A casa de Luís Montenegro e a bizarra reacção a uma
notícia
Os jornalistas são chatos, e devem ser chatos. É o
trabalho deles.
João Miguel
Tavares
8 de Maio de
2023, 22:51
Há várias coisas
de que não gosto em Luís Montenegro, e uma chateia-me especialmente: a forma
como tem reagido a notícias incómodas é demasiado parecida com o tom
descabelado com que Sócrates respondia a cada suspeita. Montenegro devia meter
isto na cabeça: o registo acintoso-silencioso, no qual se poupa nas explicações
e se carrega na indignação, talvez fosse aceitável em 2010. Não é, de todo,
aceitável em 2023.
O Expresso
publicou uma notícia de duas páginas sobre a casa nova de Luís Montenegro em
Espinho, intitulada “Montenegro não declarou valor de casa com seis pisos”. Não
tem mal algum um político ter uma casa nova com 800 metros quadrados, seis
pisos, elevador, oito casas de banho e quatro lugares de garagem, a 100 metros
do mar. Bom para ele. Aproveite-a bem. O que tem mal é isto: 1) um jornalista
perguntar-lhe quanto é que a casa custou e ele recusar-se a dizer; 2) um
jornalista pedir-lhe detalhes acerca do pagamento das obras e ele limitar-se a
responder que foram “pagas por fundos próprios da família”; 3) um jornalista
estar a escrutinar um candidato a primeiro-ministro e ele responder que não
compreende “o interesse jornalístico em publicar o que quer que seja”,
invocando “a preservação da reserva pessoal e privada”.
Isto é Sócrates vintage
Caro Luís
Montenegro: se quer preservar a sua vida pessoal e privada ao ponto de achar
que não tem de dar explicações sobre uma casa de seis andares, novinha em
folha, é muito simples – não se candidate a primeiro-ministro. Os jornalistas
são chatos, e devem ser chatos. É o trabalho deles. Lembro-me de há umas
semanas a revista Sábado ter visto Montenegro com um relógio de luxo e enviado
um email a perguntar se era um Rolex Datejust azul, que custa entre 13 e 16 mil
euros. A assessoria não respondeu. Foi pena. Era só dizer “sim” ou “não”.
Desta vez
respondeu, através de uma nota de esclarecimento do PSD – o que, aliás, não faz
qualquer sentido, porque não é o partido, nem a actuação política de
Montenegro, que estão em causa. A primeira frase da nota era esta: “O jornal
Expresso publica uma notícia insidiosa, infundamentada e carregada de erros
jurídicos e factuais, embrulhados em apreciações insultuosas e intencionalmente
maldosas, passíveis de responsabilização civil e criminal.” A seguir garantia,
em relação à casa, que estava tudo legal e declarado, incluindo no Tribunal
Constitucional. E depois regressava à canelada: “a notícia publicada tem um
intuito político indisfarçável, que se repudia do ponto de vista cívico e
jornalístico”; “o contexto e a oportunidade da publicação falam por si”; “o PSD
defenderá sempre a liberdade de informar”, mas “condena o seu uso abusivo e
instrumental”. Isto é Sócrates vintage.
Vamos cá ver. Nem
o Expresso é um tablóide, nem o jornalista Micael Pereira, que assina a
notícia, é um jovem estagiário a precisar de dar nas vistas. Aliás, um dia após
o artigo ser publicado, Francisco Pinto Balsemão, dono do Expresso, aparecia em
público a apoiar Montenegro e a garantir que o PSD era “hoje a única oposição
forte e credível”. Para quê inventar teorias da conspiração complicadas quando
se podem dar explicações simples?
Já aquando da
Operação Vórtex, que envolveu Joaquim Pinto Moreira (um dos seus homens de
confiança), Luís Montenegro reagiu de forma absurda e destemperada. Se ele
andou por cá entre 2005 e 2011, devia ter aprendido pelo menos isto: essa é uma
péssima estratégia, que apenas alimenta aquilo que está a querer abafar.
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