Uma dramatização para a Europa ver
A guerra das pensões ficou-se, por enquanto, por um compromisso frágil. A troika continua à espreita.
13/05/2013 Editorial / Público
Ontem, ao realizar um Conselho de Ministros extraordinário, o Governo quis dar um toque de dramatização à crise interna para "mostrar", numa curta nota escrita, que havia um acordo e que esse acordo contentava todos. Foi, sobretudo, um espectáculo calculado para o exterior, já que hoje, em Bruxelas, os ministros das Finanças da zona euro (Ecofin) se preparam para confirmar a concessão de mais um ano a Portugal para corrigir o défice e calha bem ter no ar "boas notícias". Mas a crise foi só superficialmente debelada. O compromisso ontem anunciado não anda muito longe daquilo que o Governo dissera a 3 de Maio, quando a taxa sobre as pensões foi apresentada como uma medida que seria reduzida ou até eliminada caso houvesse outros meios de obter a mesma receita. O que ontem ficou consignado é que a medida entrará no memorando como facultativa e não obrigatória (aqui terá ganho Portas), comprometendo-se o Governo e encontrar alternativas para evitar recorrer a ela. Não há, portanto, uma decisão, há um adiamento. Porém, corrido o pano deste espectáculo que não teve sequer um "acto" digno desse nome, continua pendente o real entendimento da troika sobre tal "acordo". Bastar-lhes-á o "facultativa" para saírem de Portugal com sensação de missão cumprida? Ou pressionarão o Governo para que se encontre outra palavra ainda mais dúbia que possa abrir o caminho a aplicação "obrigatória" da taxa sobre as pensões pela qual tanto se bateram? Entre o silêncio (pelo menos o silêncio público) da troika e as tréguas tácitas de Paulo Portas com base numa palavra e em ambíguas intenções, o que resta é um pacto frágil que não augura nada de sólido para os próximos dias. E há uma sensação de crise latente que o anúncio do Conselho de Ministros extraordinário só veio exacerbar. Só o PSD veio, de súbito, aplaudir o Governo por um acordo com a troika que ainda não existe ou, existindo, ainda ninguém conhece. Triste sina a nossa
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"A credibilidade do doutor Paulo Portas ficou arrasada"
Os dois principais comentadores políticos de domingo, Marcelo Rebelo de Sousa e José Sócrates, consideram que o drama em torno da taxa de sustentabilidade e a solução encontrada enfraqueceram o Governo, especialmente o CDS-PP. Caso não tivesse havido acordo "podia cair o Governo", acredita Rebelo de Sousa. Perante a solução encontrada, diz, "o Governo aguenta mas é um Governo fraquinho, fraquinho, fraquinho"."Politicamente ficam todos mal neste filme", afirmou o ex-líder do PSD no seu espaço de comentário habitual aos domingos à noite na TVI, referindo-se à tensão no Governo por causa daquela contribuição. José Sócrates considera que o facto de Paulo Portas afinal deixar passar a taxa de sustentabilidade sobre as pensões arrasou a credibilidade do líder do CDS-PP. "A credibilidade do doutor Paulo Portas ficou arrasada", disse, no seu habitual comentário na RTP. Para o ex-líder socialista, o Conselho de Ministros de ontem serviu para assinalar "que a fronteira de consciência do doutor Paulo Portas durou uma semana".
Um suicídio político
Por Ana Sá Lopes
publicado em 13 Maio 2013 in (jornal) i online
O governo esteve para cair durante o fim-de-semana – infelizmente, para uma boa parte dos portugueses, não caiu. Mas uma outra pessoa que tinha tudo a ganhar com a queda do governo, Paulo Portas, aceitou manter-se, a troco de uma cedência da troika – a TSU dos pensionistas deixa de ser obrigatória para a entrega da próxima tranche. A questão é que Paulo Portas tinha assinalado que essa era a sua “última fronteira”, a que “não poderia deixar passar” e falhou. Deixando de ser obrigatório, o imposto novo sobre os pensionistas, ficou no acordo. Está lá, tem existência escrita. Pode não ser aplicado, mas os portugueses já perderam toda a fé de que uma medida alegadamente “facultativa” valha alguma coisa no estado das coisas, uma vez que o governo nos habituou a esperar que a uma notícia aterrorizadora se seguirá provavelmente mais outra medida pestífera.
Paulo Portas já tinha partido fragilizado para este combate. Ao levantar, no domingo passado, o estandarte do “cisma grisalho” – tentando recuperar a confiança do seu eleitorado de eleição, os pensionistas e idosos – Paulo Portas fez uma promessa grandiloquente (“o primeiro-ministro sabe que esta é a fronteira que não posso deixar passar”) quando já tinha contribuído para esse mesmo “cisma grisalho”, ao dar o seu ámen ao corte das pensões da Caixa Geral de Aposentações – que afectará os mesmos grisalhos que, como nesse discurso referiu Portas, contribuem para o mínimo de coesão ao sustentar os filhos desempregados e a consumir o mínimo para aguentar a procura interna. O “cisma” já existia e vai deixar marcas profundas na imagem política de Portas.
