terça-feira, 9 de maio de 2023

A casa de Luís Montenegro e a bizarra reacção a uma notícia

 



 OPINIÃO

A casa de Luís Montenegro e a bizarra reacção a uma notícia

 

Os jornalistas são chatos, e devem ser chatos. É o trabalho deles.

 

João Miguel Tavares

8 de Maio de 2023, 22:51

https://www.publico.pt/2023/05/08/opiniao/opiniao/casa-luis-montenegro-bizarra-reaccao-noticia-2048936

 

Há várias coisas de que não gosto em Luís Montenegro, e uma chateia-me especialmente: a forma como tem reagido a notícias incómodas é demasiado parecida com o tom descabelado com que Sócrates respondia a cada suspeita. Montenegro devia meter isto na cabeça: o registo acintoso-silencioso, no qual se poupa nas explicações e se carrega na indignação, talvez fosse aceitável em 2010. Não é, de todo, aceitável em 2023.

 

O Expresso publicou uma notícia de duas páginas sobre a casa nova de Luís Montenegro em Espinho, intitulada “Montenegro não declarou valor de casa com seis pisos”. Não tem mal algum um político ter uma casa nova com 800 metros quadrados, seis pisos, elevador, oito casas de banho e quatro lugares de garagem, a 100 metros do mar. Bom para ele. Aproveite-a bem. O que tem mal é isto: 1) um jornalista perguntar-lhe quanto é que a casa custou e ele recusar-se a dizer; 2) um jornalista pedir-lhe detalhes acerca do pagamento das obras e ele limitar-se a responder que foram “pagas por fundos próprios da família”; 3) um jornalista estar a escrutinar um candidato a primeiro-ministro e ele responder que não compreende “o interesse jornalístico em publicar o que quer que seja”, invocando “a preservação da reserva pessoal e privada”.

 

Isto é Sócrates vintage

 

Caro Luís Montenegro: se quer preservar a sua vida pessoal e privada ao ponto de achar que não tem de dar explicações sobre uma casa de seis andares, novinha em folha, é muito simples – não se candidate a primeiro-ministro. Os jornalistas são chatos, e devem ser chatos. É o trabalho deles. Lembro-me de há umas semanas a revista Sábado ter visto Montenegro com um relógio de luxo e enviado um email a perguntar se era um Rolex Datejust azul, que custa entre 13 e 16 mil euros. A assessoria não respondeu. Foi pena. Era só dizer “sim” ou “não”.

 

Desta vez respondeu, através de uma nota de esclarecimento do PSD – o que, aliás, não faz qualquer sentido, porque não é o partido, nem a actuação política de Montenegro, que estão em causa. A primeira frase da nota era esta: “O jornal Expresso publica uma notícia insidiosa, infundamentada e carregada de erros jurídicos e factuais, embrulhados em apreciações insultuosas e intencionalmente maldosas, passíveis de responsabilização civil e criminal.” A seguir garantia, em relação à casa, que estava tudo legal e declarado, incluindo no Tribunal Constitucional. E depois regressava à canelada: “a notícia publicada tem um intuito político indisfarçável, que se repudia do ponto de vista cívico e jornalístico”; “o contexto e a oportunidade da publicação falam por si”; “o PSD defenderá sempre a liberdade de informar”, mas “condena o seu uso abusivo e instrumental”. Isto é Sócrates vintage.

 

Vamos cá ver. Nem o Expresso é um tablóide, nem o jornalista Micael Pereira, que assina a notícia, é um jovem estagiário a precisar de dar nas vistas. Aliás, um dia após o artigo ser publicado, Francisco Pinto Balsemão, dono do Expresso, aparecia em público a apoiar Montenegro e a garantir que o PSD era “hoje a única oposição forte e credível”. Para quê inventar teorias da conspiração complicadas quando se podem dar explicações simples?

 

Já aquando da Operação Vórtex, que envolveu Joaquim Pinto Moreira (um dos seus homens de confiança), Luís Montenegro reagiu de forma absurda e destemperada. Se ele andou por cá entre 2005 e 2011, devia ter aprendido pelo menos isto: essa é uma péssima estratégia, que apenas alimenta aquilo que está a querer abafar.

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