012. Não digo mais porque a Bertrand não me deixa. Mas vai ser dez vezes a bomba de Hiroxima em Portugal. Vai ser muito problemático para os políticos portugueses e vai ser um choque para os cidadãos de Portugal. Formamos uma grande equipa. Rocha é português e a investigação afecta-o mais. Eu vou notando isso, ele sente-se mais afectado, eu vejo tudo com muito mais distância, eu parei no Mário Soares, nem sequer sigo de perto a política portuguesa. Por isso, trato os acontecimentos mais friamente, o que é normal.
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