Claro que a prova de que o governo está todo partido e não tarda a tranformar--se num “holograma” foi o facto da “fonte oficial” do governo se ter empenhado em humilhar Paulo Portas, anunciando aos quatro ventos a sua cedência, mal a reunião acabou – ignorando objectivamente o trade-off alcançado. Independentemente de ter conseguido limitar o alcance da TSU dos reformados – e, eventualmente, fazer com que não venha a ser aplicada – a imagem de Paulo Portas ficará indissoluvelmente ligada àquilo que, na prática, constituiu um recuo face à “fronteira que não podia ultrapassar”. Na semana que passou, o CDS perdeu o discurso do protector dos pensionistas e idosos. Ao aceitar ficar no governo sob esta condição “eventual”, Portas cometeu um suicídio político. O homem das sete vidas pode ter deliberadamente acabado com esta.
Os jogos sem fronteiras de Paulo Portas
Daniel Oliveira
Segunda feira, 13 de maio de 2013 in Expresso online
A culpa foi minha. Quando Paulo Portas disse que a "TSU dos pensionistas" era uma "fronteira" que não podia passar eu levei-o, apesar do seu currículo político em relação aos seus compromissos categóricos, a sério. Era tudo afirmado com tanta pompa e circunstância que achei que o resultado teria de ser, se ela se mantivesse, a queda do governo.
Como nunca tive, até aí a minha ingenuidade não chegou, a ilusão de que Portas pusesse a possibilidade de abandonar o lugar de ministro dos Negócios Estrangeiros, acabei por concluir que se tratava de uma encenação em que Passos avançava com uma proposta com a margem suficiente para depois recuar e assim dar uma vitória ao CDS, salvando o essencial de mais um brutal pacote de austeridade. Atribui a este governo, numa lógica de puro cinismo político, algum profissionalismo.
Assim não foi. A Contribuição de Sustentabilidade - este é o governo dos eufemismos - avançou mesmo. E Paulo Portas ficou. Depois do choque inicial, o CDS fez saber que tinha tido uma vitória. Daquelas que tem sempre: as morais e simbólicas. A coisa foi decidida mas, ao contrário de todos os outros assaltos aos reformados e funcionários públicos, deixou de ser obrigatória. Só será aplicada se entretanto não surgir uma alternativa. É a primeira vez na história do País que um Conselho de Ministros anuncia medidas à consignação. Mas foi este absurdo que serviu para que Portas tentasse vender a maior cambalhota da sua longa história de ginasta acrobático como uma não cedência.
Depois de Paulo Portas ter sido de tal forma claro sobre qual era a sua fronteira, é preciso ser igualmente claro com Paulo Portas: quem disse que não aceita que uma linha vermelha seja pisada e decide que afinal ela pode, em último recurso, ser pisada aldrabou as pessoas quando fez a primeira afirmação. E mostrou que tudo o que diz não deve ser levado a sério.
Paulo Portas não tem fronteiras nenhumas neste jogo que tem como únicos objetivos manter-se no poder sem, quando vierem as eleições, pagar a fatura dos resultados desta governação. Como quer ganhar, independentemente do desenrolar do jogo, faz batota e engana o árbitro, que são os eleitores.
Paulo Portas não disse, no domingo da semana passada, que não aceitaria passar esta fronteira, a não ser que fosse a única forma de se manter no governo. Não disse que só aceitaria mais este imposto sobre os reformados se não houvesse mais nenhuma alternativa. Disse: "Num País onde parte da pobreza está nos mais velhos, numa sociedade em que inúmeros avós têm de tratar dos filhos que estão no desemprego e cuidar dos netos, num sistema social que tem de respeitar regras de confiança o primeiro ministro sabe e creio ter compreendido que esta é a fronteira que não posso deixar passar. Porque não quero que em Portugal se verifique uma espécie de cisma grisalho."
Deixou passar. Se não houver alternativas, mas deixou. Continuando a dar ao país a ideia de que se está a bater contra ela, mas deixou. Esperando ser salvo na 25ª hora, mas deixou. Se ela for mesmo aplicada e o CDS não sair do governo, só pode ser dito sobre o seu líder o que se evita afirmar no debate político nacional: que Paulo Portas é mentiroso. E que quem continuar a votar nele gosta de ser enganado.
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/os-jogos-sem-fronteiras-de-paulo-portas=f806564#ixzz2TA4SKyaO
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